Docentes da Faculdade de Ciências Médicas acabam de lançar o livro “Cama de gato: histórias de idosas/os e cuidadoras/es em edículas de cuidado”. A obra contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e foi publicada pela editora Pontes. Os autores, Rafael Afonso e Priscila Francisco, são do Departamento de Saúde Coletiva da FCM, além de Érica Estevam, que cursou mestrado profissional em Saúde Coletiva (Políticas e Gestão em Saúde), orientada por Priscila e coorientada por Rafael. O livro tem, ainda, prefácio de Nadya Guimarães, ilustração de João da Silva e capa e design de Fábia Karklin.
Priscila conta que a história começou com a atuação de Érica em seu mestrado sobre violação de direitos da pessoa idosa. A aluna queria entrevistar essas pessoas, que atendia como assistente social, utilizando informações qualitativas. O trabalho rendeu artigo científico, dissertação e o próprio livro. Para a docente, “A pesquisa e a intervenção têm que estar atreladas à prática de nossos alunos profissionais de saúde. No mestrado profissional, eles trazem essa experiência muito rica. É diferente de investigarmos um tema de uma forma mais tradicional. Assim, com a dedicação da Érica, conseguimos potencializar muito o trabalho. Ficamos contentes com esse tipo de produção do programa”.
Érica, que trabalha há 11 anos no Centro de Referência de Assistência Social (Creas) de Mogi Guaçu com indivíduos em situação de violência, conta que a motivação para o trabalho foi inicialmente dar voz aos idosos. “Percebia a falta de autonomia deles. Os encaminhamentos chegavam com decisões institucionais já tomadas, sem que pudessem opinar sobre as próprias vidas. Tivemos que refazer esse percurso, ouvindo-os e entendendo o que sentiam como violência”. Segundo a autora, a estratégia era criar vínculo com cuidadores, para que pudesse entrevistar os idosos em seu domicílio. “Esse material se tornou muito rico, e a linguagem acadêmica era insuficiente para expressarmos o que captamos nas entrevistas. O Rafael deu a ideia de transformá-lo em contos e elaborar o livro, na perspectiva da obra Morte Matada, do professor Ricardo Cordeiro (DSC)”.
“As situações que a Érica encontrou ao longo das entrevistas tinham densidade e ebulição simbólica e de afetos que não cabiam na dinâmica do texto acadêmico. Tentamos traduzir o que achávamos que faltava. Ao pensar os contos, fizemos um exercício criativo, evidenciando a energia da entrevista”, declarou Rafael. O professor explica que cada capítulo do livro é composto por arte gráfica e ficha do prontuário de cada paciente e seu cuidador, utilizando nomes fictícios, criados por Fábia Karklin; em seguida, há o conto em si; por fim, o texto é ilustrado pelo artista João da Silva. Rafael também convidou Nadya Guimarães, professora da USP que atua na área de cuidado, para que contribuísse com o prefácio.
O professor do DSC e coordenador da Comissão de Extensão Universitária e Assuntos Comunitários da FCM Rubens Bedrikow avalia como positiva a união dos três autores. “A junção de vocês é muito importante e mostra que as coisas não são isoladas. Um olhar potencializa o outro. É uma honra para o Departamento de Saúde Coletiva tratar a questão do idoso desse jeito, com nossa população envelhecendo tão rapidamente. Eles têm algo a nos dizer. É muito difícil para as famílias e profissionais de saúde estarem preparados para ouvi-los. Além disso, nesse livro, aprendemos o quanto a literatura pode nos ensinar, disparar discussões, também no processo de ensino-aprendizagem”.
Leitura de conto
Na ocasião, a professora Veronica Fabrini, do Instituto de Artes da Unicamp, fez a leitura do conto “Sim, Ditinha”. Confira um trecho:
“Quando morreu Cicero, o Cizinho, o filho de Ditinha, as duas já eram viúvas. Ditinha ligou para Carol. ‘Alô, alô’, gritava Ditinha. ‘Carol, o meu Cizinho morreu na boca da noite’. Ele morrera em outra boca, de fumo, com dois tiros. Carol o velou junto de sua irmã. Elas foram muito irmãs naquele dia. Seus corpos apagados e explorados pelo mundo, embrulhados em silêncio pela dor do dia, permaneceram abraçados até a conclusão dos ritos. Carol olhava para Ditinha e ela sabia o que aqueles olhos diziam. Por isso se esforçou em dizer com os seus: ‘Sim, Ditinha, eu sei... mas você não está só’”.
Biografias
Érica Estevam é graduada em Serviço Social e mestre em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde (FCM). Atua como assistente social no CREAS em Mogi Guaçu.
Priscila Francisco e Rafael Afonso são docentes na pós-graduação do DSC e do mestrado profissional em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde.
Nadya Guimarães é pesquisadora do CNPq associada ao Cebrap e membro titular da Academia Brasileira de Ciências. Atua como docente do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo.
João da Silva é cartunista e cientista social pela Unicamp. Fundador do Coletivo Miséria e da Editora Xerósqui. Já publicou mais de 40 títulos em gibis e zines, além de ilustrar alguns livros.
Fábia Karklin é artista visual, designer e produtora, cientista social pela Unicamp. Dedica-se ao deslocamento como elemento fundador de suas obras, em diferentes suportes.