Artigo publicado na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering traz uma boa notícia para os apreciadores de café: cápsulas de matéria plástica descartadas já podem ser utilizadas como matéria-prima para a fabricação de filamentos destinados, por exemplo, à impressão 3D, minimizando impactos ambientais.
Essa alternativa foi testada com êxito por grupos das universidades Federal de São Carlos (UFSCar), Estadual de Campinas (Unicamp) e Manchester Metropolitan (Reino Unido).
“Produzimos novos filamentos, condutores e não condutores, utilizando o polímero ácido polilático [PLA] proveniente das cápsulas de café. Esses filamentos podem ser utilizados para as mais diversas aplicações, incluindo peças condutoras para máquinas e sensores”, diz à Agência FAPESP Bruno Campos Janegitz, coordenador do Laboratório de Sensores, Nanomedicina e Materiais Nanoestruturados (LSNano) da UFSCar, em Araras, e coautor do artigo.
O Brasil é o maior produtor, o maior exportador e, depois dos Estados Unidos, o segundo maior consumidor de café do mundo. Embora no mercado brasileiro predomine amplamente o café de baixa qualidade – com grãos da espécie robusta (Coffea canephora) e alta incidência de defeitos e impurezas, que os fabricantes disfarçam por meio da torra excessiva e os consumidores escondem acrescentando grandes quantidades de açúcar ou adoçantes –, tem crescido de forma consistente o segmento dos chamados cafés gourmets e especiais.
Produzida com grãos selecionados da espécie arábica (Coffea arabica) e menor tempo de torra, de modo a preservar o açúcar natural e as qualidades olfativas e gustativas do café, a versão “gourmet” pontua de 75 a 80 na escala de zero a cem da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). O “especial”, para alcançar essa classificação, precisa ter também certificado socioambiental e pontuar no mínimo 80 na escala da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA).
Além do produto, a qualidade final da bebida depende também do modo de preparo. Por isso, tem-se difundido o uso doméstico de equipamentos como a prensa francesa, a cafeteira italiana e, em um patamar de preço mais elevado, a cafeteira abastecida com pó encapsulado. O problema, neste último caso, é o que fazer com a cápsula após o uso.
Apesar de existirem cápsulas reutilizáveis e de alguns fabricantes também promoverem a reciclagem das versões feitas em alumínio, o descarte puro e simples predomina, principalmente no caso das cápsulas de matéria plástica. Considerando todos os fatores envolvidos, uma conta feita no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) mostrou que “tomar um cafezinho de cápsula pode ser até 14 vezes mais prejudicial ao meio ambiente do que ‘passá-lo’ no coador de papel”.
Novo destino
Com o objetivo de encontrar novas destinações para esses resíduos, os pesquisadores produziram células eletroquímicas com filamentos do PLA não condutor e sensores eletroquímicos com os filamentos condutores, que foram preparados por meio da agregação de negro de fumo ao PLA. O negro de fumo é uma forma de carbono paracristalino resultante da combustão incompleta de hidrocarbonetos. “Os sensores eletroquímicos foram usados para a determinação do percentual de cafeína em chá verde e café arábica”, informa Janegitz.
O pesquisador conta que a produção dos filamentos é relativamente simples. “A obtenção de material não condutor consiste simplesmente na lavagem e secagem das cápsulas de PLA, seguidas por extrusão em sistema a quente. Para a obtenção de material condutor, é preciso agregar o negro de fumo antes do aquecimento e da extrusão. O material extrusado é então resfriado e enrolado, dando origem aos filamentos de interesse”, detalha.
O processo todo é um bom exemplo da chamada “economia circular”, na qual os resíduos gerados em uma atividade econômica, em vez de serem tratados como problemas, impactando o meio ambiente, são convertidos em recursos para implementar outra atividade. “A base polimérica obtida das cápsulas usadas pode gerar dispositivos com alto valor agregado”, comenta Janegitz.
Ele e a doutora Cristiane Kalinke, da Unicamp, participaram do estudo durante estágio de pesquisa no exterior, sob a supervisão do professor Craig Banks, da Manchester Metropolitan University (Reino Unido). Janegitz recebeu apoio da FAPESP por meio de um Projeto Temático e de Bolsa de Pesquisa no Exterior. Kalinke foi apoiada com Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior. Além deles, o trabalho contou também com a participação do professor Juliano Alves Bonacin, da Unicamp.
Matéria publicada originalmente no site da Agência Fapesp.