Peças importantes da indústria têxtil, casulos do bicho-da-seda fornecem fios para roupas desse tecido que, muitas vezes, são produtos de alto valor agregado. Um problema dessa cadeia industrial é que, no processo de retirada dos fios mais valiosos para a produção do material, sobram resíduos considerados poluentes.
Em busca de formas para reaproveitar os resíduos dessa indústria, pesquisadoras da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual de Maringá (UEM), desenvolveram uma tecnologia por meio da qual parte do material residual proveniente do casulo do bicho-da-seda é utilizado para extrair metais nobres e tóxicos.
O invento, cuja propriedade intelectual foi protegida com o apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp, busca utilizar a sericina, um dos componentes presentes na formação dos casulos, para essa extração. A partir do desenvolvimento de blendas, uma mistura de moléculas, a partícula pode ser utilizada para a remoção de metais tóxicos ou de metais nobres, como paládio, ouro e prata.
A tecnologia também é uma alternativa mais barata e ambientalmente sustentável ao carvão ativado, despoluente utilizado pela indústria para o reaproveitamento desses metais. Outra aplicação da sericina é na remoção de metais a partir de fontes secundárias – equipamentos e joias não mais utilizados, por exemplo. Um processo que poderia ser chamado de uma logística reversa de pós-consumo.
Pós-consumo e economia circular
Conceito relacionado ao reaproveitamento de produtos após o fim de sua vida útil, o pós-consumo tornou-se uma exigência legal para diversas empresas a partir da lei 12.305/2010, que determina a coleta e a reciclagem de produtos e seus resíduos após o consumo pelo cliente final. Entre os nichos industriais que devem realizar o processo, estão empresas de produtos eletrônicos e seus componentes e produtos comercializados em embalagens plásticas, metálicas ou de vidro, de acordo com o artigo 33 da lei.
Depois de esse ter se tornado um tema importante, o Brasil, nos últimos anos, testemunhou alguns avanços. De acordo com dados do governo federal, enquanto, em 2019, foram recolhidas pouco mais de 16 toneladas desse tipo de material, em 2020 esse número passou para 105 toneladas. Já em 2021, mais de 1.200 toneladas de lixo eletrônico foram recolhidas e deixaram de ser descartadas no meio ambiente
Apesar dos avanços, o Brasil ainda é o quinto maior produtor de lixo eletrônico do mundo, segundo relatório da Pesquisa Resíduos Eletrônicos. Um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) também destaca que, na América Latina, ainda houve um aumento de 49% no descarte irregular de lixo eletrônico na última década.
Esses dados evidenciam o potencial das blendas de sericina como uma tecnologia verde ou com impactos positivos para o meio ambiente, conforme explica a professora da FEQ Melissa Gurgel Adeodato Vieira, uma das coordenadoras do projeto:
“Os adsorventes que desenvolvemos com as blendas têm uma alta afinidade que ajuda na extração dos metais nas fontes secundárias, contribuindo para fechar um ciclo de economia circular: a gente não faz a recuperação dos equipamentos em desuso, mas dos metais que estão ali dentro, o que também contribui para a retomada desses produtos para o ciclo produtivo.”
De acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), cerca de 76% das empresas brasileiras já desenvolvem alguma ação de economia circular – um cenário convidativo para o uso da sericina por vários setores da cadeia produtiva.
Tecnologia social para a agricultura familiar
A tecnologia das blendas de sericina também traz um impacto social: a abertura de mais oportunidades de negócio para os produtores do setor de sericicultura.
A sericicultura, ou a criação de bicho-da-seda, hoje é uma atividade econômica muito vinculada à agricultura familiar. Estima-se que no Paraná, maior produtor de casulos do bicho-da-seda do Brasil, haja mais de 1.800 produtores, que seriam responsáveis por 84% da produção nacional, de acordo com o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR Paraná).
A atividade econômica também é considerada uma produção limpa, já que não utiliza agrotóxicos.
Com a demanda pela sericina presente nos casulos, a tecnologia desenvolvida pela equipe de pesquisadores da Unicamp e da UEM pode contribuir para ligar as redes de produção familiares a novas pontas da cadeia produtiva, se houver o licenciamento por parte de uma instituição ou empresa que atue no setor para levar a tecnologia até a sociedade.
“O Brasil é um dos países que mais produzem artefatos a partir de sericicultura, mas a indústria têxtil é muito exigente quanto à extração dos fios. Há um modo correto de abrir os casulos. E os produtores, depois da retirada do que interessa para a indústria, necessitam descartar os resíduos gerados. Então, se você consegue reaproveitar a sericina a partir desses resíduos, ajuda a valorizar toda uma cadeia que é fortemente familiar no país”, conclui Meuris Gurgel Carlos da Silva, professora da FEQ e também coordenadora do projeto.
Atualmente, a patente faz parte de um conjunto de inventos que exploram a aplicação das blendas para diversos setores, que vão além da extração de metais nobres para incluir a criação de materiais com o objetivo de extrair ou incorporar componentes capazes de beneficiar a indústria cosmética e a indústria farmacêutica.
O ineditismo da pesquisa científica e o potencial de aplicação das blendas de sericina como tecnologia verde e fomentadora de economia circular levaram a Inova Unicamp a solicitar a proteção da propriedade intelectual do invento. A patente foi concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Atualmente, a tecnologia faz parte do Portfólio de Tecnologias da Unicamp e está disponível para licenciamento.
Empresas e instituições públicas ou privadas interessadas na transferência da tecnologia para promover a inovação de seus produtos ou processos podem entrar em contato diretamente com a Inova Unicamp pelo formulário de conexão pesquisa-mercado.
Além do acesso a tecnologias de ponta, a transferência de tecnologia reduz riscos associados ao desenvolvimento de novos produtos e processos e colabora para o desenvolvimento socioeconômico baseado no conhecimento científico.
Matéria originalmente publicada no site da Inova Unicamp.
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