Residência de David Konstan no IdEA é concluída com intenso diálogo acadêmico

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David Konstan, convidado do Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente, do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp, concluiu sua programação, no dia 1º de junho, com a 8ª palestra de um ciclo iniciado em março no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Docente da New York University e acadêmico de referência nos estudos clássicos, Konstan teve como eixo principal de suas atividades o tema “Vingança, Retribuição e Reconciliação: da Antiguidade aos dias atuais”, atraindo alunos, professores e pesquisadores da Unicamp e de outras instituições em uma programação híbrida, com transmissão em tempo real. 

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David Konstan encerrou as atividades no início de junho: "experiência como residente no IdEA foi excelente"
David Konstan encerrou as atividades no início de junho: "experiência como residente no IdEA foi excelente" (Fotos: Felipe Bezerra)

“No geral, minha experiência como residente no IdEA foi excelente. Fui recebido calorosamente pelo coordenador, pela coordenadora-adjunta e pela equipe e me senti totalmente em casa no Instituto. Minha estada foi o impulso para organizar minhas reflexões sobre vingança e retribuição, e boa parte do meu tempo aqui foi dedicada à preparação das oito palestras”, avalia o professor norte-americano, em entrevista ao Portal da Unicamp.

O material reunido das oito palestras deve ser publicado, provavelmente em edição bilíngue, em um formato ainda a ser definido. Incentivado pela coordenação do IdEA, Konstan prevê uma versão com texto expandido e bibliografia para revisão no prazo de um ano. Ao longo dos meses de atividades, Konstan produziu e compartilhou seus textos, em inglês, com os participantes do ciclo, permitindo que a leitura prévia facilitasse a compreensão e que questões importantes pudessem ser trazidas aos encontros.

As discussões do classicista atraíram um público diverso, não só dos estudos clássicos, mas de áreas como história, arqueologia, filosofia, estudos literários, ciências sociais, ciências políticas, direito, psicanálise e psicologia. Durante o período no Brasil, o pesquisador também deu palestras na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, e na Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em Manaus, entre outras instituições.

“O IdEA tem uma estrutura diferente de alguns dos outros institutos de estudos avançados em que fui fellow, na medida em que fui o único residente. Assim, tive menos oportunidade de interagir com outros visitantes e membros da comunidade da Unicamp do que poderia acontecer se houvesse reuniões regulares no próprio Instituto. Conheci, no entanto, bastante bem vários colegas e alunos e me encontrei individualmente com alunos inscritos no curso.” A experiência na Unicamp, segundo Konstan, foi muito proveitosa para permitir futuros projetos conjuntos de pesquisa.

O classicista David Konstan recebe diploma das mãos do reitor Antonio Meirelles; a experiência na Unicamp vai permitir futuros projetos conjuntos de pesquisa (Foto: João Marques/Cerminonial GR)
O classicista David Konstan recebe diploma das mãos do reitor Antonio Meirelles; a experiência na Unicamp vai permitir futuros projetos conjuntos de pesquisa (Foto: João Marques/Cerminonial GR)

Ao longo das atividades, o docente da NYU contou com a participação, presencial ou remota, de pesquisadores de várias regiões do Brasil e de países como Estados Unidos e Hungria, entre eles a psiquiatra Judith Herman, da Harvard Medical School, e o classicista József Krupp, da Eötvös Loránd University.

Konstan explica que baseou suas conclusões nas ideias de Aristóteles sobre a raiva como um desejo de vingança em resposta a uma ofensa, mas ampliou consideravelmente o argumento do filósofo ao distinguir os conceitos de vingança e de retribuição. “A vingança, propus, visa à restauração do status — honra ou dignidade —, enquanto a retribuição visa à justiça, uma punição que compensa o crime. A vingança, nessa análise, é um fenômeno social: diz respeito à consideração positiva e ao apoio da comunidade, a única que pode restaurar o prestígio e a posição de alguém na sociedade”, esclarece o docente da NYU.

Segundo ele, a retribuição, ao contrário, é uma resposta ao dano, que não pode ser desfeito, estimulando um tipo de retaliação que não necessariamente tem limites. “Isso nos encoraja a ver a raiva que as vítimas sentem como uma emoção positiva, que exige respeito e uma mudança de atitudes na cultura como um todo.” Durante o penúltimo encontro, o cientista citou o mais recente livro da psiquiatra Judith Herman, “Truth and Repair: How Trauma Survivors Envision Justice” (2023, ed. Basic Books), em que ela entrevistou vítimas de abuso, questionando-as acerca do tipo de reparação esperavam. “Encontramos muitos casos modernos em que essa reabilitação da vingança parecia relevante, em particular nos casos de abuso sexual”, afirma Konstan, lembrando que as vítimas, repetidamente, manifestavam esperar “respeito” e “consideração”.

Herman, em entrevista ao Portal da Unicamp, comentou sobre a relevância desse tipo de discussão proposta no ciclo do IdEA, com estudos históricos e suas repercussões no presente, podendo estimular debates sobre mudanças no legislativo ou no judiciário como forma de reparação às vítimas. Para a psiquiatra de Harvard, foi muito interessante conhecer as pesquisas do colega norte-americano e descobrir que o conceito de perdão interpessoal não existia na Grécia antiga ou nos textos bíblicos. “O professor Konstan propôs que o propósito da vingança era restaurar a honra da vítima aos olhos da comunidade. Nesse sentido, era isso que muitos de meus informantes buscavam, e quaisquer reformas no sistema judiciário que se concentrem em mostrar cuidado e respeito pelas vítimas do crime podem ser úteis.”

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As discussões do classicista atraíram um público diverso, não só dos estudos clássicos, mas de áreas como história, arqueologia, filosofia, estudos literários, ciências sociais, ciências políticas, direito, psicanálise e psicologia (Foto: Felipe Bezerra)

Na avaliação de Isabella Tardin, coordenadora-adjunta do IdEA, as expectativas da programação com um nome de referência internacional nos estudos clássicos como David Konstan foram superadas. Segundo a professora do IEL, a interação com o público foi intensa, já que Konstan não hesita em apresentar críticas construtivas e encoraja o potencial daqueles com quem convive academicamente. A abordagem das palestras não se limitou aos aspectos históricos, mas permitiu reflexões sobre os temas propostos na contemporaneidade.

“Como previsto, tivemos oito instigantes conferências, tratando dos temas da vingança, retribuição — no sentido de retaliação, compensação, justiça retributiva — e reconciliação, envolvendo o modo como tais assuntos são representados nas civilizações antigas e modernas, dentre essas, inclusive, na África e no Brasil”, explica Tardin, expressando satisfação pelo diálogo efusivo com a plateia nos ambientes presencial e virtual.

Graduado em matemática (1961), David Konstan cursou mestrado (1963) e doutorado (1967) em estudos clássicos pela Columbia University. Inicialmente professor da Wesleyan University (1967-1987), em Connecticut, foi também docente da Brown University (1987-2010), em Rhode Island, antes de integrar o corpo docente da New York University (NYU). Entre seus livros mais recentes estão “A Amizade no Mundo Clássico” (Ed. Odysseus, 2005) — única de suas obras publicadas no Brasil —, “Before Forgiveness: The Origins of a Moral Idea” (Cambridge University Press, 2010), “In the Orbit of Love: Affection in Ancient Greece and Rome” (Oxford University Press, 2018) e “The Origin of Sin: Greece and Rome, Early Judaism and Christianity” (Ed. Bloomsbury, 2022).

Durante a residência, o IdEA também contou com a presença da professora Pura Nieto, da Brown University, em uma série de conferências híbridas sobre poesia arcaica grega, ministradas no mês de abril. O evento, que teve o apoio do Programa de Pós-Graduação em Linguística do IEL e do Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Faepex) da Unicamp, permitiu uma breve introdução à poesia grega dos séculos VIII-V a.C. por meio das leituras, a partir do original grego e de traduções, de uma seleção desses textos.

Da esquerda para a direita, Isabela Tardin, Christiano Lyra, David Konstan e José Mario Martínez
Da esquerda para a direita, os coordenadores do IdEA, Isabela Tardin e Christiano Lyra Filho, o residente David Konstan e o presidente do Conselho Científico Cultural do IdEA, José Mario Martinez (Foto: Felipe Bezerra)

O Programa “Cesar Lattes” do Cientista Residente busca contemplar acadêmicos envolvidos em pesquisas inter e multidisciplinares, que integrem os mais diversos domínios do saber. “Estamos deliberando ainda sobre os próximos nomes, tendo como ideia precisamente a excelência e o potencial multiplicador da presença do cientista residente. Talvez a partir de agora possamos pensar em estadas mais curtas e mais frequentes”, prevê Tardin. Iniciado em 2019, o Programa já teve outros quatro residentes: Francesco Vissani (2019, física e astrofísica de neutrinos), Olival Freire Junior (2020, história das ciências), Rogério Rosenfeld (2020, cosmologia) e Mario Veiga (2022, engenharia elétrica).

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O material reunido das oito palestras do classicista deve ser publicado, provavelmente em edição bilíngue, em um formato ainda a ser definido (Foto: João Marques/Cerimonial GR)

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004