Ciência de ponta, na Terra e além

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Entre os dias 26 e 28 de junho, a Unicamp vai receber renomados pesquisadores estrangeiros da área de ciências planetárias para o workshop Impact Processes as a Path to Habitability of Planetary Bodies (processos de impacto como caminho para a habitabilidade de corpos planetários). Nele serão discutidos os mais recentes avanços na compreensão do papel de processos de impacto cósmico para o desenvolvimento da vida em corpos planetários gelados e rochosos. Tais impactos estão entre os principais processos geológicos que podem levar ao estabelecimento de condições para que esse corpo celeste seja habitável. O evento é coordenado pelo docente do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp Alvaro Crósta, pela pesquisadora do Jet Propulsion Laboratory (JPL-Nasa/Caltech, EUA) Rosaly Lopes e pela docente da University of Western Ontario (Canadá) Catherine Neish com o apoio da Unicamp e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Crósta dedica-se ao estudo da formação de crateras decorrentes de impactos meteoríticos e integra o macroprojeto “Habitabilidade de mundos com hidrocarbonetos: Titã e além”, coordenado por Lopes, pesquisadora brasileira que trabalha na Nasa há mais de três décadas e que é parte da rede virtual de pesquisa Institutos Nasa de Astrobiologia (NAI). Desde 2018, o docente da Unicamp pesquisa tais processos de impacto em Titã, a maior lua de Saturno, por meio da análise de dados coletados pela Missão Cassini-Huygens. O macroprojeto reúne cientistas de diversas partes do mundo que se encontram periodicamente em diferentes locais para discutir os resultados obtidos e planejar as etapas seguintes.

De acordo com o docente, no workshop, que ocorrerá de modo quase totalmente presencial na Unicamp, “os pesquisadores vão focar o papel dos processos de impacto de grandes asteroides capazes de romper crostas geladas como a de Titã e de outros satélites que têm uma crosta gelada recobrindo oceanos líquidos. O objetivo é buscar evidências de ambientes habitáveis, ou seja, locais com condições favoráveis ao desenvolvimento da vida nesses corpos planetários que têm em comum uma crosta formada por gelo e a presença de oceanos gelados em subsuperfície, também chamados de mundos oceânicos”. Crósta afirma que esses oceanos possuem condições potenciais para o surgimento da vida (entre as quais a presença de compostos básicos).

Além de Crósta, os palestrantes convidados são as já mencionadas Lopes e Neish, Michael Malaska (JPL-Nasa/Caltech), Ralph Lorenz (Johns Hopkins University/Applied Physics Laboratory) e Veronica Bray (University of Arizona). “A seleção dos palestrantes convidados teve como critério o fato de esses serem líderes em determinados tópicos de pesquisa relacionados ao tema geral do workshop”, conta o docente da Unicamp. Entre os demais participantes estão líderes de projeto em seus locais de trabalho, alunos de pós-graduação dos EUA, Canadá e Holanda, da USP (Universidade de São Paulo) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e docentes de outras universidades brasileiras. “Trata-se de uma temática de pesquisa muito atual e acredito que esse seja o primeiro evento dessa natureza no Brasil”, observa. “Trata-se de ciência de ponta, tanto aqui como também no mundo. Então, é muito relevante que o Brasil receba eventos de ciência avançada como esse, ainda mais em uma área como a geologia planetária, cujo desenvolvimento é ainda incipiente em nosso país”, comemora.

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O professor Alvaro Crósta dedica-se ao estudo da formação de crateras decorrentes de impactos meteoríticos e integra o macroprojeto “Habitabilidade de mundos com hidrocarbonetos: Titã e além”

Atividade de campo

Findado o workshop na Unicamp, parte do grupo irá visitar as crateras de impacto meteorítico de Vargeão e Vista Alegre, na região Sul do Brasil. “São estruturas geológicas raras formadas em rochas vulcânicas de composição basáltica que, por analogia, são importantes para a compreensão dos processos de impacto em corpos rochosos como Marte, Vênus e a Lua, onde ocorrem rochas similares”, explica Crósta. O docente explica que há três crateras no Brasil formadas em basalto e uma na Índia, só que esta última está tomada por um lago. Na Terra há cerca de 200 crateras criadas comprovadamente por impacto meteorítico, sendo 9 no Brasil – todas estas identificadas por Crósta ao longo de mais de quatro décadas de pesquisa.

Dentre as amostras de rochas ligadas a processos de impacto que o docente tem em seu acervo, coletadas em crateras do Brasil e também de outros países, ele exibe um shatter cone, uma rocha em formato cônico estriado, formada em basalto. “Essa estrutura é diagnóstica da ocorrência de impacto meteorítico. Elas são extremamente raras e as que se formaram em basalto só são conhecidas no Brasil, justamente nas duas crateras que serão visitadas”, explica. De formato tridimensional, o exemplar coletado em Vargeão formou-se em uma fratura natural.  “Quando quebrada com o martelo, a rocha se abre naturalmente ao longo da superfície cônica estriada e é possível visualizar o molde e o contramolde – como se fosse um fóssil”, diz.

A partir de uma análise laboratorial, consegue-se saber que tal rocha foi submetida a pressões extremamente elevadas, pressões essas que não são produzidas por nenhum outro processo que ocorre na crosta da Terra, apenas no manto. “Só há um processo produzido pelo homem que consegue chegar a pressões similares às que são geradas pelos impactos meteoríticos, e esse processo é a explosão de artefatos nucleares. Nos locais de teste de bombas atômicas no Estado de Nevada, EUA, há estruturas semelhantes aos shatter cones, mas bem localizadas no ponto em que ocorre a explosão”, explica o docente. A propagação das ondas de choque em Vargeão se deu por vários quilômetros em torno do ponto do impacto, podendo ter formado shatter cones e outros tipos de deformação por choque em áreas relativamente extensas. De acordo com o pesquisador da Unicamp, o exemplar que está no IG deve ter se formado há 500 m de profundidade e, com a movimentação da crosta, subiu à superfície dentro de poucos segundos após o impacto do meteoro. “Essas rochas deformadas servem de modelo para estudar outros planetas que têm rochas semelhantes, como Marte, onde basaltos são comuns”, explica. É isso que os participantes do workshop querem ver in loco.

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Ilustração de um asteroide atingindo a Terra (imagem: EarthSky)

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