Quando tinha apenas quatro anos, a carioca Rosaly Lopes soube por seus pais que um homem havia viajado pela primeira vez ao espaço — era Yuri Gagarin, cosmonauta soviético. Ela se encantou por aquela aventura e, assim, nasceu seu interesse pelo cosmo. Lopes enfrentou muitos obstáculos, principalmente por ser mulher e brasileira, mas chegou onde não imaginava: ela é hoje vice-diretora do Departamento de Ciências Planetárias da NASA, que coordena todas as missões planetárias da Agência Espacial Americana. A cientista esteve na Unicamp no início da semana para participar do workshop Impact Processes as a Path to Habitability of Planetary Bodies (processos de impacto como caminho para a habitabilidade de corpos planetários) e conversou com o Portal Unicamp sobre como é ser mulher em uma carreira majoritariamente ocupada por homens e sobre divulgação da ciência.
Lopes trabalha no Laboratório de Propulsão a Jato (Jet Propulsion Laboratory - JPL), que tem cerca de 7 mil funcionários. “Sempre estamos fazendo coisas que quase não são possíveis e que ninguém pode fazer. Queremos fazer missões e criar tecnologias que são de ponta”, conta a cientista, que supervisiona missões planetárias. Para chegar à posição que ocupa hoje, a brasileira precisou superar muitas dificuldades, mas teve grandes referências femininas que a impulsionaram a realizar seus objetivos. Uma delas foi Francis Northcutt, conhecida como “Puppy”, a única mulher a ocupar a sala de controle da Apollo 8, que orbitou a Lua com tripulação pela primeira vez. Ela inspirou Rosaly Lopes a seguir a carreira de cientista. Hoje, Lopes é uma referência mundial para meninas que querem seguir a área de ciências planetárias, ainda predominada por homens. “É muito importante para todos ter uma referência. Quando eu era menina, a Puppy era a única mulher trabalhando no centro de controle da NASA. Eu a vi num jornal, e aquilo se tornou uma referência muito importante, porque era uma mulher trabalhando lá. Naquela época, só se via homens”, recorda. Hoje, cerca 30% dos pesquisadores em ciências planetárias são mulheres. Mesmo com o desequilíbrio, há que se comemorar o avanço. “As meninas podem hoje fazer o que quiserem. O importante, como meu pai sempre dizia, é ter uma ambição e ir atrás dos seus sonhos. Se você realmente quer e se esforça para isso, você consegue. Eu consegui mais do que eu esperava. Fiz sacrifícios ao longo do caminho e tive dificuldades. Isso não é fácil para ninguém. O importante é ter uma meta e dizer: quero chegar lá, e é possível”, estimula a brasileira.
Rosaly quebrou barreiras ao se tornar a primeira mulher brasileira a realizar um curso de graduação em Astronomia na Universidade de Londres, vaga que conseguiu com muita persistência. Na Inglaterra, tornou-se pesquisadora e se especializou em geologia e vulcanismo. No fim de seu doutorado, começou a trabalhar com divulgação científica no Observatório de Greenwich. Após um pós-doutorado de sucesso no JPL, foi convidada a permanecer no Laboratório da NASA, onde trabalha desde o início da década de 90. A brasileira participou de importantes missões da NASA, como a Viking, que levou a primeira sonda a pousar em Marte, e a Galileo, primeira sonda lançada para estudar Júpiter. Nesta última, Rosaly conheceu Carl Sagan, reconhecido internacionalmente por seus estudos ligados ao cosmo, ao desenvolvimento da vida e às consequências do desenvolvimento científico e tecnológico, além de ser um grande divulgador da ciência. O astrônomo criou a revista Icarus, da Elsevier, dedicada à divulgação científica do que há de melhor em pesquisas no campo da ciência planetária. Em 2018, Rosaly Lopes tornou-se a primeira mulher a ser editora-chefe daquela revista, mais uma barreira ultrapassada pela brasileira.
A cientista é uma excelente comunicadora e acredita que há muitas razões importantes para a realização da divulgação científica. “A primeira razão é que os governos financiam a pesquisa científica, então, temos uma obrigação de dizer ao público em que estamos gastando aquele dinheiro”, diz. A outra razão é inspirar os jovens. “Precisamos inspirar jovens para seguirem carreiras em ciência e tecnologia, porque isso será grande parte do futuro da humanidade”, complementa. A terceira razão se refere à popularização do método científico. “Durante a pandemia, ouvi muito, nos Estados Unidos, que os cientistas diziam uma coisa e depois diziam outra (coisa). Isso faz com que as pessoas não acreditem nos cientistas. O problema é que a ciência está sempre evoluindo, e é preciso entender isso. Fazemos o melhor que podemos com os dados que temos no momento, mas na hora que surgem dados novos, vamos ter conclusões diferentes”, explica. “Isso não quer dizer que as conclusões antigas estejam erradas. Foi o melhor que pudemos fazer com os dados que tínhamos” complementa. Para a cientista, é importante as pessoas compreenderem que a ciência evolui.
A Unicamp na NASA
Rosaly Lopes liderou o projeto do qual o docente do IG Alvaro Crósta participou durante seu estágio na NASA entre 2018 e 2019. O grupo do JPL estudava Titã, através de dados obtidos pela missão Cassini-Huygens. “Nosso projeto queria examinar se o oceano de Titã, que está embaixo de uma grossa crosta de gelo, tem condições habitáveis”, lembra Lopes. “Uma das condições para o desenvolvimento da vida é ter material orgânico. Na superfície de Titã, há muito desse material, mas está no oceano, abaixo da densa crosta de gelo. Pensamos em como esse material orgânico poderia ultrapassar essa crosta de gelo para chegar ao oceano. Será que um impacto seria suficiente para fraturar essa crosta e fazer esse material vir para o oceano e para levar material do oceano para a superfície numa troca?”, explica. “Sabíamos que Crósta era especialista em crateras de impacto, e Titã tem algumas delas”, complementa. Assim surgiu a parceria, que já rendeu artigos científicos.