Pesquisadora visitante do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, Marília Campos passou cerca de 20 dias embarcada no maior navio de pesquisa francês, o Marion Dufresne, em uma expedição oceanográfica que partiu da capital do Suriname, Paramaribo, em 12 de junho e chegou a Recife (PE) em 2 de julho, recolhendo, nesse percurso, amostras de sedimentos marinhos que registram mudanças climáticas por que passou a Terra. Campos integra um grupo de pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras que têm como objetivo avançar no entendimento das interrelações entre os oceanos, o clima do planeta e a biota.
Durante a expedição oceanográfica, batizada de Amaryllis e coordenada por Cristiano Chiessi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), e por Aline Govin, do Laboratoire des Sciences du Climat et de l'Environnement (LSCE), foram utilizados métodos geológicos e geofísicos de coleta de dados e de sedimentos com o intuito de reconstruir a história climática daquela região. “Quando uma proposta de expedição científica como essa é criada, além de os objetivos da expedição serem definidos com muito cuidado, o grupo de pesquisadores convidados a participar também é cuidadosamente escolhido. Isso porque a intenção é que os participantes estabeleçam e estreitem ações de colaboração que serão baseadas no material científico fruto da expedição”, explica Campos. “Poucos pesquisadores têm a oportunidade de participar de uma expedição como essa.”
Embarcada, a pesquisadora participou de várias atividades, tais como amostragem de sedimentos, preparação dos testemunhos e realização de análises a bordo do navio. Com o fim da expedição, o próximo passo é distribuir o material coletado entre os participantes para que possam avaliá-lo segundo suas áreas de estudo. “Findada a expedição científica, todo o material é devidamente arquivado e fracionado para análises mais detalhadas. Essas análises incluirão métodos geoquímicos (elementos maiores e traço em sedimento total, isótopos de carbono e oxigênio em carbonatos, elementos e isótopos em fluidos intersticiais) e sedimentológicos (distribuição granulométrica, imageamento por raios X). Com esses dados, o objetivo principal da expedição Amaryllis é reconstituir a história climática da Bacia Amazônica e do Nordeste brasileiro, bem como as condições superficiais e profundas do oceano adjacente em diversas escalas de tempos (desde décadas até milhões de anos). Dessa forma, será possível reconstituir a temperatura, a salinidade, o tipo de vegetação e a circulação oceânica do passado”, explica Campos.
A pesquisadora da Unicamp desenvolve o projeto Terra (“O Atlântico Sul em um planeta 2°C mais quente”), que está sediado no IG e que conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Nesse projeto, ela busca entender o papel do Atlântico Sul em um período pretérito, marcado por mudanças climáticas intensas, com o intuito de contribuir para a identificação de possíveis cenários futuros. “O Atlântico Sul é particularmente importante para o clima da Terra, pois é um enorme reservatório de calor e desempenha um papel crucial no transporte de energia entre os hemisférios. Nesse projeto, pretendo investigar o comportamento de aspectos da superfície e do fundo do Atlântico Sul durante um período quente (interglacial) que ocorreu há cerca de 400 mil anos. Esse período é importante, pois apresentou temperatura média global 2°C mais quente que a temperatura da metade do século XIX, conhecida como ‘pré-industrial’. Tendo em vista que o limite científico e politicamente acordado (Acordo de Paris) para o aquecimento global nas próximas décadas foi definido bem abaixo de 2°C, relativo ao pré-industrial, o período quente alvo do projeto Terra é um excelente estudo de caso para investigar o comportamento do Atlântico Sul sob tais condições”, destaca.
No projeto de Campos, será aplicada pela primeira vez uma combinação de indicadores paleoclimáticos em pelo menos seis testemunhos sedimentares marinhos do Atlântico para reconstituir detalhadamente suas condições superficiais e profundas durante aquele período. E um dos testemunhos sedimentares marinhos coletados na expedição Amaryllis será utilizado no projeto da pesquisadora. “A maioria dos sítios de estudo do projeto Terra já foi amostrada em expedições oceanográficas anteriores. Eles estão localizados ao longo da margem continental brasileira e africana, bem como na região central do Atlântico Sul. Na expedição Amaryllis, coletamos um testemunho em um monte submarino localizado a cerca de 250 km da costa do Maranhão, que recobre o interglacial de meu interesse. Pretendo utilizar amostras desse sítio para integrar o conjunto de testemunhos marinhos do projeto Terra”, explica.
De acordo com a pesquisadora, uma rede colaborativa, da qual participam pesquisadores do Brasil e exterior, foi estruturada, no projeto dela, com o objetivo de suprir a infraestrutura necessária para a execução das técnicas analíticas propostas. “Além disso, os pesquisadores foram convidados com o intuito de contribuir nas discussões sobre os resultados que serão produzidos, uma vez que muitos deles também são especialistas nas áreas propostas no projeto. Vale ressaltar que a paleoceanografia é uma área eminentemente multidisciplinar, e o envolvimento de pesquisadores de diversas especialidades é essencial para responder grandes perguntas científicas”, explica. O projeto Terra conta, no Brasil, com a colaboração de pesquisadores da Unicamp, da USP, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), da UFF (Universidade Federal Fluminense), da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron. No exterior, com pesquisadores do Marum – Center for Marine Environmental Sciences da Universidade de Bremen (Alemanha), do Institute of Earth Sciences da Universidade de Heidelberg (Alemanha) e do Department of Earth Sciences da Universidade de Cambridge (Reino Unido). Na expedição Amaryllis, havia três pesquisadores associados do projeto coordenado por Campos: o já citado Chiessi, Ana Luiza Albuquerque, do Departamento de Geologia e Geofísica da UFF, e Vinícius Mendes, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Valendo-se do projeto em paleoceanografia de Campos, um novo grupo de pesquisa está sendo criado no IG.