Um projeto inovador, que reúne professores, estudantes e servidores, promete abrir novas perspectivas nas relações institucionais entre a Unicamp e os trabalhadores terceirizados. Nascido a partir de uma demanda do Coletivo Festeja – grupo de educação popular e economia solidária com sede na Universidade -, o Projeto Integração foi concebido para promover a inserção do terceirizado na comunidade acadêmica.
Para isso, seus idealizadores pretendem oferecer cursos de capacitação e treinamento, promover campanhas de conscientização e ações de saúde preventiva, além de abrir discussões sobre a legislação que trata dessa modalidade de contratação. A ideia é introduzir alterações no processo de seleção das empresas prestadoras de serviço para que essas garantam melhores condições de trabalho a seus empregados.
Parte do projeto será realizada em parceria com o Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho), sediado no Instituto de Economia (IE), que já começou a discussão sobre a revisão de contratos e alterações na legislação, da qual participam membros do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“Em conversas com integrantes do Cesit, temos discutido formas de mudar o contrato para que consigamos incluir cláusulas garantindo melhores condições e relações de trabalho”, informou a doutoranda do IE Lara Borin Campoli, uma das coordenadoras do projeto. “A ideia é elaborar um estudo bastante aprofundado sobre como fazer isso e ver o que é possível mudar, mesmo com a legislação atual”, acrescentou. Além do Cesit, participam das discussões, representantes do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), DGA, DGRH (Diretoria Geral de Recursos Humanos), além do MPT. A Unicamp conta hoje com aproximadamente 2 mil trabalhadores terceirizados nas áreas de limpeza, vigilância, manutenção e alimentação.
Dados quantitativos e qualitativos
O Projeto Integração deverá realizar a coleta e a análise de dados quantitativos e qualitativos. No caso dos dados quantitativos, será reunido material disponível na DGA (Diretoria Geral de Administração) sobre o trabalho terceirizado, como os editais de contratação e os materiais de apoio, entre os quais as convenções coletivas de trabalho e as normas regulamentadoras.
Para a coleta e a análise de dados qualitativos, serão realizadas entrevistas e criados canais de diálogo com trabalhadores terceirizados, com lideranças responsáveis pelos contratos e com ocupantes de cargos de chefia das empresas envolvidas.
O Projeto Integração tem quatro grandes objetivos, segundo Campoli. Primeiramente, fazer um diagnóstico sobre as condições gerais dos trabalhadores – como o desempenho deles, as relações de trabalho e o bem-estar pessoal e no trabalho. As informações coletadas devem ser disponibilizadas em bancos de dados da Universidade e os resultados do diagnóstico, publicados em livro e artigos científicos.
Um segundo objetivo é orientar o trabalhador sobre o funcionamento da Universidade, os direitos trabalhistas e questões de violência sexual, discriminação de gênero e sexualidade, além de cuidados com a saúde.
Outro objetivo é promover a sensibilização da comunidade universitária para o convívio inclusivo e o reconhecimento e a valorização dos serviços terceirizados. E, por fim, fazer o mapeamento dos espaços reservados aos terceirizados em cada setor ou unidade da Unicamp.
Política pública para o setor
Todas as ações do projeto foram pensadas coletivamente. Representantes de dez órgãos da Universidade participaram do processo de formatação dele. “Esse foi um projeto que somou saberes da parte administrativa e da área técnico-operacional com o conhecimento de docentes e estudantes. Isso foi muito interessante. Um esforço bastante original”, avaliou Campoli.
Coordenadora da Secretaria de Vivência nos Campi (SVC) da Unicamp, a professora Susana Durão diz que o projeto é um avanço e tem potencial para, futuramente, ser transformado em política pública para o setor.
“[Na Universidade] A terceirização se transformou não apenas em um tema de pesquisa das áreas de sociologia e economia, mas também em uma área de intervenção para propostas de política pública”, avalia Durão. “Uma proposta de ação direta e uma reflexão mais profunda sobre como podemos transformar e melhorar os contratos terceirizados e, talvez, ter uma prospecção econômica, ao perceber quais são os prós e os contras dessa modalidade de trabalho”, acrescentou a docente.
Durão diz estar orgulhosa por participar do projeto. “Trata-se de um projeto totalmente transinstitucional, levado a cabo por alunos, professores e funcionários. A inciativa foi concebida com base em um modelo criativo. Por isso nos orgulhamos muito dele”, finalizou.
Estado clínico dos trabalhadores
Nesta semana, equipes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp iniciaram uma ação junto a trabalhadores da segurança e portaria. Entre os dias 17 e 21, os profissionais da saúde farão uma ampla investigação sobre o estado clínico dos trabalhadores, com entrevista e cadastro, além de exame de glicemia e pressão arterial, teste de antígeno para covid-19. A equipe também está realizando avaliação da situação vacinal contra influenza e covid-19 e, para aqueles que estão com esquema vacinal incompleto, é feita a orientação e encaminhamento para regularização de acordo com as recomendações do Programa Nacional de Imunizações.
Vigilante há dois anos na Unicamp, Valdenir Pereira da Silva passou pela triagem feita na noite de segunda-feira (17). Os profissionais da saúde descobriram que ela havia recebido apenas a primeira dose da vacina da covid. “Eu fiquei meio receosa de tomar”, justificou ela, garantindo que, a partir de agora, vai manter atualizada a carteira vacinal.
“No nosso entendimento, as pessoas que não pertencem ao quadro permanente da Unicamp precisam de um atendimento na área da saúde. Muitas vezes, esses trabalhadores precisam saber como está sua pressão arterial, por exemplo, mas não têm oportunidade para tanto. Pretendemos fazer uma triagem daquelas pessoas que apresentaram hipertensão ou que têm diabetes para que sejam submetidas a um acompanhamento, se assim desejarem”, disse a professora Wanda Pereira Almeida, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp. “Os trabalhadores têm um serviço que é essencial para o funcionamento da Universidade. Precisamos voltar os nossos olhos para eles”, argumentou a professora.
O vigilante João Felipe Ribeiro da Silva foi um dos primeiros a passar pela avaliação e disse ter ficado feliz com a oportunidade. “Para nós, isso é muito importante porque na maioria das vezes não temos tempo para fazer esses exames ou tomar as vacinas”, disse ele, que garante estar com a pressão dentro dos padrões considerados normais e com a glicemia controlada.
Os vigilantes Robson Teixeira e Bartolomeu Jesus da Silva também passaram pelos exames. O primeiro disse ter ficado satisfeito com os resultados. “Sem covid, pressão ok e glicemia ok”, avisou. Silva, que há 18 anos trabalha como terceirizado – há três anos e meio na Unicamp –, ressaltou a importância da função que exerce na Universidade. “Acho que é um trabalho muito importante esse que fazemos, de orientação e apoio às pessoas aqui no campus”, afirmou.
“Estamos fazendo uma ação de saúde para contemplar os terceirizados, porque eles não têm acesso ao Cecom [Centro de Saúde da Comunidade]. A gente tem uma preocupação com a saúde deles”, disse Adilton Dorival Leite, assessor da Deas. “Um número muito grande desse público não tem esquema vacinal completo para covid. Portanto, não tem imunidade boa. Muitos também não têm o hábito de tomar a vacina da gripe, que é um imunizante anual e é muito importante”, acrescenta ele.
De acordo com Leite, funcionários que apresentarem casos de hipertensão e diabetes serão orientados a fazer um acompanhamento no consultório da FCF, a ser realizado pelos alunos do projeto de extensão. “Depois de terminada a Semana de Cuidado, teremos uma radiografia com dados bastante interessantes para fazer uma avaliação sobre o estado de saúde desse público. Estamos começando com os vigilantes, mas vamos estender o projeto para todos os terceirizados que atuam aqui na nossa Universidade”, finalizou Leite.