Depois de escrever obras sobre temas basilares da engenharia elétrica ao longo dos últimos 30 anos – entre as quais, Análise Linear de Sistemas Dinâmicos, Controle Linear de Sistemas Dinâmicos e Análise Linear de Sinais –, o professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp José Cláudio Geromel acaba de lançar um livro inteiramente dedicado à análise e projeto de sistemas amostrados – aqueles que podem ser manipulados por circuitos digitais – sob um novo ponto de vista.
A obra traz como novidade uma ferramenta matemática chamada differential linear matrix inequality (DLMI) – que dá nome ao livro – e que seria uma espécie de evolução natural da linear matrix inequality (LMI), mecanismo que teve impacto profundo nos sistemas e na teoria de controle há quase trinta anos e que perdura até hoje.
Lançado pela Springer – considerada a maior editora de revistas e livros científicos do mundo –, o trabalho traz diversos problemas para serem resolvidos, mas não como exercícios. “Traz, sim, como problemas em aberto, que podem se transformar em novos temas de pesquisa”, diz o professor, que, no Brasil, ficou em primeiro lugar em sua área, segundo o ranking dos melhores cientistas do mundo divulgado recentemente pelo portal acadêmico Research.com.
“Nos dias atuais, e com intensidade crescente, os sistemas digitais são cada vez mais utilizados. Eles permitem que muitas informações sejam difundidas lançando mãos dos mais variados meios de comunicação. Permitem que dispositivos de diversos tipos e diferentes pessoas conectem-se por meio de redes como a internet”, explica Geromel, que desde 1998 é membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
“Esse livro é inteiramente dedicado ao estudo desses sistemas, que operam em um ambiente real, sujeito a incertezas e ruídos. Ele aborda aspectos teóricos e práticos, que são ilustrados por meio de exemplos e de experimentos numéricos, e destaca alguns problemas em aberto que esperam para serem resolvidos com a contribuição dos eventuais leitores”, resume.
Dividido em nove capítulos, o livro dedica um tópico a ensaios numéricos relacionados a situações práticas, reais. “Você tem, por exemplo, um pêndulo invertido apoiado sobre uma base deslizante e quer aplicar sobre ela uma força para fazer com que o pêndulo se equilibre na vertical [para cima]. Entretanto, as medidas de posição e velocidade não estão disponíveis o tempo todo. Na verdade, os dados são coletados com uma determinada frequência. Ou seja, tem-se uma cadência de coleta de dados e, a cada dado coletado, transcorre um período em que não se tem informação sobre ele,” diz o professor.
“É equivalente a imaginar o seguinte: eu estou controlando o sistema por meio de uma rede de comunicação, com certa capacidade máxima de transmissão. Nessas condições, qual seria o impacto disso sobre a possibilidade de, efetivamente, equilibrar aquele pêndulo?”, questiona.
Segundo Geromel, o estudo poderá ajudar na solução de problemas práticos, como, por exemplo, o acionamento de um motor elétrico a grandes distâncias – como aqueles instalados no fundo do mar e usados em processos de extração de petróleo. “O que estou propondo nesse livro – a novidade – é usar a ferramenta DLMI para atacar esse tipo de problema, com um atributo adicional: os modelos matemáticos não precisam ser conhecidos exatamente, pois podem sofrer a influência de incertezas. Essa ferramenta me parece muito bem adaptada para atuar nesse contexto”, avalia. “A DLMI é uma evolução da LMI. Com essa evolução, uma gama maior de problemas pode ser tratada, gerando o mesmo impacto que a LMI teve no passado. Esse foi o objetivo central do livro”, resume.
Projeto solo
Acostumado a trabalhar em parceria, Geromel se viu obrigado a trabalhar sozinho na elaboração do Differential Linear Matrix Inequalities. “Tudo começou com uma pandemia. Eu tinha publicado um artigo sobre esse tema e vários alunos estavam trabalhando com ele também. Um belo dia, cheguei aqui [no campus] e encontrei a Unicamp fechada. Eu tive muita dificuldade, sabe. As atividades virtuais são complicadas. Por conta disso, escolhi para mim um projeto solo”, revelou.
“Eu conto no prefácio sobre a dificuldade que foi trabalhar sozinho. Todos os meus livros eu escrevi em parceria e isso é muito agradável. Primeiro, porque, quando você tem uma dúvida, tem sempre alguém com quem discutir e a quem recorrer. E, na hora em que você descobre algo interessante, dentro de uma certa perspectiva nova, você pode compartilhar ou comemorar”, argumenta. “Durante a pandemia, não. A gente tinha de fazer tudo isolado. Dar aula virtual é horrível. Tirar dúvida por e-mail não dá. É difícil demais”, reclamou.
Literatura técnica internacional
Geromel avalia que o livro pode contribuir para a consolidação de uma área de pesquisa importante na literatura técnica internacional. “Eu sempre achei que os professores das grandes universidades do Brasil, como a Unicamp, devem ter a preocupação de gerar uma bibliografia técnica autóctone”, diz ele. “Cada professor, quando se debruça sobre um assunto e passa a conhecê-lo profundamente, sempre tem algo novo a dizer. Sempre tem algo a mostrar para seus alunos: como é que ele acha que aquilo deve ser ensinado, o que deve ser aprendido e quais são, digamos, os pontos centrais que ele acha que o aluno deve aprender tendo em vista as perspectivas futuras”, ensina. “Essa é a importância de se criar uma literatura técnica nacional.”
Para o professor, o novo livro é uma contribuição em uma linha de pesquisa que, apesar de criada há quase quatro décadas, aponta para o futuro. “Ele segue uma linha de pesquisa consolidada, mas abre novas perspectivas. No seguinte sentido: ele é uma consequência de tudo aquilo com que eu trabalhei nos últimos 40 anos – depois do meu doutorado, concluído em 1979, quando comecei a trabalhar na área de controle ótimo de sistemas dinâmicos, área essa que acabou, em seguida, entrando para as LMIs. E foi dessa forma que construí minha trajetória e que acabei, recentemente, sendo classificado em primeiro lugar em produção científica no Brasil na área de engenharia elétrica e eletrônica”, argumenta.
“Isso me deixa muito feliz. Poder contribuir, junto com muitos outros colegas, para colocar em evidência não só a Unicamp, mas também a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, primeira colocada nessa mesma área”, concluiu.
A obra pode ser adquirida nos formatos e-book (integralmente ou por capítulos) e capa dura.