O seminário internacional "Emergência Climática: o que a universidade deve fazer para enfrentá-la, já?", que ocorre na Unicamp nos dias 14, 15 e 16 de agosto, antes de promover um alerta, pretende se tornar uma conclamação. Organizado pela Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja) da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH), o seminário reunirá especialistas – brasileiros e estrangeiros – para discutir a importância da universidade no enfrentamento da crise climática. O encontro pretende ainda refletir sobre o que a universidade deve fazer para corresponder amplamente a suas responsabilidades e potencialidades para enfrentar este que é o maior desafio da história humana.
De acordo com Leila da Costa Ferreira, professora titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), vice-presidente da Cameja e co-presidente da Comissão Organizadora do evento, a ideia é discutir uma resposta institucional das universidades à emergência climática que seja capaz de produzir o alinhamento entre formação, pesquisa e políticas públicas.
“A ideia é que a gente saia deste seminário como uma rede, composta por diferentes universidades brasileiras, pelas agências de fomento, pelas instituições internacionais”, diz a professora. “Uma rede que tenha apoio das agências para que se possa articular formas de internalizar, o mais rápido possível, ações nas universidades, alinhadas a essas três grandes vertentes”, explica.
Segundo o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), as emissões globais de gases de efeito estufa precisam cair 43% até 2030 para evitar um aumento da temperatura média global acima de 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais. Caso contrário, os impactos serão devastadores para a biodiversidade, a segurança alimentar, a segurança hídrica, a saúde humana e a paz mundial.
A programação do seminário conta com 10 mesas redondas. A maioria delas tratará do papel da universidade nas pesquisas, discussões públicas e orientação de políticas a respeito de temas cruciais como eventos extremos, energia, uso e ocupação da terra, economia circular, cidades, localidades e soluções. Quem quiser acompanhar o seminário à distância, pode se inscrever até domingo (13). Quem não se inscrever neste prazo, poderá assistir, mas não receberá certificado.
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Estarão presentes pesquisadores de todas as áreas do saber. A organização registra participantes de 12 países: Argentina, Brasil, Chile, Costa do Marfim, Equador, Estados Unidos, Itália, Moçambique, Portugal, Uruguai e Venezuela.
Entre os participantes de fora da Unicamp, estão Mercedes Bustamante, presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); Ricardo Galvão, presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico); Izabella Teixeira, co-presidente do Painel de Recursos Naturais da ONU e ex-ministra do Meio Ambiente; e James Stock (online), vice-reitor para o Clima e Sustentabilidade da Universidade de Harvard.
O evento terá, ainda, a presença de Cristina Caldas, diretora do Instituto Serrapilheira; Carlos Nobre, membro da Royal Society; Rubem Cesar Rodrigues Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Planejamento Energético; além de membros das universidades de Oxford e de Amsterdã em Moçambique e profissionais ligados ao Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres) e à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Estarão representadas, no evento, diversas unidades da Unicamp – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação, Faculdade de Engenharia Mecânica, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Instituto de Geociências e Faculdade de Tecnologia. Também Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais e Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura). Participam também profissionais da Universidade Federal do Amazonas, da Universidade Federal do ABC, da Universidade de São Paulo e da Universidade do Pará.
Do exterior, o evento conta com representação da Elsevier Research Networks e mais duas representações da Organização das Nações Unidas. Além da pesquisa, o seminário irá discutir o envolvimento que o problema demanda da universidade nos campos do ensino e da extensão.
Liderança
A professora Leila da Costa avalia que a Unicamp reúne condições para liderar esse processo de instituição de uma rede de enfrentamento à emergência climática, formada por universidades e agências de fomento. “A Unicamp pode ser uma liderança na América Latina, principalmente porque tem muita tradição em pesquisa na área ambiental”, afirma ela.
Segundo a professora, o Nepam (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais), por exemplo, tem mais de 35 anos de existência. Ela lembra que a Unicamp integra a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade (Anpas), que hoje congrega mais de 70 programas ambientais, e que o programa de doutorado em Ambiente e Sociedade do Nepam/IFCH recebeu a nota 6 da Capes.
“Não só no Nepam, mas em todos os institutos da Unicamp, temos muita tradição na área ambiental, tanto em termos de energia, biodiversidade, clima, como no estudo das dimensões humanas do problema”, argumenta. “Por tudo isso, acho que temos todas as condições de liderar uma perspectiva de uma universidade que quer adentrar a questão da sustentabilidade tanto no ensino, na graduação, na pós, na especialização e também na gestão”, resume a professora.
Na avaliação de Leila da Costa, o Brasil pode se transformar na grande liderança ambiental do planeta. “O mundo está esperando por isso. Está todo mundo de olho no Brasil”, avisa.
“E nós, da universidade, somos um ator fundamental nesse processo, por que não se faz uma política ambiental de alta qualidade sem ciência”, alerta. Para ela, a implementação de uma política ambiental não é uma liberalidade. “Não é questão de querer, de ser otimista ou não. Essa é a única saída. Não tem jeito. Estamos no limite de um colapso climático”, alerta.
Em artigo publicado no Jornal da Unicamp no início de agosto deste ano, Leila da Costa Ferreira, Neri de Barros Almeida, que também preside a Comissão Organizadora do evento, e Sonia Regina da Cal Seixas, pesquisadora sênior do Nepam e atual presidente da Cameja, avaliam a urgência do tema.
“No Brasil, onde já ocorreram 11 extremos climáticos desde 2021, precisamos de novas soluções de resiliência para além dos sistemas reativos que sejam capazes de mudar a maneira como desenvolvemos nossas cidades, com estruturas transformadoras, antecipatórias e com engajamento popular”. As articulistas lembram o alerta de aquecimento global emitido pelo climatologista-chefe da Nasa, Gavin Schmidt, que mostra que o mês de julho de 2023 foi o mais quente em centenas ou milhares de anos. E que o ano de 2024 será ainda pior.
Lembram, ainda, que o aumento da temperatura planetária tem gerado eventos extremos, como os incêndios florestais devastadores em países como Estados Unidos, Canadá, Suécia, Grécia, Portugal, Turquia, Japão, Austrália etc.
O cenário descrito pelos cientistas, diz o artigo, reforça a urgência de medidas globais para enfrentar as mudanças climáticas, a começar pela mais importante delas, a redução drástica da emissão de gases de efeito estufa decorrente, primeiramente, da queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão).
Estratégico
A professora Neri de Barros Almeida avalia que as universidades de pesquisa têm uma importância estratégica no combate à emergência climática. “Na medida em que boa parte dos diagnósticos do problema são produzidos por seus pesquisadores, elas têm não só autoridade para informar a sociedade, mas a obrigação de se manter na linha de frente da discussão, apontando soluções necessárias, eficazes e seguras”, argumenta ela.
“Além disso, as universidades participam de redes de pesquisa que poderiam ser mais mobilizadas em uma defesa coesa dos dados científicos e das soluções compatíveis com a urgência e abrangência do problema. Fundadas para realizar investigações altruístas, voltadas para o bem comum, essas instituições poderiam declarar seu compromisso com respostas à emergência climática informadas pelos direitos humanos”, diz.
“Estabelecer, como instituição, o enfrentamento às mudanças ambientais globais – notadamente a emergência climática – como uma prioridade, parece-me hoje uma necessidade que tem a capacidade de acelerar o envolvimento das universidades com a inovação que caracterizará a ciência nesse futuro que já começou”, acrescenta.
A docente avalia que as universidades têm trabalhado em duas frentes fundamentais: a adequação de seus campi por meio de mudanças no uso da água, da energia e do manejo de resíduos e por meio da realização de pesquisas. “A adequação estrutural, além de tornar as universidades responsivas às demandas dos novos tempos, também tem um grande potencial educativo da comunidade interna e visitantes dos campi. A despeito disso, no que se refere à formação sistemática de seus alunos a respeito das ciências da mudanças ambientais, as universidades ainda caminham lentamente”, afirma.
“Em primeiro lugar, porque a promoção da interlocução entre áreas de pesquisa – notadamente entre ciências humanas e exatas – é, na melhor das hipóteses, apenas episódica. Em segundo lugar, porque as instituições têm hesitado em estabelecer essa demanda crucial da humanidade como uma prioridade. Em princípio, o caminho para potencializar estes intentos seria a discussão de uma rápida inserção da ciência das mudanças ambientais na formação de todos os estudantes”, afirma.
“Precisamos olhar para a formação de profissionais como o espaço que poderá potencializar nosso impacto social na defesa da vida, da ciência e dos direitos humanos face às ameaças do tempo presente. Precisamos buscar impacto científico nessa área, mas não podemos nos esquecer de que podemos ter um impacto ainda maior preparando nossos alunos — futuros profissionais — para essa atuação. Ou seja, o profissional precisa sair da universidade preparado para o novo mundo. Na minha opinião, estamos preparando o aluno para um mundo que não existe mais”, afirma.
A professora diz não haver modelos já definidos para a implantação dessa mudança e, por conta disso, sugere o diálogo. “Eu não ouso fazer uma proposta de como esse processo deveria ocorrer. A minha visão é que temos que começar a discutir. E começar rapidamente”, diz ela. “E, de novo, em minha opinião, o primeiro movimento seria reunir todas as iniciativas da gestão central na área para que seus representantes desenvolvessem propostas e um cronograma de ações que visassem à adequação de todas as dimensões das atividades fim da universidade”, sugere.
Reaprender
Presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), a bióloga Mercedes Bustamante, que estará no seminário na Unicamp, diz que a emergência climática afeta o modo de vida e a forma como a sociedade e a economia se organizam e que, por isso, será preciso desenvolver novas ferramentas e estratégias, tanto de adaptação a esse novo quadro que o planeta passa a enfrentar, quanto das estratégias de mitigação, de combate aos fatores que são causadores da mudança do clima.
“O que algumas agências (de fomento) no mundo estão colocando é que precisamos reformular a forma de se fazer ciência”, diz a presidente da Capes. “No sentido de que a gente precisa de uma ciência que seja muito mais integradora, capaz de trazer convergências das várias disciplinas, dos vários olhares, para resolver esse problema que é complexo”, explica ela.
“A emergência climática é um daqueles problemas que a gente chama de ‘problema perverso’ – que não tem apenas uma forma linear, única, que apenas uma única área do conhecimento será capaz de resolver. Então, neste sentido, as agências de fomento deverão ter um papel de indução muito importante, privilegiando exatamente essa ideia de integração do conhecimento”, avalia.
Para Mercedes Bustamante, a emergência climática exigirá mudanças na formação oferecida pelas universidades. “O passo que precisamos dar hoje é o de introduzir essa temática em todos os currículos, uma vez que precisaremos da formação adequada de professores, engenheiros, arquitetos etc. Então, o passo que nossas universidades precisam dar é justamente esse — o de transformar isso num tópico essencial de todas as carreiras”, ensina ela.
A bióloga diz ainda que há um passo seguinte a ser dado pelas instituições de ensino superior. “Outro passo fundamental que as universidades precisam dar é entender, ou prospectar, quais são as carreiras necessárias neste futuro que se desenha e que ainda não estão na prateleira. Quais são os cursos e os percursos de formação que precisaremos criar para dar conta dos profissionais que precisamos ter”, alerta.
Para a presidente da Capes, é possível que essa adaptação leve tempo, mas ela aposta que poderá ser feita antes do ponto de não retorno. “Tem que dar, não é? O ideal seria ter começado antes, porque esse é um problema conhecido há muito tempo. É ciência antiga, de mais de 200 anos. Nos últimos 30 anos, esse assunto esteve no centro da convenção do clima e de vários debates internacionais, mas estamos com 30 anos de atraso. Só que não dá para jogar a toalha por reconhecer que deveríamos ter começado há 30 anos e deixar o problema de lado. Perdemos tempo? Perdemos. Mas isso não pode ser uma justificativa para continuarmos perdendo mais tempo”, finaliza.