Os ataques à democracia, a recorrência de casos de violência, discriminação e intolerância verificada nos campi universitários – e também no país como um todo – levaram a Unicamp a produzir e divulgar um documento intitulado Carta de Princípios, na qual a Universidade reitera sua vocação para a cultura da liberdade acadêmica e de ensino e sua luta contra a violência e pela diversidade e inclusão.
Em nove pontos, os signatários do documento estabelecem diretrizes de respeito à vida que consideram inegociáveis. (Veja, abaixo, a íntegra da Carta). Já nos dois primeiros fundamentos, a Universidade expressa sua determinação em combater a discriminação e a violência. “A Universidade Estadual de Campinas trata todas as pessoas com respeito, condenando qualquer forma de discriminação de raça, de gênero, de crença, de orientação sexual e de pessoas com deficiência”, expressa o primeiro princípio.
“A Universidade Estadual de Campinas cultiva o diálogo entre os membros de sua comunidade, não tolerando a hostilidade, o assédio, a violência física ou psicológica e a agressão verbal como formas de disputa de ideias e valores”, preconiza o segundo princípio.
A declaração reafirma a busca da Unicamp pelo conhecimento e sua transmissão e reitera a vocação da instituição para a cultura da liberdade e do pluralismo. A Carta diz que a Universidade assegura aos diversos segmentos que a compõem um tratamento equânime e de tolerância e que espera de todos os integrantes da sua comunidade o respeito a esses preceitos.
Para a Unicamp, a diversidade não é apenas necessária para o desenvolvimento da sociedade, mas se traduz também em aporte para o conhecimento científico. Segundo a Carta, a inclusão e a excelência acadêmica são indissociáveis.
O documento assinala, ainda, que a Universidade defende as boas práticas na realização das atividades de ensino, pesquisa e extensão e que fomenta o conhecimento com vistas ao desenvolvimento sustentável do país e do planeta. Por fim, “rechaça todo e qualquer retrocesso autoritário que ameace a construção de uma sociedade democrática”.
Diálogo e pluralismo
Para o reitor da Unicamp, professor Antonio José de Almeida Meirelles, o documento representa a reafirmação do compromisso da Universidade com o diálogo, o pluralismo e o debate de ideias. “A Carta afirma e reafirma nosso compromisso, como comunidade, com os valores democráticos, de inclusão, de justiça e de sustentabilidade. Expressamos nossa condenação a qualquer tipo de preconceito e à violência como forma de resolução de conflitos, com o compromisso de valorizar o diálogo, o pluralismo e o debate de ideias”, disse o reitor.
“Diversidade, inclusão, sustentabilidade, responsabilidade social e excelência são parte intrínseca de nossa instituição e contribuem, de forma decisiva, para nossa produção científica e para a formação das pessoas”, acrescentou. Meirelles lembra que a Universidade insere-se em um mundo em transformação e que deve estar preparada para os desafios vindouros. “Vivemos em uma universidade, um país, um mundo em transformação, desafiados pelas mudanças climáticas e pelas demandas de justiça, de inclusão e de aprofundamento da democracia”, argumentou.
“Afirmamos e reafirmamos, assim, o compromisso de fazer frente a esses desafios no interior de nossa instituição e de contribuir para seu enfrentamento em nosso Estado, em nosso país e, quiçá, no mundo”, concluiu.
Dimensões
Para a pró-reitora de Pós-Graduação, professora Rachel Meneguello, com a exposição desses princípios, a Reitoria pretende dar conta de duas dimensões de uma mesma e preocupante questão, a convivência democrática. “A primeira delas diz respeito às muitas situações que têm ocorrido nos campi e nas quais é notória a falta de preocupação com as referências básicas do diálogo, da sociabilidade e da boa convivência entre alunos, professores e funcionários”, explica Meneguello, que é professora titular do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp.
“É necessário estimular e preservar as regras do bom convívio, próprio de uma instituição acadêmica na qual o respeito à pluralidade e à divergência é parte central de seu funcionamento, respeito esse sem o qual não se dá valor ao conhecimento”, avalia.
Para Meneguello, a segunda dimensão diz respeito à preservação da sociedade democrática, uma conquista que a Unicamp busca fortalecer. “Temos testemunhado no país, nos últimos anos, o derretimento dos valores democráticos, do respeito à vida, da convivência entre as pessoas. E, indo além, temos testemunhado o desprezo pelas instituições e regras pertinentes ao funcionamento da democracia”, argumenta.
“A preocupação da Universidade está em recuperar o contexto positivo da vida democrática e em sublinhar as referências que a possibilitam, consolidando assim orientações válidas para toda a comunidade”, finaliza.
Para o pró-reitor de Graduação, professor Ivan Toro, “é de fundamental importância” a comunidade da Unicamp conhecer e ficar atenta a esses princípios básicos de convivência, ética e cidadania. “Temas como democracia, sustentabilidade, não violência e inclusão devem não somente fazer parte do ensino, pesquisa e extensão, mas de todas as atividades do nosso dia a dia. Nossa prática de convivência deve sempre estar fortemente ligada aos princípios aqui manifestados”, afirma ele.
Tempos atuais
A professora Silvia Santiago, da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH), lembrou que os dois primeiras itens da carta tratam de discriminação e violência, e esse fato, segundo ela, reflete bem os tempos atuais.
“Isso fala muito sobre o mundo em que estamos vivendo”, argumenta. “E justamente por conta disso surge a necessidade de a Universidade buscar suas raízes: seus propósitos fundamentais, aqueles que mostram quais são os parâmetros a permitir que ela possa cumprir as missões que a sociedade nos delegou, as de ensinar, pesquisar sobre coisas que tragam melhorias para a população e prestar serviços de qualidade, com um trabalho eficiente de extensão”, disse.
A professora chama atenção para o aumento no número de casos de violência contra a mulher e de casos de violência da parte do aparato estatal contra cidadãos, como as mortes ocorridas no final de julho deste ano, em Guarujá (Baixada Santista), quando ao menos 20 civis foram mortos em operações da Polícia Militar. Para a dirigente, esse tipo de violência acaba contaminando a forma como agem as pessoas comuns. “Essas são questões exemplares de violência por parte do Estado e isso nos preocupa muito, porque podem se tornar um modelo de ação a ser seguido pela sociedade civil”, argumenta.
A professora diz não ter dados para dizer se houve aumento ou não de atos de discriminação ou violência nos campi da Universidade, mas garante que, hoje, a Unicamp está mais preparada para enfrentar essas questões. “Atualmente, temos mais canais de denúncia”, afirmou.
Santiago considera importante a divulgação de um documento como a Carta de Princípios. “Trata-se de um documento muito importante, porque a Universidade fala de si. Não aponta o dedo. Não quer impor nada. Mas deixa claro que esses são os valores da Universidade”, finaliza.
Assista ao pronunciamento do reitor Antonio Meirelles: