A Reitoria da Unicamp, Universidade que, desde sua fundação, posiciona-se ao lado dos e em apoio aos direitos humanos e à democracia, vem a público manifestar sua solidariedade com os povos indígenas e seu repúdio à tese do marco temporal, sob julgamento, agora, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Pela tese do marco temporal, só serão demarcadas as terras comprovadamente ocupadas por um povo indígena na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, ou as terras que tenham sofrido “renitente esbulho”, ou seja, da qual um determinado povo indígena tenha sido expulso de forma violenta. Mas, nesse caso, a desocupação forçada precisaria ser comprovada e ter persistido até a data da promulgação da Constituição, o que implicaria, no mínimo, um processo jurídico potencialmente moroso, dispendioso e de resultado incerto.
“A tese do marco temporal é uma anomalia jurídica.” Essa constatação foi feita pelo advogado indígena Eloy Terena, em 2018, em um de nossos Fóruns Permanentes comemorativos dos 30 anos da Constituição brasileira. A principal anomalia jurídica dessa tese reside no fato de ela desconsiderar em absoluto o direito originário dos povos indígenas a suas terras, algo garantido pela Constituição de 1988. A Constituição reconhece que, antes de existir o país chamado Brasil, as terras de seu território eram habitadas por povos indígenas – por isso esse é um direito originário. E a Carta Magna reconhece também o processo histórico de espoliações e deslocamentos forçados e violentos a vitimar muitos povos indígenas, ao longo dos séculos de colonização e de nação independente do Brasil.
O direito constitucional às terras indígenas garante aos povos originários a manutenção de suas formas de vida, feitas de um universo de conhecimentos atrelado aos biomas nos quais vivem. Esse universo expressa-se como diversidade de línguas e de formas de viver, em uma gama variada de rituais, mitos e saberes sobre a biodiversidade nacional. Além disso, as terras indígenas são hoje uma das maiores barreiras ao desmatamento, ajudando o país e o planeta na luta contra a emergência climática.
Desde 2019, por meio do Vestibular Indígena, a Unicamp tem vivido a experiência enriquecedora da presença indígena em seus campi. A diversidade de conhecimentos que aportou em nossa instituição nos fez ainda mais conscientes da necessidade de nos posicionarmos em apoio aos povos indígenas e contra a retirada de um direito fundamental, o direito à terra que, por sua vez, garante o direito a uma vida plena e diversa.
A Unicamp confia no juízo justo e legal a resultar do julgamento sobre o marco temporal no STF, colocando-se à disposição para apoiar com dados e conhecimentos fundamentados a manutenção de um direito já garantido.
Reitoria da Unicamp, 1° de setembro de 2023.