Estudantes da Unicamp lotaram o anfiteatro do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), na segunda-feira (11), para um encontro com o artista visual e ativista argentino Marcelo Brodsky. O evento foi iniciativa da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM/Acnur/Unicamp) e do Departamento de Teoria Literária do IEL, com participação do grupo de pesquisa CineRe Sem Fronteiras do Instituto de Artes.
"Essas raras oportunidades de intercâmbio acadêmico são muito interessantes para mim. O público pareceu emocionado, tive um excelente feedback", diz Brodsky, que realizou uma apresentação sobre "Arte, Memória e Testemunho", seguida de uma roda de conversa. "Apresentei desde minhas primeiras obras, nos anos 1980, até os trabalhos que fiz mais recentemente", diz o artista, que foi forçado ao exílio em Barcelona após o golpe do general Videla na Argentina em 1976. Atualmente, suas criações artísticas fazem parte dos acervos de alguns dos principais museus e arquivos do mundo.
O evento na Unicamp foi realizado concomitantemente à exposição "Exílios, Escombros, Resistências", que pode ser visitada no Museu Judaico de São Paulo. Trata-se de uma retrospectiva das obras de Brodsky, imagens sobrepostas com intervenções de forte conotação política. Os registros abordam períodos e eventos das últimas décadas, como a ditadura militar brasileira, o genocídio na Namíbia no início do século XX e a questão humanitária dos refugiados contemporâneos, entre outros temas relacionados a traumas históricos e direitos humanos.
Já na roda de conversa com os estudantes, um dos assuntos que mais suscitou perguntas foi o papel do Brasil na América Latina no contexto geopolítico atual.
História atualizada e ressignificada pela arte
O convite a Brodsky foi realizado pela presidenta da CSVM/Unicamp, Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, e pelo professor de teoria literária da Unicamp, Márcio Seligmann-Silva — que é o curador da exposição em curso no Museu Judaico.
"Conseguimos trazer um pouco da proposta da exposição, no sentido que pudemos ver a obra do Marcelo Brodsky e discutir a sua força no nosso contexto atual da história do Brasil e do mundo", contextualiza Seligmann-Silva.
Segundo o curador, o trabalho de Brodsky incorpora um jogo característico entre escrita e imagem, tensionando os universos culturais das linguagens literária e imagética. "Imagens sem palavras são imagens sem densidade histórica, e o Marcelo Brodsky injeta essa densidade com as palavras. Eu, como curador, busco potencializar esse gesto do artista. Ele atualiza a história sempre num presente. E a exposição atualiza a sua obra no nosso presente", explica Seligmann-Silva, destacando que, não por acaso, a última obra da exposição é uma intervenção realizada por Brodsky na capa de um catálogo recente sobre Marielle Franco.
"São reproduções gigantescas, quatro imagens, cada uma delas com cerca de quatro metros por dois, obras bastante impressionantes reproduzindo essas fotografias da Marielle Franco com intervenção do Marcelo".
Travessias em imagens
Além de fotógrafo, Brodsky atua como pesquisador, garimpando imagens de arquivo com potencial para terem seu significado expandido ou modificado pelas intervenções artísticas, na forma de pinturas, escritos e outras linguagens.
Ana Carolina Maciel destaca as relações entre os temas sensíveis abordados por Brodsky e o trabalho da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (Acnur/Unicamp), bem como as reflexões do grupo de pesquisa CineRe Sem Fronteiras, vinculado ao Instituto de Artes (IA).
"Tivemos a oportunidade de trazer ao campus um grande artista, com visibilidade internacional, que se utiliza da imagem para trazer à tona, entre outras questões sensíveis, o tema dos deslocamentos forçados contemporâneos", analisa Ana Carolina, observando que, devido à trajetória familiar e pessoal do artista, ele mesmo se insere nessa perspectiva.
"Em uma das séries da exposição no Museu Judaico ele intervém, com desenhos e escritos, em imagens que retratam as inúmeras travessias, por vezes letais, atualmente em curso no Mediterrâneo. Em outra série, o artista ressignifica imagens de pontes fronteiriças entre países, locais onde o trânsito vem sendo dificultado, impedindo pessoas em risco de ir e vir", exemplifica a presidenta da Cátedra, que promove uma série de iniciativas voltadas ao tema dos deslocamentos forçados na Unicamp.
A visita de Brodsky ao campus se conecta com outra intervenção artística: a exposição "Visíveis e Invisíveis: Guerras, Conflitos, Vivências", que ocupa a Unicamp até outubro com fotografias do jornalista brasileiro Yan Boechat em fronts de batalha internacionais, com olhar voltado ao impacto dos conflitos globais nas vidas cotidianas.
"Trazer o Brodsky no momento em que nosso campus sedia a exposição de fotografias do Yan Boechat corrobora a importância de tornar dramas humanitários visíveis. Há um diálogo e uma complementaridade entre ambos os trabalhos que nos possibilitam ressignificar e reinterpretar imagens, além de permitir uma troca de olhares com personagens que pairam invisibilizados e ausentes de uma política de memória”, explica Ana Carolina.