Pesquisadores da Unicamp descobriram um código genético da cana-de-açúcar que potencializa a capacidade da planta de responder a eventos extremos de estresse, como a seca. A descoberta, agora, segue para uma nova fase de estudos para avaliar se é possível aplicar este mesmo código na soja, o principal produto de exportação do Brasil.
As pesquisas são realizadas por meio de parceria entre o Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e a empresa Novag, do Mato Grosso do Sul, que obteve o licenciamento da tecnologia desenvolvida na Universidade, em 2022, com apoio da Agência de Inovação Inova Unicamp, para utilização dos genes. Os estudos abrem caminho para o desenvolvimento de uma nova espécie de soja, capaz de enfrentar as mudanças climáticas e reduzir os impactos ambientais causados com a produção agrícola em escala.
Os testes com soja tiveram início em 2014, com outro licenciamento de propriedade intelectual da Unicamp, também realizado com o apoio da Inova, que levou ao desenvolvimento da tecnologia obtida pela Novag. Contudo, o processo de transformação da planta se mostrou mais complexo do que o previsto, e os pesquisadores estão adotando, agora, novos protocolos.
Segundo o professor Marcelo Menossi, do Laboratório de Genoma Funcional do IB Unicamp, responsável pela pesquisa, o desafio está no processo de introdução do material genético na planta, um procedimento que é bastante específico e realizado por poucos laboratórios no mundo.
“Os protocolos existentes não funcionaram nos experimentos que realizamos, por isso, vamos adotar outras estratégias. Acreditamos que, ao resolver esse entrave tecnológico, conseguiremos ter uma resposta rápida e descobrir, se de fato, o gene da cana torna a soja mais resistente à seca”, explica.
Para a Novag, as pesquisas podem resultar em uma importante inovação para a agricultura mundial, e a parceria com a Unicamp cria oportunidades para isso. “Os estudos com a soja atendem a uma necessidade de se produzir mais em menos espaço territorial, reduzindo o desmatamento e os impactos ambientais”, afirma o fundador da empresa, Giovani Saccardo Clemente.
Já o investimento da empresa em pesquisas com a soja é estratégico, considerando a importância desta planta para economia mundial. “A soja, que é a proteína mais consumida no mundo, ao ser prejudicada pelas mudanças climáticas, causa impactos diretos na agricultura e na economia. Tecnologias capazes de mitigar esses danos são ferramentas para o mundo todo”, afirmou. A Novag faz parte de uma holding e tem como foco a prospecção de novas tecnologias, sendo uma de suas linhas de atuação plantas transgênicas.
Processo de descoberta do código genético e aplicação em outras plantas
Para obter o código genético da cana-de-açúcar, um dos primeiros passos dos pesquisadores do Laboratório de Genoma Funcional (LGF-Unicamp) foi aplicar estresse em diversas variedades de cana — algumas mais tolerantes à seca e outras menos — e analisar as respostas obtidas.
Com isso, foi observado quais partes do código genético eram ativadas em condições de estresse. No caso da cana-de-açúcar, ela ativa milhares de respostas que a ajudam ou não a reagir a essas situações.
“Conseguimos mudar o código genético da cana-de-açúcar, potencializando seu uso, respondendo positivamente aos eventos de estresse. A tecnologia faz com que a cana aumente sua tolerância à seca”, explica o professor.
Os pesquisadores também aplicaram o gene em outras plantas, como o tabaco, uma espécie cujo genoma é de fácil manipulação. O resultado, após a incorporação, foi também uma planta mais tolerante à seca.
Para chegar ao código genético da cana-de-açúcar, foi realizada pesquisa em colaboração com o Flanders Institute for Biotechnology (VIB), ligado à Universidade de Ghent, na Bélgica, que possuía uma tecnologia avançada para controle e análise das plantas.
Para isso, foram utilizados dezenas de genes já identificados e selecionados pelos pesquisadores na Unicamp. Os testes foram feitos com a Arabidopsis thaliana — uma planta modelo —, e foram monitoradas umidade, temperatura e luz. A plataforma robótica realizava a pesagem das plantas, adicionando uma quantidade de água insuficiente, deixando-as sob estresse. O sistema fotografava e calculava a área de folhas para monitorar o desenvolvimento. O ambiente controlado foi capaz de induzi-las a um nível de estresse e de reduzir seu crescimento em 20%, o que simula mais fielmente as condições climáticas observadas em campo.
Vanessa Regina Gonçalves, hoje docente na Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul-Itajaí) e responsável pelos testes na Bélgica durante o seu doutorado pelo Instituto de Biologia da Unicamp, explica que eles foram fundamentais para a obtenção do código genético da cana-de-açúcar. Isto, porque as pesquisas em laboratórios — sem o uso dessa tecnologia — submetem as plantas a um estresse muito alto, que não é compatível com a realidade do campo.
“Tem muitos códigos genéticos da planta que as protegem contra um alto nível de estresse. Mas estávamos interessados no estresse mais ameno, que se aproxima de situações do campo. Sem essa plataforma robótica, não teríamos obtido essas respostas”, explica.
As pesquisas para descoberta do código genético da cana-de-açúcar é um trabalho que dura mais de 10 anos. O método utilizado na descoberta já teve pedido de patente depositado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com estratégia da Inova Unicamp.
Para o professor Marcelo Menossi, o licenciamento da tecnologia permite que a Universidade tenha mais recursos para avançar nas pesquisas e promover inovação que traga impactos diretos para a sociedade. “A parceria com a empresa ajuda a direcionar a pesquisa para o que o mercado realmente demanda, chegando de fato à sua aplicação”, finalizou.