Coordenadora do Projeto Crânio-Face Brasil, a médica geneticista e professora titular do Departamento de Medicina Translacional da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp Vera Lúcia Gil da Silva Lopes apresentou à ministra da Saúde, Nísia Trindade, uma proposta para a implementação de um programa nacional de diagnóstico precoce de doenças craniofaciais raras. Segundo a especialista, em muitos casos, a falta de acesso a especialistas em genética e a exames diagnósticos acarreta atraso no diagnóstico, podendo prejudicar o tratamento e reduzindo as chances de a criança doente ter o melhor resultado possível.
O projeto apresentado pela professora da Unicamp, durante a visita de Nísia Trindade à Universidade no dia 27 de outubro, prevê ampliar para uma escala nacional os protocolos já utilizados hoje nos dez centros brasileiros que integram o Projeto Crânio-Face Brasil. “Nossa ideia é adotar, em escala nacional, procedimentos para o diagnóstico, o registro clínico padronizado, a educação em saúde e a educação populacional sobre os defeitos craniofaciais raros”, explica a professora. “O diagnóstico contribui para o manejo apropriado, para o diagnóstico de outras anomalias associadas e para a intervenção com relação à escolaridade e tudo mais, de uma maneira mais efetiva”, argumenta Lopes.
As doenças raras afetam até 65 pessoas a cada grupo de 100 mil indivíduos, ou 1,3 a cada 2 mil pessoas. Desses casos, mais de 80% têm origem genética. No Brasil, estima-se haver cerca de 13 milhões de pessoas afetadas por alguma doença do tipo. De acordo com dados do projeto, o censo da demografia médica feito em 2023 mostra 141 médicos especialistas na área no Estado de São Paulo. No entanto, o acesso à investigação e ao aconselhamento genético, para a maioria da população, está restrito a hospitais universitários e outros serviços públicos.
“Em geral, o diagnóstico, quando não é feito no período neonatal, de imediato, demora. As famílias [de crianças doentes] ficam rodando muito tempo até que consigam chegar a uma conclusão. Em média, em boa parte das doenças genéticas, esse tempo de procura e de investigação dura dez anos. Isso significa dizer que, em muitos casos, o diagnóstico é concluído por volta dos dez anos de idade do paciente”, reforça Lopes.
A professora diz que, além do protocolo, o Projeto Crânio-Face Brasil conta com a Base Brasileira de Anomalias Craniofaciais, sediada na Unicamp, com aproximadamente 3 mil casos descritos e na qual os profissionais fazem voluntariamente o registro padronizado do acompanhamento clínico de cada indivíduo e suas famílias, assim como como o diagnóstico genético, por meio de projetos de pesquisa.
“A ministra foi muito receptiva. Até porque [o projeto] está plenamente de acordo com a Carta de Intenções que a Unicamp assinou com o Ministério da Saúde, na tentativa de melhorar a questão da saúde sob diversos ângulos”, concluiu a professora.
Resposta positiva
“Nós temos todas as chance de, a partir do convênio, buscar uma escala maior para esse projeto. Um projeto como esse vem muito ao encontro do que a gente está pensando. Vamos encaminhar os estudos a respeito disso, sim”, afirmou Trindade.
Sediado na FCM, o Projeto Crânio-Face Brasil é uma proposta pioneira que tem como objetivo principal produzir evidências científicas para subsidiar políticas públicas no campo da genética craniofacial.
Atualmente são realizadas ações voltadas para fendas orofaciais (lábio leporino) e síndrome de deleção 22q11.2 – uma síndrome causada pela falta de uma parte da informação genética no cromossomo 22.
As fendas orofaciais acontecem em 1 em cada 600 a 1.000 recém-nascidos e podem ter diferentes causas, entre genéticas e ambientais. Na maioria das vezes, ele é o único defeito congênito, mas, em cerca de 30% dos casos, ocorrem anomalias associadas, configurando-se assim uma síndrome geralmente rara.
Com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o número de anomalias craniofaciais a ser registrado na base de dados e os exames genômicos referentes a esses casos serão ampliados a partir de 2024.