Pesquisadores do Centro de Estudos de Energia e Petróleo (Cepetro) da Unicamp deram início a estudos para desenvolver um “passaporte” digital de baterias – um sistema de rastreamento desses dispositivos que mapeará o ciclo de vida completo deles, da extração do minério utilizado em sua fabricação até o reuso, a reciclagem e o eventual descarte. O projeto, previsto para durar três anos, a ser realizado com a participação de cerca de 15 pesquisadores, conta com financiamento da multinacional francesa TotalEnergies. Ele integra um acordo de R$ 22,9 milhões firmado em junho pela Unicamp e a empresa prevendo a execução de seis projetos, todos nas áreas de energia solar e baterias.
“Queremos entender as baterias desde o berço até o descarte ou a reciclagem. É como se você colocasse um chip de rastreamento nelas, em todas as etapas pelas quais elas passam, para mapear os processos e saber o quanto emitem de gás carbônico, quanta energia elétrica e água foram utilizadas e quem são os responsáveis por fazer a reciclagem delas”, diz o professor Hudson Zanin, coordenador do projeto no Cepetro e docente na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp.
O sistema pretende, assim, abranger toda a cadeia produtiva. Desde a extração do minério, o transporte de caminhão, trem ou navio, a produção propriamente dita – realizada em geral, na China – e a entrega e uso do produto nos países de destino. “Após a fabricação das células, elas passam por vários donos, como importador e o fabricante de veículos ou de eletrônicos, antes de chegar ao consumidor. É preciso saber quem vai cuidar da reciclagem das baterias. Saber quem de fato é o dono da bateria entre o fabricante e o usuário final. É preciso regulamentar.”
O pesquisador explica que o grupo pretende desenvolver uma plataforma online com a tecnologia blockchain, conectando diversas empresas em uma mesma cadeia de dados. “Nenhuma empresa que fabrica bateria quer dar informação para as outras. Os dados serão criptografados, pois a informação é uma coisa extremamente valiosa e é preciso obter essas informações de maneira que os donos desses dados fiquem protegidos”, ressalta Zanin, explicando os motivos para o uso dessa tecnologia. O sistema valerá para qualquer bateria, independentemente da tecnologia utilizada para a sua fabricação ou de sua finalidade – seja para veículos elétricos, para celulares ou para a indústria.
As informações sobre a vida útil do dispositivo, como por exemplo sobre a forma de utilização dele ao longo do tempo, ajudarão também a desenvolver modelos a fim de prever o estado de saúde das baterias e melhores estratégias para o carregamento e descarregamento, classificação, avaliação do nível de risco e otimizações para um segundo uso. “Trata-se de um projeto sobre dados. Com informações sobre carga e descarga, sobre o estado de carga e saúde dessa bateria e sobre como ela está sendo ciclada em função das correntes e temperaturas. Com isso você pode prever quanto tempo ela vai durar”, afirma o pesquisador da Unicamp. Diferentes condições e formas de uso podem alterar significativamente a eficiência e a duração de uma bateria. “Do ponto de vista comercial, isso faz uma grande diferença nos modelos de negócio. Não se trata apenas da questão ambiental”, diz Zanin.
Para desenvolver a plataforma, os pesquisadores criarão modelos a partir de dados públicos disponibilizados em milhares de artigos científicos sobre, por exemplo, testes de diferentes baterias de carro. Com o pré-tratamento de dados e um modelo preditivo sobre a saúde das baterias, a ideia é disponibilizar essas informações online.
De acordo com o coordenador do projeto, a plataforma será interessante para a indústria de baterias, para fabricantes de automóveis, para os governos e para o meio ambiente, uma vez que favorece a reciclagem e traz mais transparência ao processo. “Hoje não se sabe quem são os donos das baterias e como elas vão parar no lixão. E o problema é que o volume de baterias ainda vai aumentar muito nos próximos anos”, afirma. “O projeto vai contribuir para essa conscientização. E ajudará a fazer um mapeamento e prover um melhor uso desses dispositivos.”
Segundo Zanin, o Brasil poderá seguir os passos da União Europeia (UE) na regulamentação das baterias. Em junho, o Parlamento Europeu aprovou medidas para fortalecer as regras de sustentabilidade na fabricação, no uso e no descarte de baterias, sejam elas portáteis, de veículos elétricos ou industriais, estabelecendo exigências, metas e obrigações para os fabricantes. Haverá níveis mínimos obrigatórios de metais reciclados na composição de novas baterias – inicialmente elas terão de ter 16% do cobalto reciclado, 6% do lítio e 6% de níquel. As baterias também terão de ter uma documentação sobre o conteúdo reciclado presente na sua composição. Algumas metas devem ser cumpridas já em 2025 e 2027.
“Ao regulamentar, cria-se um arcabouço normativo do setor. Quem quiser participar desse ambiente tem que seguir essas regras e colocar o mínimo necessário de informações dentro dessas futuras plataformas. O Brasil precisa ter essa tecnologia também, para não precisar comprá-la depois”, afirma Zanin. “Se houver uma regulamentação no país, não precisaremos pagar por isso depois. Haverá uma solução também local.”