Na COP30 os olhos estarão na Amazônia

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Um dos temas que pautaram as negociações na COP28 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) girou em torno da conservação da natureza e dos efeitos da mudança climática. Medir os efeitos da mudança climática na floresta amazônica é justamente o objetivo do AmazonFace (Free-Air CO2 Enrichment), um dos experimentos sobre a atmosfera mais importantes conduzidos no mundo atualmente. O status atual e as perspectivas do projeto foram apresentados hoje no Pavilhão Brasil e no Pavilhão do Reino Unido da conferência. “Esse é sem dúvida um projeto estratégico para entender como a floresta vai se comportar com o aumento da concentração de CO2 na atmosfera e como poderemos nos preparar para isso”, afirmou Carlos Alberto Quesada, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), um dos coordenadores do experimento.

Em sua versão completa, o projeto contará com seis estruturas circulares com 30 metros de diâmetro e 16 torres com 35 metros de altura. Três anéis farão aspersão de CO2 no ambiente, simulando, de forma controlada, a concentração de gás carbônico que provavelmente teremos por volta de 2060. Os outros três servirão como controle, com aspersão de ar ambiente. “Trata-se de um grande laboratório a céu aberto, uma janela para o futuro”, disse Quesada. Já foram montados dois anéis, sendo um deles para os testes propriamente ditos e o segundo para controle. O projeto fica localizado a cerca de 70 quilômetros de Manaus, em um campo de testes do Inpa.

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Da esquerda para a direita, Tanara Lauschner (subsecretária para Amazonia no MCTI), Stephen Mooney (líder do time de clima, energia e agua do FCDO, Governo Britânico), Carlos Alberto Quesada (pesquisador do INPA, e coordenador do Programa AmazonFACE, Brasil), Osvaldo Moraes (MCTI), Stephen (Commonwealth & Development Office/FCDO), Adriane Esquivel-Muelbert (Universidade de Birmingham, Reino Unido), David Lapola (Unicamp e coordenador do AmazonFACE),  Adriana Alcântara (gerente do AmazonFACE na Embaixada Britânica no Brasil) e Richard Betts (chefe de pesquisas em impactos climáticos do MetOffice UK)

Os pesquisadores desejam entender, por exemplo, se as plantas ficarão mais resilientes com a “maior oferta” de CO2, se a falta de fósforo no solo, característica do bioma Amazônia, pode limitar a resposta da floresta ao aumento de CO2 ou se haverá alterações nos processos de “devolução” de água da floresta para a atmosfera. Outro eixo importante da pesquisa são as possíveis mudanças a ocorrer nas diferentes plantas e espécies. “A floresta amazônica é frequentemente associada a um ‘mar verde’, mas ela tem grande diversidade de plantas e animais”, apontou a pesquisadora Adriane Esquivel-Muelbert, da Universidade de Birmingham (Reino Unido). “Queremos observar o que acontece em detalhes, com cada uma delas”, disse.

David Lapola, pesquisador da Unicamp e um dos coordenadores do projeto, lembrou que a floresta é um regulador do clima global e isso dá uma dimensão da importância de entender os efeitos da mudança do clima nesse bioma. “Esse é um experimento que tem relevância para a humanidade”, pontuou. Mas, ainda segundo ele, não podemos nos esquecer dos aspectos sociais e econômicos que o experimento AmazonFace também vai investigar. “O que vai acontecer com todas as plantas utilizadas pelas populações da região amazônica, como será afetada a colheita de açaí, por exemplo?” “É fundamental estabelecer esse nexo entre os processos ecológicos e a provisão de serviços ecossistêmicos”, destacou.

Projeto de longo prazo

Interdisciplinar e de alta complexidade, o AmazonFace conta com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e do governo do Reino Unido. Até a COP30, prevista para acontecer em novembro de 2025, em Belém (PA), todos os anéis estarão montados. De acordo com Lapola, os recursos disponíveis hoje são suficientes para concluir a montagem das seis estruturas e realizar os primeiros experimentos. Um dos grandes desafios é manter essas estruturas operando no meio da floresta. Além disso, há planos de estabelecer um centro de pesquisas próximo ao local onde os anéis estão instalados. “Precisamos garantir os investimentos em longo prazo para a operação dos anéis e para esse centro de pesquisa, viabilizando, assim, as respostas que esperamos obter”, ressaltou Lapola.

Assista ao vídeo da montagem dos aneis na Amazônia: 

O representante do MCTI no painel que aconteceu na COP28 lembrou que boa parte dos estudos sobre a Amazônia vão no sentido de entender o seu papel no contexto da mudança climática. “O AmazonFace faz quase o oposto, pois tenta entender o impacto da mudança climática na maior floresta tropical do mundo”, disse Osvaldo Moraes, diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade da Secretaria de Políticas e Programas Estratégicos do MCTI. Ele afirmou ainda estar trabalhando a fim de garantir recursos para o experimento. “Após um período de cortes, o governo está fazendo um movimento para recompor os orçamentos e “recolocar a ciência no centro do Brasil”, afirmou Moraes.

Oportunidades e desafios da COP30 

Recolocar a ciência em posição de destaque também nas conferências do clima. Essa foi uma das propostas apresentadas em um painel da COP28 no qual se discutiram os desafios e oportunidades para a Amazônia e para o Brasil com a COP30. “Até a COP26, que aconteceu em Glasgow, Inglaterra, as conferências do clima costumavam abrigar um pavilhão de ciência, com o estado da arte da ciência sobre as questões climáticas”, contou Lapola. Esse pavilhão viu-se excluído nas conferências do Egito e de Dubai. A Unicamp, em parceria com outras instituições de ensino superior brasileiras e da América Latina, quer liderar um movimento para que a COP30 volte a ter um pavilhão da ciência. “Essa presença destacada da ciência é muito importante porque isso incentiva uma tomada de decisão mais bem embasada”, completou.

André Lima, secretário extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima sugeriu iniciar uma colaboração com o MCTI para construir a proposta desse pavilhão na sede em Belém. “A COP30 é uma oportunidade de catalisar uma série de processos no Brasil, bem como na América Latina, a partir de uma necessária conversão dos diferentes poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário”, afirmou o secretário.

Uma meta já estabelecida para 2030 é a do desmatamento zero. Para isso, de acordo com o Lima, a primeira medida é a restauração dos fundos e recursos para aprimorar a qualidade do controle e da fiscalização. “Estamos iniciando um projeto baseado em inteligência artificial que permite prever o desmatamento a partir dos índices de degradação ambiental”, contou o secretário. Além disso, o governo tem trabalhado para fortalecer as articulações locais. Um exemplo é o programa União com municípios pela redução do desmatamento e de incêndios florestais na Amazônia, que deve destinar cerca de R$ 600 milhões até 2025. “Nesse programa, os municípios que mais reduzirem o desmatamento vão receber mais recursos”, explicou Lima.

Com os olhos do mundo voltados para a Amazônia, surge a oportunidade de a região ser um exemplo na descarbonização da economia, ao mesmo tempo ser fundamental adotar um programa de desenvolvimento sustentável e compatível com os biomas brasileiros. “Mas para isso é preciso que os países desenvolvidos cumpram os compromissos financeiros firmados”, lembrou a economista Carina Vitral, assessora da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. No primeiro dia da COP28 (30/11), foi firmado um acordo para ajudar os países mais pobres do planeta a se adaptarem à mudança do clima. Os negociadores aprovaram um fundo para perdas e danos, e as doações já anunciadas passam de US$ 420 milhões.

Mesmo animador, esse valor está muito aquém do necessário para lidar com os efeitos econômicos da mudança do clima e para ações de adaptação no mundo. O Plano de Transição Ecológica, lançado pelo ministro da Economia do Brasil, Fernando Haddad, também na COP28, aponta que, apenas para fortalecer iniciativas de economia verde no país fazem-se necessários investimentos adicionais da ordem de US$ 130 bilhões a US$ 160 bilhões por ano ao longo da próxima década. Patricia Ellen,  ex-secretária de desenvolvimento econômico do Estado de São Paulo e sócia-fundadora do ecossistema AYA Earth Partners, apontou a necessidade de envolver o setor privado nessa transição rumo a uma economia de baixo carbono. “O Brasil tem o potencial de ser protagonista nessa transição”, acredita.

Painel "Oportunidades para o Brasil na COP30"; da esq p/ dir, Patricia Ellen (sócia-fundadora da AYA Earth Partners 2), Puyr Tembé (secretária de Estado dos Povos Indígenas do Pará), Carina Vitral (Assessora da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda), André Lima (secretário Extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial no Ministério de Meio Ambiente e Mudanças do Clima) e Melina Risso (diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé)
Painel "Oportunidades para o Brasil na COP30"; da esq p/ dir, Patricia Ellen (sócia-fundadora da AYA Earth Partners 2), Puyr Tembé (secretária de Estado dos Povos Indígenas do Pará), Carina Vitral (Assessora da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda), André Lima (secretário Extraordinário de Controle de Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial no Ministério de Meio Ambiente e Mudanças do Clima) e Melina Risso (diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé)

Responsabilidades

Já para Puyr Tembé, secretária de Estado dos Povos Indígenas do Pará, é ainda mais importante mobilizar toda a sociedade civil a fim de se preparar para receber a COP30. “É preciso compartilhar as responsabilidades. Os desafios da emergência climática não são do Brasil, muito menos dos povos indígenas, assim como a COP30 não é uma COP da Amazônia, é do Brasil!”, disse Tembé. Ela defendeu a necessidade de um projeto de educação ambiental robusto para gerar engajamento de toda a sociedade civil sobre a gravidade da crise climática. “Os povos indígenas, com seu modo de vida, já têm atuado há séculos em prol de um planeta sustentável. Mas sozinhos não vamos salvar nada. É preciso que cada um assuma sua responsabilidade”, destacou. Ela acrescentou ainda que a COP30 tem que ser a das mulheres. “A Amazônia é feminina, e isso deve ser um chamado a nos lembrar que, assim como a floresta, o planeta é a mãe que nos alimenta e, sobre isso, não há negociação”, finalizou.

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Maquete do projeto AmazonFACE que foi levada para a exposição na COP28

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004