O sistema brasileiro de ciência e tecnologia (C&T) precisa de mais pesquisas dentro das empresas e de um número maior de empresas realizando pesquisas. Essa foi uma das principais observações feitas pelo professor Carlos Henrique de Brito Cruz, vice-presidente sênior de Redes de Pesquisa na Elsevier (Oxford, Reino Unido), na palestra intitulada "Desafios para a C&T no Brasil" e proferida na manhã desta quinta-feira (14) na Unicamp. A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Universidade organizou o evento.
“Talvez um dos pontos de maior fragilidade do sistema brasileiro de C&T seja a pouca quantidade de pesquisas que acontecem em empresas e a pouca quantidade de empresas no Brasil que se dedicam à atividade de pesquisa e desenvolvimento”, afirmou ele, para uma plateia formada, em sua maioria, por professores e pesquisadores.
Ex-diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e reitor da Unicamp no período de 2002 a 2005, Cruz avalia que uma das discussões que precisam acontecer no país neste momento é justamente aquela sobre o lugar de realização das pesquisas. Segundo o especialista, o volume das atividades de pesquisa conduzidas dentro das empresas é muito pequeno se comparado com o tamanho da economia brasileira.
“E o fato de essa atividade ser de pequenas dimensões pode trazer uma série de consequências. Uma delas, a ideia de que muitas organizações no Brasil gostariam de ver as universidades substituírem as empresas na realização de atividades de pesquisa, virando uma espécie de laboratório de pesquisa das empresas”, alerta o professor. “E isso é um erro terrível para o Brasil. Nenhum país do mundo adota esse tipo de estratégia. Há um tipo de pesquisa que cabe à Universidade e um tipo de pesquisa que cabe à empresa. É preciso haver um equilíbrio adequado entre as duas modalidades”, ensina.
Um levantamento apresentado pelo professor destacou um motivo de preocupação para o país. As publicações científicas no Brasil mantiveram uma média de crescimento anual de 14% até o ano de 2007. Depois disso, mostra esse levantamento, a média desabou para um crescimento de 4% ao ano. Cruz diz não saber explicar esse desempenho, mas destaca esse fato como objeto de uma necessária reflexão.
O professor cita ainda dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) segundo os quais o Brasil é o décimo país do mundo quanto ao gasto de recursos com pesquisa – esse montante provém de entidades governamentais, de universidades e instituições e de empresas. Na opinião de Cruz, é preciso descobrir o porquê de esse sistema impedir o país de obter resultados melhores.
Para o especialista em C&T, faz-se necessário reconstruir o modelo desarticulado a partir de 2018. “Não devemos pensar nisso como uma tentativa de voltar aos bons tempos, mas uma tentativa de olhar para frente: fazer com que o sistema seja melhor do que já foi”, ensina.
Outro elemento importante, segundo Cruz, encontra-se no funcionamento das instituições. Segundo o professor, as universidades e institutos de pesquisa se envolvem no processo de produção de ciência, mas, no Brasil, nasceu a ideia de que o pesquisador faz tudo e de que a instituição não precisa fazer nada.
“Em um mundo onde os valores de financiamento à pesquisa podem atingir a casa dos milhões de dólares, é impossível fazer uma gestão correta desses recursos sem um apoio claro e efetivo das instituições. Da mesma forma, é impossível conseguir novos financiamentos sem ter um apoio institucional. Portanto, acho que deveria ocorrer uma reaproximação entre as entidades de pesquisa e as suas instituições”, diz ele.
Sul Global
Dados apresentados por Cruz mostram um crescimento no volume de pesquisa produzido nos países do chamado Sul Global, o que significa um novo alerta para o Brasil.
“Esses países estão se tornando cada vez mais importantes no sistema mundial de pesquisas, tanto na qualidade de criadores de conhecimento, como na qualidade de participantes da atividade científica. Portanto, essa é uma mudança na qual vale a pena prestar a atenção, não apenas pelo fato de o Brasil ser um desses países [do Sul Global], mas também porque alguns desses países estão crescendo muito depressa e vários deles, bem mais depressa que o Brasil”, alerta.
Cruz conta que em 2022, pela primeira vez, o número de autores de artigos científicos divulgados por pesquisadores de países em desenvolvimento foi maior que o dos países desenvolvidos.
“Isso reflete uma mudança que tenho discutido com lideranças do Reino Unido e da Europa de uma forma geral. Isso mostra que o Norte Global não pode mais se dar ao luxo de fazer pesquisa olhando apenas as coisas que os pesquisadores do Norte Global identificam. Portanto, acho que essa é uma mudança na qual todos precisam começar a prestar atenção”, reforça.
“Os pesquisadores do Sul registram menos citações de seus artigos? Sim. Mas não necessariamente por serem piores. Talvez isso se deva apenas ao fato de não serem tão conhecidos”, argumenta.
Impacto social
Cruz diz que a existência de um sistema consolidado de C&T produz impactos em três dimensões. O primeiro deles é o impacto social – a capacidade de criar ideias responsáveis por provocar benefícios diretos na vida das pessoas. O segundo, o impacto econômico – a geração de empregos, a criação de novos negócios, que ajudam a aumentar a produtividade e às vezes até mesmo inauguram novos regimes industriais. O terceiro, o impacto intelectual e científico, “aquelas ideias que trazem mais sabedoria à humanidade”, explica.
O reitor da Unicamp, professor Antonio José de Almeida Meirelles, disse que os alertas de Cruz surgem em um momento importante para o Brasil, que procura resgatar o papel da ciência e da tecnologia no seu desenvolvimento. “Depois de ter vivido um período de pandemia e de um governo que investiu muito pouco em C&T, a gente tem agora a possibilidade de uma política alinhada à ideia de investimentos com a C&T como eixo principal”, acredita o reitor.