A natureza é central para lidar com mudanças climáticas

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O acordo final da COP28 – o chamado Consenso dos Emirados Árabes Unidos – reconhece as soluções baseadas na natureza (SbN) como ferramenta de adaptação à emergência climática. O termo, cunhado em 2016 pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês,) define essa estratégia como as ações para proteger, gerir de forma sustentável e restaurar ecossistemas naturais e modificados abordando os desafios sociais de forma eficaz e adaptativa e beneficiando simultaneamente as pessoas e a natureza, todos sustentados pelos benefícios advindos de ecossistemas saudáveis. A inserção do termo no documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas mostra-se positiva no sentido de chamar atenção para o fato de a natureza ser uma aliada quando se trata dos desafios das alterações climáticas e da redução dos riscos de catástrofes. Mas, assim como no caso de outras medidas de mitigação e adaptação discutidas na COP28, tudo dependerá de investimentos para que planos bem intencionados saiam do papel, especialmente no caso dos países mais vulneráveis.

De acordo com a UN Habitat, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, 75% das emissões globais de carbono provêm dos ambientes urbanos. O ambiente nascido das ações humanas gera 42% das emissões globais anuais de CO2. Desse total de emissões, as operações de construção são responsáveis por 27% anualmente, enquanto as atividades referentes aos materiais de construção e à infraestrutura (como cimento e aço, normalmente referidos como carbono incorporado) respondem por 15% adicionais todo ano. “Precisamos rever a forma como construímos [casas e prédios] hoje e considerar toda a infraestrutura urbana e o planejamento paisagístico como algo vivo, que existe em colaboração com a natureza”, disse Lisa Richmond em um painel sobre SbN realizado na COP. Arquiteta e pesquisadora sênior da Architecture 2030, uma organização não governamental (ONG) com sede nos Estados Unidos dedicada à descarbonização de ambientes construídos, Richmond também defendeu maiores investimentos, dentro dos ambientes urbanos, em soluções baseadas na natureza. “Elas são ambientalmente amigáveis e economicamente vantajosas.”

Segundo a arquiteta, embora tenham sido feitos progressos significativos quanto à redução do carbono emitido pelas operações de construção, esses avanços concentraram-se principalmente na construção de novos edifícios, especialmente nos países desenvolvidos. “Estamos perdendo importantes oportunidades de mitigação. Temos que ir além dos edifícios. A infraestrutura e o planejamento paisagístico oferecem um potencial inexplorado para reduzir as emissões e aproveitar a natureza”, afirmou Richmond.

Ela citou como exemplos a adoção de materiais de construção com baixo teor de carbono, tanto os alternativos quanto os baseados na natureza,  e o dimensionamento correto e a eficiência dos materiais que diminuem radicalmente o carbono incorporado inicial. A pesquisadora defendeu ainda ampliar a adoção das tradições de baixo carbono. “As formas e os materiais de construção patrimoniais e indígenas proporcionam benefícios de carbono e de equidade em grande escala”, disse.

Soluções baseadas na natureza podem tornar as cidades mais resilientes, reduzir o custo com tratamento de água, reduzir o risco de desastres, minimizar impactos de enchentes e secas, promover o bem-estar para as pessoas, gerar empregos para o cuidado dessas áreas e ser fonte de desenvolvimento econômico, por meio do turismo, entre outras possibilidades. Um bom exemplo são as áreas verdes nas cidades. Como explicou a arquiteta Pamela Conrad, diretora executiva do Climate Positive Design, uma ONG com sede na cidade de Santa Fé (Estados Unidos) que desenvolve projetos arquitetônicos baseados na natureza, as áreas verdes em ambientes urbanos ajudam na regulação do clima, promovem a saúde das pessoas e abrem oportunidade de trabalho. “Ao longo dos anos muitas cidades canalizaram seus rios e córregos. Por meio das SbN, é possível recuperar o curso natural dos rios e, ao trazer esses caminhos de água de volta à superfície, restaurar funções hidrológicas e devolver às pessoas a possibilidade de conviver com os cursos de água das cidades”, contou a arquiteta.

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Arquiteta tailandesa Kotchakorn Voraakhom: "A partir da abordagem das soluções baseadas na natureza, criamos um sistema completo de circulação de água dentro da cidade" (Foto: Divulgação COP28)

A natureza como aliada

Uma estratégia baseada na natureza foi adotada em Bangcoc (Tailândia). Construída nas planícies do Rio Chao Phrauya, a capital tailandesa é propensa a inundações. Para enfrentar o problema das enchentes, especialmente na época das chuvas, o poder público investiu em uma solução baseada na natureza. A Chulalongkorn University cedeu um terreno de cerca de 400 mil metros quadrados onde foi inaugurado em 2017 o Parque Centenário de Chulalongkorn. O projeto nasceu das mãos da arquiteta tailandesa Kotchakorn Voraakhom, presente na COP28.

Ela explicou que a premissa do trabalho foi aproveitar a localização do terreno, mais baixo, para armazenar água. “Aproveitamos a topografia do terreno para coletar, tratar e reter água de forma sustentável a fim de reduzir os riscos de inundações urbanas nas áreas circundantes. Muitas vezes, quando o sistema de esgoto público está sobrecarregado, o parque é capaz de reter até 1 milhão de galões de água. Também equipamos o parque com vários componentes ecológicos: telhados verdes, zonas úmidas, gramados de detenção e lagoa de retenção, para não desperdiçar uma única gota da chuva”, contou.

Segundo a arquiteta, o parque conta com um sistema completo de circulação de água. Uma série de açudes e lagoas em cascata retardam o escoamento e aumentam a aeração da água, auxiliados por plantas aquáticas nativas que ajudam a filtrar e limpar a água. No ponto mais baixo da área, a lagoa de retenção, durante cheias severas, pode armazenar água em excesso e duplicar de tamanho ao expandir-se para o relvado principal do parque. Os visitantes também podem se tornar uma parte ativa do sistema de tratamento de água, subindo em qualquer bicicleta aquática estacionária ao longo do lago e pedalar para manter a água arejada. A água armazenada serve ainda para irrigar as áreas verdes do parque.

A cidade também ganhou vários equipamentos culturais e esportivos de acesso gratuito. No ponto mais alto do parque, no topo do maior telhado verde da Tailândia, com 5.200 m2 de área, qualquer pessoa pode ver o horizonte para além de Bangcoc. Debaixo desse telhado verde foram criados um museu e um estacionamento. O público dispõe ainda de “salas de aula paisagísticas ao ar livre”, inspiradas em diferentes biomas, incluindo um jardim de ervas, uma área de meditação, uma sala de leitura, um jardim de bambu, parquinhos e um anfiteatro.

A arquiteta contou também que utilizaram na obra uma espécie de grama nativa de baixa manutenção, cujas ervas daninhas atraem pássaros e insetos locais. Nos ambientes construídos, a opção foi utilizar componentes porosos ou materiais de origem local. Finalmente, houve mudanças no entorno do parque, visando reduzir o trânsito de carros e dar preferência para os pedestres e bicicletas. Ao reduzir de quatro para dois o número de faixas de veículos, aumentando-as de 12 metros para 30 metros, a rua antes fortemente congestionada agora conecta os pedestres e ciclistas diretamente com os bairros vizinhos. “Um único parque não consegue controlar as inundações em uma cidade inteira, mas esse parque serve de inspiração para o restante da cidade e para outros lugares no mundo que enfrentam os desafios da emergência climática e de seus eventos extremos”, afirmou a arquiteta.  

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Logo do Plano Diretor 2021-2031 da Unicamp

SbN na Unicamp

As diretrizes de infraestrutura urbana para água, efluentes e drenagem do Plano Diretor Integrado UNICAMP: 2021-2031 contemplam soluções baseadas na natureza. O plano recomenda a implementação de “sistemas de drenagem sustentável em todo o campus, com adaptações das edificações e do espaço urbano de forma a simular o ambiente natural por meio de infraestrutura verde e soluções baseadas na natureza”. De acordo com a arquiteta Thalita Dalbelo, que está á frente da Coordenadoria Executiva de Sustentabilidade de Unicamp (CSUS), as SbN foram incluídas nas diretrizes de uso e ocupação da Unicamp especialmente na área de recursos hídricos. “Nosso objetivo foi buscar uma melhor adaptação dos campi aos possíveis fenômenos acarretados pela emergência climática, como inundações e alagamentos, e gerar benefícios ao ambiente e às pessoas”, explicou. “As SbN possibilitam a reintegração da natureza à paisagem urbana de forma sistêmica, além de solucionarem, de forma mais sustentável, os problemas causados pela canalização dos córregos e pela grande área impermeabilizada já existente nos campi”, finalizou.

 

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Parque Centenário de Chulalongkorn, em Bangcoc, Taliândia, que usa a topografia da cidade para armazenar água e minimizar o impacto das inundações provocadas pelas cheias do rio que corta a cidade (Foto: Chulalongkorn University)

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Escritor e articulista, o sociólogo foi presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais no biênio 2003-2004