O Centro Multidisciplinar para Investigação Biológica na Área da Ciência em Animais de Laboratório (Cemib) da Unicamp terá sua estrutura ampliada e aperfeiçoada com a instalação da Central Multiusuária de Avaliação Sanitária, Genética e Reprodução Assistida. “Somada ao nosso know-how, a nova central possibilitará avanços tecnológicos para toda a comunidade científica”, diz a pesquisadora e coordenadora do Cemib, Daniele Masseli Rodrigues.
O projeto obteve aprovação em edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e chama atenção para o potencial da Universidade quando se trata de fortalecer a pesquisa na área médico-biológica dentro do Estado.
Serão investidos mais de US$ 762 mil na aquisição de equipamentos altamente sofisticados – semelhantes aos utilizados nos centros de bioterismo mais avançados do mundo, enfatiza a coordenadora. “Vamos criar condições para uma produção profissionalizada de animais especiais, geneticamente modificados, que vão contribuir para o estudo de doenças metabólicas, como hipertensão, diabetes e obesidade, além de câncer e alguns tipos de síndrome, entre outras condições.”
Por ser uma central multiusuária, cientistas de fora poderão ter acesso aos equipamentos. A previsão é que a estrutura seja finalizada até 2030. “Vamos desenvolver protocolos complexos com alta tecnologia, aprofundar pesquisas que já estão em andamento, ampliar a oferta de serviços para centros de pesquisa e favorecer o empreendedorismo com a transferência de expertise para a iniciativa privada", acrescenta Rodrigues.
Como exemplo dos procedimentos e métodos de alta complexidade que os equipamentos da central multiusuária vão disponibilizar, pesquisadores do Cemib citam a injeção intracitoplasmática de espermatozóides (ICSI), técnica avançada de fecundação aplicada na fertilização in vitro (FIV).
Durante boa parte das últimas décadas, a principal necessidade na área de animais de laboratório resumia-se a produzir indivíduos saudáveis, com qualidade sanitária e genética, em larga escala.
O Cemib, que começou como um biotério convencional, acompanhou essa tendência e se transformou em uma Animal Core Facility – um centro de referência também para pesquisadores de fora da Unicamp.
Nos últimos anos, contudo, uma transformação fundamental vem se estabelecendo nos laboratórios que utilizam modelos animais. Quem explica é o pesquisador e ex-coordenador do Cemib Luiz Augusto Corrêa Passos.
“Com a revolução genética, houve uma mudança drástica. O desafio agora não é mais produzir animais saudáveis em larga escala, mas produzir uma grande diversidade de linhagens. É aí que entra esse projeto da central multiusuária. Mais uma vez, o Cemib conseguiu enxergar esse horizonte.”
Mas o que caracteriza essas linhagens e como esse modelo se diferencia do que era mais praticado anteriormente? Muitas carregam genes humanos - são as chamadas linhagens "humanizadas". Outras geram animais transgênicos, que têm seu genoma modificado pela introdução de sequências de DNA de outro organismo.
E há ainda as chamadas linhagens de animais nocautes, em que a modificação genética interrompe ou anula (daí o "nocaute") determinados genes, que deixam de se expressar. Essas linhagens, segundo explicam os pesquisadores do Cemib, servem para estudos de doenças, síndromes e disfunções específicas. Por exemplo: se um cientista quiser estudar hipertensão arterial, ele vai utilizar um modelo animal com um gene modificado pra essa finalidade.
“Quando não tínhamos animais com essas características, precisávamos fazer vários testes e chegar à resposta mais representativa do fenômeno por meio de métodos estatísticos. Hoje, os resultados são mais fiéis. E o animal só precisa ser utilizado uma vez para o experimento. Cada linhagem é única”, explica Passos, que entrou no Cemib ainda como estagiário, na década de 1980, e acompanhou toda a evolução da unidade.
Dados do International Mouse Strain Research (IMSR) indicam um crescimento de 70% no número de linhagens de camundongos registradas globalmente nos últimos três anos. No Brasil, o Cemib é um dos únicos biotérios que buscam acompanhar esse movimento.
“A preservação das linhagens não necessariamente precisa ocorrer na forma de animais vivos. Utilizamos a criopreservação, congelando espermatozoides, ovários e embriões. Quando necessário, podemos descongelar e reativar as linhagens”, diz o cientista.
Segundo Passos, essa tendência significa também um avanço do ponto de vista ético, já que menos animais precisam ser mantidos em laboratório e os testes realizados resultam menos invasivos.
Reduzir, substituir e refinar
A Unicamp foi uma das primeiras universidades do Brasil a ter seu Comitê de Ética em Experimentação Animal. Para trabalhar com ratos ou camundongos, os pesquisadores precisam demonstrar não haver métodos alternativos para aquela finalidade.
De acordo com os pesquisadores do Cemib, ainda não existem no mundo alternativas que permitam a abolição total do uso de ratos e camundongos em pesquisas médico-biológicas.
Nesse contexto, os cientistas dizem que a preocupação com o bem-estar dos animais nos laboratórios atualmente é levada a sério (o que não acontecia no passado, ao menos de maneira sistêmica), enquanto métodos alternativos têm sido cada vez mais usados.
“Esse assunto é amplamente discutido na comunidade científica e nos principais congressos da área. Hoje, observamos uma evolução considerável e estamos muito avançados quando comparamos [o quadro atual com o do] passado”, diz Rodrigues.
O Brasil também aderiu a alguns dos esforços internacionais nesse sentido. Segundo a pesquisadora, o princípio dos 3R’s, na sigla em inglês (reduce, replace, refine: reduzir, substituir e refinar), é muito forte no exterior e é adotado pelo Cemib em suas práticas laboratoriais.
Rodrigues cita algumas iniciativas nacionais em busca de disseminar esse princípio, como o Centro Brasileiro para Validação de Métodos Alternativos (Bravcam, na sigla em inglês) e a Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renamas). A ideia é utilizar os animais o estritamente necessário e sempre em experimentos cada vez menos invasivos.
O tema ganhou regulamentação no Brasil por meio da Lei Arouca, que estabelece limites para as pesquisas, garante o conforto dos animais e os protege contra abusos.
Em março do ano passado, uma resolução do Conselho Nacional do Controle de Experimentação Animal (Concea) proibiu o uso de vertebrados em pesquisas voltadas ao desenvolvimento de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes.