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A Unicamp iniciou o processo de matrícula de estudantes da rede pública de ensino aprovados na primeira edição do Provão Paulista Seriado. Anunciada no segundo semestre de 2023, a iniciativa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc) oferece 15.839 vagas nas três universidades públicas estaduais (Unicamp, Universidade de São Paulo – USP – e Universidade Estadual Paulista – Unesp), nas Faculdades de Tecnologia (Fatecs) e na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Segundo a Seduc, mais de 180 mil estudantes passaram pelas primeiras etapas do processo seletivo – inscrição, participação nos dois dias de prova e escolha dos cursos de interesse –, número que é 3,5 vezes maior que a quantidade de alunos da rede estadual inscritos nos vestibulares das três universidades públicas paulistas. Nas duas primeiras chamadas, foram preenchidas 248 das 325 vagas oferecidas pela Unicamp na nova modalidade de ingresso, ou seja, 76% do total disponível. A terceira e última chamada está prevista para o dia 9 de fevereiro, para efetivação de matrícula no dia 15 de fevereiro.
Entre os que estão comemorando o ingresso na Unicamp pelo Provão Paulista está Davi Topa, de 17 anos, aprovado para o curso de Engenharia de Alimentos. Ele se mudou de Belém, no Pará, para o Estado de São Paulo em 2022, a fim de dar continuidade ao curso técnico em Alimentos no Colégio Técnico de Campinas (Cotuca), iniciado em 2021, durante a pandemia, ainda no formato remoto. “Minha mãe é da área da educação e, desde quando eu era pequeno, sempre quis que eu fizesse o ensino médio em uma escola técnica integral”, conta. O aluno ficou sabendo da possibilidade de ingressar no Cotuca por meio de familiares que vivem na cidade e, mesmo tendo sido aprovado em Informática em um colégio técnico no Pará, escolheu a Unicamp pela maior afinidade com sua atual área de estudos. Decidiu-se pela Engenharia de Alimentos em vez de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia na Unesp, curso em que também foi aprovado. “Pra mim, esse foi um período caracterizado por um pouco de ansiedade e de incerteza. Justamente por ser esse o primeiro Provão Paulista, não sabia o que ia cair e o nível de dificuldade [da prova]. Mas, no final, a experiência foi uma surpresa bastante positiva. Eu espero que continue a haver essa nova modalidade de ingresso, relevante não só para entrar na faculdade, como também para saber como está a qualidade da educação no Estado”, avalia.
Já Vitória Gabriela da Silva, de 18 anos, mora em Campinas e estudou a vida toda em escolas públicas. Aprovada para o curso de Odontologia na Unicamp – um sonho que cultivava desde criança, quando o contato com a abordagem pediátrica na área revelou-se decisiva para conseguir lidar com o medo de procedimentos odontológicos, algo responsável por mudar sua autoestima –, ela agora está envolvida com os preparativos a fim de mudar para Piracicaba. Apesar de feliz com a aprovação, a aluna confessa ter ficado bastante apreensiva com a avaliação. “Por a gente ter passado os últimos dois anos no novo ensino médio, por conta do qual perdemos muitas matérias, acho que isso fez todo mundo ficar ansioso, porque teríamos conteúdos cobrados na prova que não tivemos nos itinerários formativos”, explica. Ela acredita que um dos fatores a contribuir para a conquista da tão sonhada vaga em uma universidade pública foi o curso técnico em Meio Ambiente, que ajudou a preencher as lacunas do novo currículo, em especial em disciplinas como Química e Biologia. “Por isso, não achei que a prova estava tão difícil”, pondera. Já o interesse pela Unicamp surgiu em 2022, quando foi convidada a participar do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica para o Ensino Médio (Pibic-EM), oferecido pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP). Realizada no Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP) – vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp –, a pesquisa intitulada "Arqueologia: uma ciência em nosso cotidiano" envolveu os estudantes em diferentes atividades, entre elas o desenvolvimento de um jogo didático sobre obras integrantes do patrimônio público brasileiro. “Aprendi a fazer pesquisas científicas e a escrever textos com esse teor também, o que acredito ter contribuído muito para a minha jornada acadêmica”, avalia a estudante, que já tem planos de realizar uma nova iniciação científica durante a graduação.
Aprovado para o curso de Química Tecnológica na Unicamp, Lucas Gandolfi, de 18 anos, pretende viajar diariamente de Várzea Paulista, cidade próxima a Jundiaí, para assistir às aulas em Campinas. No Provão Paulista, ele também foi aprovado para o curso de Automação Industrial na Fatec de Osasco, mas se sentiu mais atraído pelas oportunidades acadêmicas e profissionais que o estudo da química, a seu ver, oferece. Para Gandolfi, as aulas gratuitas oferecidas por um cursinho popular em sua região revelaram-se fundamentais para seu bom desempenho nas provas, assim como o esforço dos professores de sua escola em apresentar assuntos não contemplados no novo ensino médio. “No dia a dia da escola, eu via os professores se desdobrando dentro do que podiam, sem sair do currículo, para tentar apresentar esses saberes pra gente, principalmente nessa reta final de vestibulares”, conta o aluno, que achou o Provão Paulista mais tranquilo que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Eu gostaria que as escolas continuassem incentivando os estudantes a participarem da prova, porque essa é uma oportunidade única de ingresso nessas grandes universidades”, completa.
Segundo Raíssa Moitinho, de 17 anos, ser aluna de uma universidade pública nunca fez parte de seus planos. Morando em Embaúba (SP), uma cidade com apenas 3 mil habitantes localizada na região de Catanduva, ela achava que, no máximo, conseguiria estudar em uma faculdade privada da região. Por isso, ficou não só contente como surpresa ao ser aprovada no curso de Administração da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. “Eu realmente não tinha nenhuma esperança, porque sempre fui de escola pública, nunca fiz cursinho. Então achava que não ia dar em nada. Eu estava com mais esperança no Enem do que no Provão Paulista, porque ninguém sabia de nada. Os professores não tinham muita informação para passar para a gente, embora os diretores tenham incentivado bastante”, conta. Assim que viu seu nome na primeira chamada do Provão Paulista, pensou em não se matricular por achar que seria muito complicado estudar tão longe de sua cidade. “Só que tenho uma família que me apoia muito. E sempre foi meu sonho: desde criança eu falava que eu queria Administração. Então, pensei: eu vou aproveitar essa oportunidade!” Ela acredita que o pouco que estudou por conta própria – focando nos temas para ela mais difíceis, como a redação – fez toda a diferença. “O ensino da escola pública já é muito fraco, e, com o novo ensino médio, a gente ficou totalmente perdido. Eu não tinha nenhuma probabilidade de passar, e ainda assim eu tentei – mesmo com muita insegurança e com muito medo. Porque a vida é isto: a gente tem que se arriscar. Só que não foi nada de graça, eu tive que correr atrás”, conta. Como concorreu a uma das vagas reservadas a estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas (PPI) – 50% do total das vagas do Provão Paulista foi destinado a esse perfil –, a estudante, antes de efetivar a matrícula na Unicamp, passou por uma banca de heteroidentificação, processo que, segundo ela, correu tranquilamente.
Vítor Geibel, de 19 anos, além do Enem e do Provão Paulista, também se inscreveu nos vestibulares da Unicamp, da USP e da Unesp, mas acabou mudando de ideia sobre o curso escolhido – Farmácia – após participar da segunda fase dos processos seletivos. No Enem, foi aprovado em duas universidades federais, mas acabou optando pelo curso de Ciências Econômicas da Unicamp, ingressando nele por meio do Provão Paulista. Dediciu-se por esse curso influenciado pelas boas referências vindas de uma tia que frequentou a Universidade desde a graduação até o doutorado. “Eu gostei [do Provão Paulista] por ter sido essa a porta de entrada para as universidades estaduais, porém com um nível de dificuldade mais parecido com o do Enem”, avalia. Para ele, o fato de a escola municipal em que estudava, em São Caetano do Sul, não ter aderido ao novo ensino médio ajudou a minimizar incertezas quanto ao conteúdo que seria exigido nas provas. Agora, a expectativa é conseguir pleitear os auxílios e bolsas oferecidos pela Unicamp a fim de viabilizar a mudança para Campinas e a permanência no curso de graduação. “Eu fiz a prova sem acreditar que passaria na faculdade que queria e consegui. Então acho que a gente não pode desacreditar de projetos e políticas públicas voltados para nós – ruins ou bons, o importante é sermos críticos: isso é essencial”, argumenta.
De acordo com Flávio Schmidt, docente da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) e assessor da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da Unicamp, o balanço dessa primeira edição do Provão Paulista é mais que positivo. Ele ressaltou a importância de oferecer uma nova via de acesso ao ensino superior a estudantes da rede pública que, muitas vezes, não se sentem preparados para disputar uma vaga nas universidades estaduais ou mesmo desconhecem a possibilidade de ingressar em um curso superior que, além de totalmente gratuito, oferece bolsas e auxílios para estudantes de baixa renda – depois do anúncio do Provão Paulista, o governo de São Paulo garantiu a destinação de recursos para a permanência nas universidades desses estudantes. “Eu acredito que esses devem ser auxílios muito parecidos com aquilo que já é ofertado hoje: a Unicamp tem auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, isto é, uma série de tipos de auxílio que, dependendo de seu perfil, o aluno pode pleitear, e pleitear dois deles, três deles ou todos eles”, explica. “O aluno que não presta vestibular para uma universidade pública perde a oportunidade de fazer um excelente curso – e a gente acaba perdendo excelentes alunos também. Então essa iniciativa visa aumentar a visibilidade [do ensino superior público e gratuito no Estado de São Paulo]. Isso perdurando, a gente vai conseguir provavelmente aumentar o peso desse processo seletivo na vida desses alunos e na nossa vida também”, reflete Schmidt.
Segundo Carolina Silva, coordenadora de gerenciamento de Vida Acadêmica da Diretoria Acadêmica (DAC) da Unicamp, todos os ingressantes do Provão Paulista, assim como os demais, devem ficar atentos ao prazo de 30 dias para o envio da documentação exigida por meio do Sistema de Gestão Acadêmica (Siga). “É importante que os matriculados façam o upload da documentação correta dentro do prazo, com as informações solicitadas e os documentos digitalizados de forma clara, facilitando a conferência e finalização do processo de matrícula. Se o estudante não se enquadra, isto é, se não comprova ter cursado os três anos [do ensino médio] em escola pública, essa matrícula é cancelada”, explica. Em caso de dúvidas, a orientação é que os ingressantes utilizem o canal Fale com a DAC, disponível na página da Diretoria Acadêmica.
Devidamente matriculados, os primeiros alunos a ingressar na Unicamp por meio do Provão Paulista agora lidam com os preparativos e com a ansiedade típicos do período que antecede o início das aulas, previsto para o dia 28 de fevereiro. Como ressalta Geibel, daí em diante, a expectativa é serem tratados tal qual os estudantes que ingressaram na Universidade por meio de outros mecanismos. “O Provão Paulista é um direito nosso, dos estudantes de escolas públicas. Acho muito importante entender isso e entender que não podemos desmerecer quem entra pelo Provão Paulista: tanto eu quanto outros alunos que fomos aprovados não podemos ser julgados por qualquer pessoa, dentro ou fora da universidade, por termos conseguido uma vaga em uma estadual [universidade pública estadual] pelo Provão.”