Com a presença da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a Unicamp realizou entre os dias 22 e 24 de fevereiro, o 1º Encontro Internacional da Seção de Psicanálise em Psiquiatria da Associação Mundial de Psiquiatria. Já considerado histórico, o encontro reuniu estudiosos do Brasil e do mundo para discutir novos fundamentos da relação entre a psiquiatria e a psicanálise e a forma como as duas áreas devem se preparar a fim de enfrentar os grandes desafios contemporâneos no campo da saúde mental.
Coordenador do evento, o professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp Mario Eduardo Costa Pereira disse que o encontro reuniu psiquiatras e psicanalistas para “um grande debate”.
“Vivemos múltiplas crises no campo da saúde mental. Basta olhar em volta e ver todo o mal que nos acomete, com a multiplicação e o aumento nas taxas de transtorno mental, o aumento no consumo de medicamentos e os novos desafios que teremos pela frente, como os efeitos psicossociais decorrentes das mudanças climáticas”, afirmou.
Pereira conta que, no final do ano passado, esteve em Viena (Áustria), no Congresso Mundial de Psiquiatria e vários simpósios abordaram a questão do clima e o impacto dela sobre as pessoas. “Foram debatidas questões que levam em conta as alterações climáticas e seus impactos, como deslocamentos de populações, vítimas de catástrofes e muitas perdas, infelizmente. Precisamos ver como isso tudo vai se organizar no plano da saúde mental. Esse é um grande debate”, disse o professor.
Outro aspecto das novas fronteiras de estudo são, por exemplo, os impactos da pandemia de covid-19 no campo da saúde mental. “Cada vez mais se percebe que os efeitos não foram apenas os imediatos, mas também os de médio e longo prazo, tanto de situações de luto, de pessoas que perderam parentes, como de sequelas provocadas pela própria doença, além de problemas decorrentes daquele período, que colocou muita gente em um estado de crise e desencadeou situações emocionais que ainda estão em curso”, acrescenta. “Portanto, entender melhor qual foi o impacto da pandemia a médio e longo prazo ainda é um desafio para todos os campos da saúde mental.”
Questões científicas e técnicas
Pereira diz que a importância do evento está no fato de reunir as duas áreas – a área mais humanística da psicanálise com a área da psiquiatria, que, segundo ele, nos últimos tempos, investiu primordialmente nas questões científicas e técnicas. “E também pelo fato de a gente voltar a abrir um diálogo entre esses dois campos que ficaram décadas separados”, reforça.
Segundo o professor, esse é o primeiro encontro internacional da Seção de Psicanálise e Psiquiatria da Associação Mundial de Psiquiatria. Ele lembrou que o simpósio contou com conferências de dois presidentes da Associação Mundial de Psiquiatria, que falaram aos psicanalistas.
“Além disso, tivemos aqui a presença do ex-presidente da Associação Mundial de Medicina da Associação Internacional de Psicanálise e alguns dos mais importantes psicanalistas do Brasil e do mundo. Os mais importantes psiquiatras reuniram-se para ver se encontram novas formas de diálogo, de colaboração entre o campo da psicanálise e o da psiquiatria para enfrentar os problemas concretos dos tempos de hoje”, finalizou.
Cerimônia de abertura
O reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, que participou da cerimônia de abertura do seminário, agradeceu a FCM pela iniciativa.
Segundo ele, é importante para a Universidade abordar um tema atual, que traz insegurança para a sociedade, e relacioná-lo, por exemplo, com os impactos provocados pelas mudanças climáticas nas pessoas.
“A Unicamp tem essa tradição de procurar olhar esses problemas sempre por vários ângulos da ciência e do conhecimento”, afirmou o reitor. “Temos a área mais tecnológica, a área das ciências básicas, mas também temos a área das humanidades, das biológicas e da saúde, que estão olhando o ser humano e as populações humanas diante desses novos desafios”, concluiu.
Florestas tropicais
Formada em História pela Universidade Federal do Acre, a ministra tem especialização em teoria psicanalítica pela Universidade de Brasília e em psicopedagogia pela Universidade Católica de Brasília. A exposição de Silva intitulava-se “Incidências psicossociais da crise climática e da devastação das florestas tropicais”.
A ministra chamou atenção para a importância das florestas tropicais quando se trata das condições de vida no planeta. Silva contou que as florestas brasileiras são detentoras de 11% do estoque de carbono do planeta, o que significa, segundo ela, o equivalente a dez anos de emissão do planeta inteiro.
“Ou seja, nós temos um míssil de carbono apontado para a atmosfera, se nossas florestas forem destruídas”, alertou. E lembrou ainda que o Brasil é uma potência agrícola exclusivamente pelo fato de ser uma potência hídrica. “Mas sem a floresta não seremos uma potência hídrica e nem tampouco agrícola”, disse.
A ministra lembrou que um mapeamento feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostra que, dos 5 mil municípios brasileiros, 1.038 estão sujeitos a eventos extremos do clima, muitos deles associados a fenômenos como o desmatamento, o uso do combustível fóssil ou a atividade pecuária.
“A angústia que atinge todos nós, especialmente os jovens, eu chamo de ‘depressão de futuro’. Porque eles [os jovens] não têm perspectiva de futuro. Não há caminho. A vertigem do imprevisível vem da falta de sustentação sobre as condições que garantem a vida do indivíduo e do planeta. Então, é compreensível que a gente esteja vivendo muitas formas de ansiedade”, avalia.
A ministra, por conta disso, propõe uma mudança de vida. “Nós saímos do ideal do ‘ser’ – que orientou a humanidade até o mercantilismo – e fomos para o ideal do ‘ter’”, disse. “Os gregos queriam ser sábios. Os romanos queriam ser grandes e fortes. Os egípcios queriam ser imortais. Na Idade Média, mesmo com todos os pecados cometidos em nome da santidade, as pessoas queriam ser santas. O mercantilismo, no entanto, nos deslocou para o ideal do ‘ter’”, explicou.
Para Silva, o ser humano tem uma capacidade infinita de desejar ter coisas, em um planeta que, no entanto, é finito. Daí, afirmou, surge um paradoxo. “Temos uma capacidade infinita de desejar, em um planeta que nos limita”, avalia. “O planeta não tem como atender 8 bilhões de pessoas com capacidade infinita de desejar ter coisas.”
“Talvez a gente tenha de se deslocar para o ideal do ‘ser’, porque, se há limite para ‘ter’, não há limite para ‘ser’”, ponderou. “Talvez tenhamos de fazer um processo de desidentificação com esse modelo civilizatório que está nos levando não apenas a nos destruir, mas a destruir as condições que promovem e sustentam a vida no planeta”, alertou.