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Ocupação sustentável
Bacia do Anhumas é referência para
ferramenta de planejamento do uso do solo

ISABEL GARDENAL

Vários empreendimentos imobiliários estão sendo iniciados em Campinas, para os quais não se tem levado em conta a questão da sustentabilidade. Demandas são geradas sem exigência, em lei, de suprimento após a conclusão das obras, principalmente em loteamentos e em condomínios. O tema foi estudado em pormenores na tese de doutorado do engenheiro civil Pedro Augusto Pinheiro Fantinatti e resultou numa ferramenta de planejamento que introduz uma dimensão social em indicadores de sustentabilidade para avaliação do uso e ocupação do solo – o Método Multicritério de Apoio à Decisão (MCDA). O trabalho foi defendido na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) e teve como estudo de caso a bacia do córrego Anhumas.

A proposta do pesquisador envolveu a incorporação dessa dimensão na matriz de indicadores, juntamente com as dimensões ambiental e econômica, avaliadas por um grupo interessado em políticas públicas para a solução da problemática. O estudo, no caso, abordou o parcelamento do solo, operação realizada em áreas urbanas ou de expansão urbana, segundo projeto aprovado pelo município. Trouxe também um alerta para que haja planejamento de modo a evitar novos problemas de inundação, com impactos negativos na vida da população.

Engenheiro civil graduado pela Unicamp, Fantinatti trabalhou anos a fio com a concepção, o desenvolvimento e a implantação de loteamentos no setor privado, na época para o maior empreendedor do país. Orientado pelo docente do Departamento de Recursos Hídricos da FEC Antonio Carlos Zuffo, ele fez um levantamento bibliográfico de indicadores de sustentabilidade, comparando-os à prática usual, das variáveis que influenciam a implantação de loteamentos. Entre esses indicadores estavam o uso do consumo de energia, otimização do consumo de recursos naturais, não emissão de calor, percentual de área verde e corredor de fauna.

O pós-graduando foi observando os pontos de sustentabilidade que deixavam a desejar ou que precisariam ser melhorados. De acordo com ele, dos pontos não sustentáveis, o mais gritante foi a impermeabilização, que ocorre com o parcelamento do solo. No processo, gera-se calor e intervenção direta no ciclo hidrológico, reduzindo o fluxo dos cursos d’água e as vazões. “Assim, os rios e os córregos ficam com menor volume de água corrente (‘vazão de base’), e os eventos de cheias se tornam mais frequentes. Isso nota-se na questão ambiental.”

Na dimensão social, o engenheiro fez uma constatação das causas e consequências do parcelamento do solo. Em geral, diz, verifica-se que os empreendimentos de médio e alto padrões são cercados numa espécie de pequenos guetos, fechando o entorno. Além disso, geram um excesso de demanda de infraestrutura e infelizmente não acabam suprindo-as. Hoje cumprir a lei, contextualiza, significa ficar abaixo do índice mínimo de sustentabilidade.

Já na dimensão econômica, o autor observou que os responsáveis pelos empreendimentos têm uma taxa mínima de retorno, somente um pequeno percentual que desejam receber, dentro do padrão. Mas como gerar indicadores? Sua proposta é usar o MCDA. A ferramenta, explica ele, segue influência da escola europeia, no sentido de não obrigar a uma tomada de decisão única. Trata-se de um instrumento de apoio à decisão em que são sugeridas as alternativas possíveis. “O nosso propósito, ao buscar influenciar políticas públicas, não é exigir que os gestores optem exatamente por aquela alternativa.” Essa é, antes, uma tendência da escola americana, esclarece.

Aplicação

O método foi aplicado à bacia do Anhumas, que passa por bairros como Taquaral, Guarani, Ponte Preta, Orozimbo Maia, São Quirino. O Anhumas vem desde a rua Abolição, em Campinas, e deságua no Atibaia, em Paulínia. A sua área é de 150 km2, sendo que 75 km2 já estão urbanizados (50% de ocupação). O restante ainda é área rural, mas de expansão urbana, sofrendo uma forte pressão de ocupação da bacia.

Justamente nesse polo de alta tecnologia de Campinas está sendo feita uma grande obra que deve levar ainda a outra. A ocupação está sendo feita a montante (de cima para baixo), impactando as regiões mais baixas do Anhumas, que é bastante plana e propensa a inundações. Com isso, aumenta-se a frequência de enchentes no ponto mais baixo da bacia, que inclui bairros como Vale das Garças e Guará, em Campinas. “Isso significa que as inundações vão aumentar com as ocupações e mais ainda com a urbanização”, avisa Zuffo.

Ao crescer a área impermeabilizada, eleva-se o escoamento superficial, e isso deve impactar aos poucos as partes mais baixas. A cada ano a tendência é a um aumento, que em muito depende das chuvas. Se elas não vierem intensamente, não causarão grandes danos. Mas se vierem com menor frequência, como acontece periodicamente a cada quatro, cinco, dez anos, então as enchentes serão cada vez maiores. Tal situação, aliás, já tem acontecido. Em 2002, chegou ao Distrito de Sousas e, em 2003, à Avenida Norte-Sul, com cheias que causaram óbitos na cidade, com rompimento de barragens no córrego do São Quirino, um afluente do Anhumas.

Quando constatada a impermeabilização do solo, menciona Zuffo, é preciso mitigá-la represando a água. Ela não pode ser jogada diretamente das redes de drenagem para os córregos, posto que esse é um dos responsáveis pelos eventos de cheias. “Mas o grande vilão está mesmo relacionado com a ocupação do solo – e decorrente impermeabilização”, admite.

Para se ter uma ideia, ele recorda que no centro de Campinas está em uso uma antiga estrutura de drenagem da década de 1930, que tinha uma área permeável bem maior e que hoje passou a ser impermeável. “Multiplica-se por sete, oito ou dez vezes o volume da mesma área com as mesmas dimensões”, realça. Algumas estruturas não tinham quase concreto armado, por ser muito caro. O ferro era importado e usava-se estrutura de alvenaria em arco romano, que acabava reduzindo o espaço de escoamento. No córrego Orozimbo Maia, há um arco nas travessias que traz um ponto de estrangulamento no escoamento. A água acaba indo para a avenida.

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■ Publicações

Artigos
- Fantinatti, P.A.P.; Paiva Sobrinho, R.; Zuffo, A.C. Desenvolvimento de um protótipo para avaliação de sustentabilidade em empreendimentos imobiliários horizontais. Gestion Integral en Ingenieria Neogranadina, 1 (1), art. 11, 2009.
- Fantinatti, P.A.P.; Zuffo, A.C. A importância da percepção do patrimônio natural dos recursos hídricos em processos de parcelamento do solo. Revista Labor & Engenho 5(2), 99-109, 2011.

Tese: “Abordagem MCDA como ferramenta de mudança de paradigma no planejamento dos recursos hídricos”
Autor: Pedro Augusto Pinheiro Fantinatti
Orientador: Antonio Carlos Zuffo
Financiamento: CNPq
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)

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Enquete entre atores sociais

Empregou-se no estudo a técnica chamada conferência de decisão com atores ou especialistas. Eles se reuniram para obter um consenso, mediante seus valores, quanto aos indicadores e critérios norteadores da avaliação. Montaram-se critérios que foram analisados na bacia do Anhumas como um todo, que consistiram em ver como é a sua situação hoje, como ela vai ficar se continuar do mesmo jeito ou se forem tomadas medidas de sustentabilidade a partir desses indicadores.

Essa conferência durou 12 horas e contou com convidados como duas ex-secretárias municipais, dois empresários, um projetista e um líder de bairro, além dos pesquisadores do Laboratório de Apoio Multicritério à Decisão orientada à Sustentabilidade Empresarial e Ambiental (Ladsea), vinculado ao Departamento de Recursos Hídricos.

Os convidados selecionaram os critérios que deveriam ser levados em conta. A Fantinatti coube o arcabouço teórico, escorado em pontos como a impermeabilização e a área de proteção permanente, por exemplo. “Esse método propicia a estruturação e a melhor compreensão dos atores sobre um determinado processo, enxergando o problema sob novos ângulos. Cria-se uma identidade com a alternativa de melhor compromisso, caminhando então para a solução.”

A abordagem multicritério gerou o comprometimento desses atores durante a conferência, e uma enquete apurou a viabilidade do método. “Todos eles foram unânimes em reconhecer a propriedade da ferramenta, que se mostrou robusta e flexível, uma vez que é possível mudar os critérios conforme o cenário e a escala.”

No momento, a matriz de indicadores está sendo aplicada em dois empreendimentos de Campinas, para testá-los e aprimorá-los. A etapa seguinte envolverá procurar o Ministério Público, o Poder Público Municipal e entidades de classe, apresentando-lhes a matriz proposta, junto com a ferramenta que a gerou. O estudo integra um projeto temático financiado pela Finep envolvendo uma rede nacional de pesquisa com sete universidades – a rede Brum (Bacias Representativas de Uso Misto) –, entre elas a Unicamp.

A importância do estudo de Fantinatti, diz Zuffo, está no uso de um instrumento de planejamento que busca sustentabilidade urbana para acabar com o contraste reinante no país, desde a década de 1950, do vertiginoso crescimento urbano somado à ocupação desordenada. Não havendo um planejamento para a ocupação, a solução ficará mais distante, adverte, sendo que o cenário já não é mais sustentável desde agora.



 
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