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O desafio da rearticulação produtiva
Adoção de políticas industriais setoriais
reduziria dependência do mercado externo

O Brasil precisa adotar políticas industriais setoriais para rearticular a sua estrutura produtiva, esfacelada principalmente a partir da década de 90, como forma de reduzir a sua dependência do mercado externo. A conclusão é do economista Igor Lopes Rocha, que apresentou recentemente ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp a dissertação de mestrado intitulada Reestruturação industrial no Brasil: uma análise da dinâmica comercial e produtiva da economia, sob orientação do professor Mariano Laplane. De acordo com o autor, ao analisar quinze cadeias produtivas, sendo treze referentes à indústria de transformação e duas à extrativa, uma das principais observações se volta ao papel do mercado interno em dinamizar a economia. Segundo o estudo, os dados mostram que apesar das exportações terem um papel significativo para o crescimento do país, o mercado interno compôs a mola mestra do recente crescimento da economia. “Quando analisamos as contas nacionais divulgadas pelo IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], nós constatamos que os setores mais dinâmicos da economia estão ligados à demanda doméstica. Não se trata de um modelo econométrico, mas sim de dados reais da economia”, afirma.

Dos setores tomados para análise pelo estudo, explica Rocha, somente os associados à indústria extrativa - petróleo e minério - são mais sensíveis às exportações. Para o economista, dado às características estruturais de um amplo mercado doméstico a ser explorado, o consumo das famílias constitui o principal fator dinamizador do PIB [Produto Interno Bruto], haja vista que todos os setores da indústria de transformação – Química, Borracha e Plásticos, Material de Transporte, Material Elétrico e Comunicações, etc – são mais sensíveis ao seu comportamento. Ele ressalta, ainda, a relevância ascendente do investimento na segunda metade da década de 2000. Ademais, em termos relativos à intensidade tecnológica, a indústria de transformação possui mais setores classificados em alta tecnologia em contraposição ao setor extrativo. No entanto, adverte Rocha, “a cadeia do petróleo não possui um baixo dinamismo em termos de tecnologia, pelo contrário, se tomarmos em conta a relação de gastos com P&D [Pesquisa e Desenvolvimento] com a receita líquida, como feito pela PINTEC [Pesquisa de Inovação Tecnológica] de 2005, veremos que a atividade de refino do petróleo é extremamente dinâmica”.

Outro ponto importante investigado no trabalho de Rocha é a questão do emprego. Ao analisar os componentes da demanda - exportações, consumo das famílias, gastos do governo e investimento – em relação à capacidade de gerar postos de trabalho de qualidade, a indústria de transformação tende a ser mais sensível à demanda doméstica vis-à-vis à externa. O economista afirma que “a distribuição de renda e a migração das classes baixas para patamares mais elevados da escala social de fato constituíram elementos dinamizadores da economia brasileira no período mais recente, análise que parece gerar menos desacordos entre os economistas”. Segundo o pesquisador, embora tenha sido colocada em segundo plano ao longo da década de 90, a demanda interna é muito importante para a economia, e isso precisa ser dito. “Se compararmos modelos de crescimento, o Brasil está muito mais próximo de um padrão wage led [economia puxada pelos salários] e não export led [economia puxada pelas exportações]. Não somos a China, temos uma estrutura totalmente distinta; querer montar aqui esse mesmo padrão de desenvolvimento é não reconhecer o que puxa a economia, é não olhar a estrutura do país”.

A partir dessas constatações, o autor da dissertação propõe a adoção de políticas públicas que estimulem a recomposição da estrutura produtiva nacional. Rocha pensa que uma das alternativas é a implementação de ações setoriais, notadamente por meio de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Posteriormente, poderíamos, sim, ter uma taxa de câmbio mais competitiva para fomentar as exportações e estimular uma substituição de importações. Entretanto, se não houver a rearticulação que defendo na dissertação, a depreciação pura e simples da moeda rebateria nos preços, deixando os produtos mais caros, o que refletiria no aumento dos índices de inflação. O que o país precisa neste momento é retomar uma dinâmica de ‘autonomização’ dos investimentos, ou seja, aquele que cresce a frente da demanda” esclarece.

Questionado sobre que importância os recursos previstos com a exploração do pré-sal podem ter para o esforço de rearticulação da estrutura produtiva brasileira, dado que o próprio governo prometeu destinar parte do dinheiro justamente para fortalecer a indústria nacional, Rocha pondera que as divisas geradas pelo petróleo tanto podem ser uma benção quanto uma maldição, dependendo de como elas serão aplicadas. “Se usarmos os recursos para rearticular e diversificar a estrutura produtiva, privilegiando o setor de bens manufaturados, que são os que geram mais riquezas e empregos de qualidade, isso pode ser uma dádiva. Se isso for deixado de lado e optarmos por ficar apenas vendendo petróleo como commodity, então isso pode ser muito ruim”.

História

Para desenvolver a sua pesquisa, Rocha, que contou com bolsa de estudo concedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), fez uma retomada de aspectos concernentes à constituição da indústria brasileira, a partir da década de 30 e chegando à de 50, quando houve de fato a instalação das fábricas de bem de capital no país. “Isso fez com que fosse possível ter a constituição das bases da chamada industrialização pesada”, diz. Com a abertura comercial ocorrida na década de 90, no entanto, houve uma grande mudança nessa dinâmica. Inicialmente, prossegue Rocha, houve uma abertura à concorrência estrangeira em padrões que o Brasil jamais experimentara. A economia, que era voltada fortemente ao mercado doméstico, passou a mirar o mercado externo, tendo como lógica o comportamento da demanda internacional.

Com o novo modelo de desenvolvimento voltado unicamente para o comportamento da demanda externa, o mercado interno foi gradativamente solapado. Além disso, o modelo de crescimento via mercado externo proporcionou também o aumento de produtividade baseado na incorporação de tecnologias vindas de fora. O país experimentou, ainda, a entrada de grupos estrangeiros, que assumiram, graças ao processo de privatização, alguns importantes setores de serviços. Com o destino dos fluxos de investimento direto nas áreas de telecomunicações e de energia elétrica, o mesmo ocorrendo em relação à reestruturação do sistema financeiro, houve um aumento significativo da participação do setor de serviços na economia. O mesmo não ocorria na indústria, que frente a um cenário adverso passou a registrar um baixo dinamismo. “Isso trouxe grandes consequências para a nossa estrutura produtiva, que registrou baixas taxas de investimento e amargou a redução da sua capacidade instalada”, detalha o autor da dissertação.

Como a competitividade em padrões internacionais tornou-se um objetivo complicado de ser alcançado tão abruptamente em um cenário tão desfavorável, os empresários, que não estavam preparados para atuar nesses padrões de competitividade, buscaram alternativas para reduzir os custos de produção. “A maioria adotou os chamados planos de racionalização, que eu classifiquei de ajustes regressivos. Isso culminou no enxugamento da mão de obra e no aumento da produtividade via incorporação de tecnologias estrangeiras, como já dito”, relata Rocha.

Tal processo, conforme o pesquisador, foi acentuado com o advento do Plano Real, que aprofundou as reformas neoliberais como forma de ancorar o plano de estabilização. “Nessa dinâmica, o câmbio de fato era uma das variáveis que afetavam a indústria, pois gerava uma pressão anticompetitiva sobre o setor. Mas havia, na época, outro fator problemático. O ambiente da economia internacional estava muito conturbado. Enfrentávamos diversas crises, como mexicana em 1995, a asiática em 1997 e a russa em 1998, que derrubaram a demanda internacional fazendo com que a nossa política de seguir o mercado externo fosse à falência. O que aconteceu, então? A economia brasileira registrou taxas pífias de crescimento, que mesmo com a desvalorização da moeda doméstica em janeiro de 1999 não mudou o quadro de baixo crescimento do país. Dado que não tínhamos o mercado interno para assegurar a demanda, nesse ambiente de forte incerteza tudo se complicava”, ressalta o autor da dissertação.

Mais efetivamente a partir de 2004, assinala o pesquisador, o quadro muda com a economia iniciando uma nova fase de crescimento. Os níveis de utilização de capacidade instalada passam a seguir uma trajetória crescente, seguidos pela ascendência das taxas de investimento. No entanto, dado que a malha produtiva se encontrava extremamente esgarçada, a opção do setor industrial foi a importação de insumos para dar conta da demanda em elevação, facilitada por sua vez pela valorização do Real. “Assim, não é possível analisar o fenômeno apenas sob a ótica macroeconômica. Há que se ter uma visão micro também. Alguns economistas olham o aumento da importação desses insumos para produção somente a partir da perspectiva cambial. O câmbio é importante, mas não consegue explicar sozinho esse movimento. Olhando somente por essa perspectiva, não é possível entender as razões do esfacelamento da estrutura produtiva no período anterior, nem tampouco o que ocorre no presente”, defende Rocha.

De acordo com ele, num ambiente em que ocorre um forte aumento de demanda e em que a estrutura produtiva está desestruturada, as indústrias são forçadas a recorrer a fornecedores de insumos externos para poder tocar a produção. “É nesse momento que surge um descompasso entre a estrutura de oferta, a estrutura produtiva nacional e o ciclo de demanda. Por isso é muito importante comparar períodos estruturalmente distintos. Alguns economistas tendem a olhar somente para questão macro, deixando de lado a dinâmica estrutural do processo. Nesse caso, a tendência é colocar toda a culpa dos aumentos dos insumos para produção no câmbio, gerando uma análise pormenorizada do processo”, analisa. “A missão atual é reconstituir o tecido industrial que foi esgarçado durante longo período, para que possamos reduzir as debilidades relativas à dependência do mercado externo”, completa o economista.

■ Publicação

Dissertação: “Reestruturação industrial no Brasil: uma análise da dinâmica comercial e produtiva da economia”
Autor: Igor Rocha
Orientador: Mariano Laplane
Unidade: Instituto de Economia (IE)
Financiamento: CNPq





 
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