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Pesquisadores mimetizam ação de
bactéria causadora da meningite

Dados podem ser úteis para novos estudos e
para o desenvolvimento de um kit de teste

 

 

MARIA ALICE DA CRUZ

O meningococo, Neisseria meningitidis, é uma bactéria comensal da nasofaringe humana, porém, algumas linhagens meningocócicas podem ultrapassar a mucosa respiratória e a barreira hematoencefálica, causando enfermidades como meningite e septicemia (infecção geral do organismo por germes patológicos), que podem ser letais ao ser humano, único hospedeiro desse patógeno. Pesquisa de dissertação de mestrado desenvolvida no Instituto de Biologia (IB) e patenteada pela Agência de Inovação Inova Unicamp, resultou em um modelo que pode ser usado em estudos da passagem de fármacos e outros patógenos pela mesma barreira.

A partir da adesão de diferentes linhagens bacterianas em células humanas de pontos específicos do processo infeccioso do meningococo (laringe, pulmão, endotélio e sistema nervoso), a autora da dissertação, Rafaella Fabiana Carneiro Pereira, conseguiu mimetizar o processo fisiopatológico do meningococo e a barreira hematoencefálica (estrutura que protege o sistema nervoso central de substâncias químicas presentes no sangue). Entende-se por processo fisiopatológico o mecanismo que leva ao aparecimento de doenças.

Os dados são novos tanto para estudos de bactérias como para o desenvolvimento de um kit de teste de uma barreira hematoencefálica humana, segundo o orientador da pesquisa, professor Marcelo Lancelotti. Ele acrescenta que até então todo medicamento feito para passar essa barreira era testado em modelos com células CaCo2 de origem intestinal, diferentemente do modelo desenvolvido na dissertação de Rafaella, que utilizou células de origem comum às células que compõem a barreira hematoencefálica.

Segundo o pesquisador, o estudo mostrou-se tão eficiente para a passagem, ao ponto de permitir observar uma interação da bactéria com as células. “Nem tínhamos ideia de que isso era capaz de ser uma patente, mas na qualificação da Rafaella, Daniele Araújo, pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC) e especialista em nanopartículas e anestésicos, disse que estava atrás disso há alguns anos e não achava uma pessoa que fizesse”, relata Lancellotti.

Na dissertação, além de avaliar a influência de diferentes linhagens de meningococo na adesão celular, Rafaela avaliou a morfologia e a expressão de quimiocinas inflamatórias em culturas in vitro de células humanas. Para mimetizar a barreira hematoencefálica, ela avaliou estes mesmos parâmetros num sistema de cocultura entre células de origem nervosa e endotelial.

De acordo com Rafaella, o modelo mimético de barreira hematoencefálica, realizado em transwell, indicou comunicação entre as células que o compõem e uma maior expressão dos níveis de quimiocinas inflamatórias quando comparada à infecção do meningococo por cada uma das células estudadas isoladamente.

Um dos resultados obtidos indica que, em condições in vitro, células de origem nervosa são mais suscetíveis à infecção nos parâmetros avaliados como uma elevada expressão de uma das quimiocinas características em infecções meningocócicas, a TNF-α. Já as células provenientes do sistema respiratório superior apresentaram poucas alterações morfológicas significativas diante da infecção por meningococo, segundo a pesquisadora. Os resultados podem estar associados ao fato de o trato respiratório superior ser o habitat natural do meningococo, no qual a interação entre este patógeno e as células hospedeiras seja comensal e não-invasiva.

A pesquisa de Rafaella está inserida em um conjunto de trabalhos desenvolvidos no Laboratório de Biotecnologia do IB, coordenado por Lancellotti. O professor explica que os projetos nasceram do desejo de conhecer os benefícios da pesquisa para conter a doença, que pode causar a morte. Apesar de não ser uma doença epidêmica nos dias de hoje, ainda é preciso estudar formas de apressar o diagnóstico e evitar o escape vacinal. Segundo Lancellotti, o maior problema em relação à meningite não é a doença em si, já que esta é tratável, e sim, a velocidade com que a infecção se desenvolve. “Não existem muitas cepas resistentes a antibióticos no mundo e as que temos não são tão perigosas, mas o problema é conseguir diagnosticar a tempo”.

De acordo com Lancellotti, alguns trabalhos internacionais identificam genes de resistência a antibióticos no meningococo. Os pesquisadores conseguiram encontrar uma forma de diagnosticar o meningococo em poucas horas. Lancellotti explica que o método de diagnóstico atual utiliza o PCR convencional e outras técnicas moleculares mais avançadas, como o PCR quantitativo.

Outra linha de pesquisa do laboratório é voltada para o estudo de mecanismos de escape vacinal, pois não adianta vacinar alguém contra uma doença se existe escape. “E todas as vacinas produzidas no Brasil apresentam escape, por isso algumas pessoas, mesmo vacinadas, pegam a doença”, declara Lancellotti. As vacinas contra N. meningitidis são principalmente baseadas numa estrutura externa da bactéria chamada cápsula, como é o caso da vacina utilizada no Brasil. Essa bactéria tem a capacidade de escapar dessas vacinas por meio de um processo de mudança de cápsula. Segundo o professor, ao mudar a cápsula, a bactéria consegue escapar dos anticorpos de uma pessoa vacinada e causar a doença.

O grupo de pesquisa tem o objetivo de desenvolver novos modelos vacinais contra a meningite. Os novos métodos fugiriam à regra por não se basear no uso de cápsulas de meningococo. Outra linha de pesquisa do laboratório é sobre a troca de material genético entre bactérias que colonizam o trato respiratório humano e podem causar doenças. A ideia é usar a nanotecnologia para desenvolver novas maneiras de produzir vacinas.

De forma acessível, o professor explica o que é uma troca de genes de importância para trocar de cápsula. “Por exemplo, sou vacinado contra o meningococo do tipo C e tenho o tipo B na minha orofaringe. Outra pessoa que se aproxima apresenta tipo C. Ao conversarmos, trocamos gotículas de saliva e esses meningococos se encontram na nossa orofaringe. Eles trocam os genes da cápsula entre si e o meningococo que era C vira B e escapa da vacina”, prossegue. Ele explica que ainda não se sabe por que algumas causam meningite e outras não fazem nada.

O professor ressalta que a vacinação é importante, apesar desses escapes. As sequelas são severas e atingem principalmente células nervosas, de acordo com as análises feitas por Rafaella. Entre as sequelas da meningite estão cegueira, surdez, perda de movimento, atrofia de um membro e pessoas com problemas de aprendizado severo.

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■ Publicação

Dissertação: “Estabelecimento de modelos celulares para análise in vitro dos mecanismos de virulência de neisseria meningitidis”
Autora: Rafaella Fabiana Carneiro Pereira
Orientador: Marcelo Lancelotti
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
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