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Com sabor, mas sem glúten
Pesquisadora desenvolve bolo de cenoura
sem a proteína que afeta os celíacos;
alimento também não contém sacarose

Estudos científicos indicam que o Brasil abriga uma população equivalente à da cidade de Campinas (SP) de portadores de doença celíaca, o que representa perto de um milhão de pessoas. Embora não seja pequeno, esse contingente não tem justificado, no entender da indústria alimentícia nacional, o desenvolvimento de uma linha extensa de produtos isentos de glúten, proteína presente no trigo, aveia, centeio e malte, e à qual os celíacos são intolerantes. A despeito dessa “resistência”, a nutricionista Angélica Aparecida Maurício desenvolveu para a sua tese de doutorado um bolo de cenoura isento de glúten e sacarose, com aparência e sabor semelhante ao do alimento convencional. O trabalho, apontado em meados de 2010 como o melhor na área de Marketing e Tecnologia pelo Congresso Brasileiro de Nutrição (Conbran), foi apresentado à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, sob a orientação da professora Helena Maria André Bolini.

De acordo com Angélica, a disponibilidade de alimentos industrializados sem a presença de glúten ainda é muito pequena no país, ao contrário do que ocorre no exterior, onde a diversidade é muito maior. Aqui, se um celíaco quiser elaborar um cardápio para o almoço e jantar e tiver que comprar tudo no supermercado, por exemplo, ele certamente encontrará muitas dificuldades. “Ou então, terá que passar por um quadro de repetição de alimentos”, afirma a autora da tese. Isso acontece, segundo ela, porque a indústria entende que o número de portadores de doença celíaca não constitui um mercado que justifique o lançamento de uma grande variedade de produtos.

Atualmente, informa Angélica, os alimentos mais procurados pelos celíacos pertencem aos segmentos de massa e panificação. “Em relação a esses alimentos, ainda é possível encontrar alguma coisa no mercado. Nesse caso, a farinha de trigo normalmente é substituída por farinha de arroz, polvilho e amido de milho. O dado negativo é que esses produtos costumam ser mais caros do que os convencionais”, assinala a nutricionista. A pesquisadora diz que procurou contemplar na sua pesquisa uma parcela ainda mais restrita da população, que é o celíaco diabético. Assim, ela buscou desenvolver uma receita que fosse isenta tanto de glúten quanto de sacarose.

Angélica conta que optou pelo bolo de cenoura por se tratar de um alimento que não leva leite na sua preparação (é isento de lactose) e que conta com maior concentração de vitamina A, proporcionada pela cenoura. Conforme a pesquisadora, os celíacos costumam apresentar deficiência de vitaminas lipossolúveis, como é o caso da vitamina A. Para chegar a um resultado que ficasse próximo ao do bolo comum, a autora da tese teve que promover vários testes até chegar a uma formulação que oferecesse as características desejadas por ela. “Eu substituí a sacarose pela sucralose. Também desenvolvi um mix de farinhas que pudesse proporcionar a consistência e a maciez próximas das do bolo de cenoura convencional. Usei basicamente farinha de arroz, fécula de batata, amido de milho e fubá, em diferentes proporções. Foram inicialmente 45 preparações. A partir dos melhores resultados de cada ingrediente, cheguei à formulação final”, explica.

Os bolos produzidos a partir dessa receita foram submetidos a testes sensoriais, dos quais participaram tanto potenciais consumidores quanto equipes treinadas para testes como o de Análise Descritiva Quantitativa (ADQ). “A avaliação foi muito positiva, principalmente quanto à maciez, doçura e aparência. As pessoas destacaram que eles ficaram muitos parecidos com o bolo convencional”, assinala Angélica. De acordo com a nutricionista, a expectativa agora é que a tecnologia deixe a escala de bancada e possa ser aproveitada pela indústria. “Para isso, serão necessários alguns aperfeiçoamentos e ajustes. Precisamos testar inicialmente em escala piloto, antes que o produto possa ser fabricado em escala industrial. Eu mesmo tenho interesse em continuar trabalhando no aprimoramento da tecnologia”, adianta ela, que atualmente é professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A pequena oferta de produtos isentos de glúten causa diversos problemas aos celíacos, como observa a autora da tese. O primeiro e mais visível é a dificuldade de compor uma dieta diversificada. Outra questão refere-se à sociabilidade desse grupo. Como os restaurantes também não têm grande preocupação em oferecer pratos sem a presença da proteína, os portadores de doença celíaca dificilmente saem para comer. “Eles também evitam ir a festas nas casas de amigos pelo mesmo motivo. Quando o fazem, ou se alimentam antes em casa ou levam uma espécie de marmita”, relata Angélica, que contou com bolsa cedida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A doença

A Associação dos Celíacos do Brasil (Acelbra) estima, baseada em estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que exista um portador de doença celíaca para cada 214 habitantes. Tomando-se como referência uma população de 190 milhões de pessoas, o Brasil teria, portanto, 892 mil celíacos. Esse contingente é intolerante ao glúten, proteína presente no trigo, aveia, centeio e malte. A substância afeta o intestino delgado de crianças e adultos, podendo acarretar problemas como diarreia, dificuldade de absorção de vitaminas, sais minerais e água, além de causar fadiga.

O tratamento consiste na adoção de uma dieta totalmente isenta de glúten. Os portadores da doença não podem ingerir alimentos convencionais como pães, bolos, bolachas, macarrões, salgadinhos, cervejas, uísques e vodca, entre outros. Por causa da exclusão de pratos ricos em carboidrato e fibras, o cardápio dos celíacos frequentemente privilegia as gorduras, o que pode levar a pessoa a um aumento significativo de peso. Por isso, é recomendável que o portador da doença celíaca tente fazer uma dieta mais equilibrada, ampliando o consumo principalmente de frutas, legumes, verduras e sucos naturais.

Uma das primeiras referências à doença remonta ao século II. Na ocasião, o médico grego Aretaeus da Capadócia descreveu pessoas que apresentavam um determinado tipo de diarreia usando a palavra “Koiliakos” (aqueles que sofrem do intestino). Em 1888, o médico e pesquisador inglês Sanuel Gee também descreveu os sintomas da moléstia, associando-a ao consumo de farinhas. Ele a designou de “afecção celíaca”, a partir do termo empregado por Aretaeus. “(...) se o doente pode ser curado, há de sê-lo através da dieta (...)”, registrou Gee.

Um dado curioso é que a Segunda Guerra Mundial contribuiu, por assim dizer, para que doença celíaca fosse diagnosticada. Na Europa, em decorrência do racionamento de alimentos imposto pela ocupação nazista, o fornecimento de pão à população foi drasticamente reduzido. Na Holanda, o médico Willem Karel Dicke notou que a queda no consumo de produtos à base de trigo reduziu o número de casos da doença. Dicke criaria, no começo de 1950, a primeira dieta livre de glúten para pacientes com doença celíaca, que permanece sendo o único tratamento disponível até hoje.
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■ Publicação

Tese: “Desenvolvimento de bolo de cenoura sem glúten com sacarose e diet e estudo do impacto do edulcorante no perfil sensorial e na aceitação do consumidor”
Autora: Angélica Aparecida Maurício
Orientadora: Helena Maria André Bolini
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
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