Joyce
Jane Sena da Silva tem consciência de que desfila sob
o olhar crítico da comunidade universitária, muitas
vezes positivo, noutras, negativo. O estilo exótico adotado
pela funcionária da Gráfica Central desde sua
admissão na Universidade Estadual de Campinas, em 1986,
aguça ou pelo menos já aguçou a curiosidade
de muitas pessoas. Também a altura, declara Joyce, chama
a atenção. Depois que trocou o figurino hippie
pelo afro, um número considerável de pessoas insiste
nas perguntas: Você não é brasileira? Você
é da África? Qual é sua tribo? Com uma
simpatia de quebrar qualquer curioso, Joyce responde: Sou
brasileira, apesar da descendência muito próxima
da avó bugre (encontro étnico de negro e índio),
meu avô é italiano.
Nada
a ver com resistência cultural ou culto a uma religião.
Joyce Jane explica que a mudança de estilo ocorreu de
forma gradual, sem propósito algum de causar impacto
nas pessoas. Entrei em uma loja para comprar uma roupa
afro para participar de uma festa à qual não pude
ir e, para não perdê-la, decidi vestir a roupa
para trabalhar, preocupada com a reação das pessoas.
A partir daí, Joyce mudou definitivamente o seu hábito.
Sem jamais se preocupar com a opinião pública.
Eu me visto para mim, gosto da Joyce assim. A mudança
de estilo aconteceu em um momento de busca espiritual, na qual
Joyce fez uma pesquisa consigo mesma para descobrir qual era
o seu sol, uma experiência vivenciada no budismo, religião
da qual é adepta. Joyce conta que, nesse momento de sua
vida, foi advertida por uma pessoa que observava seu comportamento
passivo. A partir daí, começou a observar-se e
a entender o quanto fazia o gosto das pessoas. Mesmo que
eu saísse ferida, sempre acabava fazendo as coisas para
agradar aos outros.
Hoje,
a Joyce Jane verdadeira é essa que faz o que tem vontade,
respeitando limites, sorri sempre que tem vontade e veste o
que tem vontade e, pasmem, o que cria. As cangas, nas suas mais
variadas estampas são modificadas, na maioria das vezes,
depois que deixam as araras do setor de roupa de banho da loja.
No ateliê (casa) de Joyce, elas tornam-se vestidos. Desde
o tingimento até a adaptação de uma alça
(feita com chuquinha de prender cabelos), os tecidos
obtêm um caimento ao gosto da estilista. Os
cabelos, segundo Joyce, nunca devem acompanhar a moda. Quando
percebo que estão virando moda, corto, faço um
penteado diferente.
A
funcionária se define como uma mulher prática,
pois as cangas custam menos que um vestido pronto. Depois de
receberem um tratamento especial, ficam com a cara da dona.
Sem contar que os cabelos fogem da cobrança absurda dos
salões de beleza. Não há nada que tenha
inspirado Joyce a adotar este estilo. Que é afro, ela
não abre mão, mas a única coisa que sabe
da história de seus ancestrais, quanto à vestimenta,
é que as roupas estampadas eram utilizadas somente para
o trabalho e as de cor lisa eram reservadas para passeios. Como
estou sempre envolvida em uma missão, quase não
saio para lazer, não sei se tem a ver com os costumes
deles (os ancestrais), mas acho que sim. Se eu pudesse, andaria
sem sapatos.
Depois
do encontro consigo mesma, a pessoa começa a se gostar
mais e passa a transmitir isso, explica Joyce. Para ela, é
o que emana mais do que o vestuário que faz com que as
pessoas a enxergem e teçam comentários sobre seu
comportamento. Os prejulgamentos causados pela primeira troca
de olhares são destruídos logo após a primeira
troca de palavras. Uma coisa que minha mãe sempre
disse foi: se gostamos ou não da pessoa, a educação
é uma coisa que cabe em qualquer lugar.
Joyce qualifica Campinas como uma cidade diversa, onde existem
pessoas de estilos muito diferentes. Ao flagrar os ares de deboche
de algumas pessoas, responde com um bom-dia, um
boa-tarde.Não estou com seios e pernas
de fora. Está tudo coberto aqui. O que há de estranho?,
questiona.
Tamanha
exuberância, o estilo Joyce Jane já conquistou
até os amigos dos filhos Alison, 21, e Vanderson, 18,
que, segundo ela, apesar de convencionais, orgulham-se ao ouvir
as pessoas dizendo: sua mãe é linda.
As roupas convencionais são usadas nas aulas e nas apresentações
do grupo de dança Brilho do Sol, formado por jovens senhoras
da igreja que freqüenta.
Às
vezes, entra em uma loja, pede uma roupa comum, experimenta
, tenta, tenta, tenta e volta a ser a Joyce Jane, a mesma que
em 1986 entrou pela porta da frente da Gráfica Central
com sua autenticidade, sua competência, sua luta silenciosa,
sua poesia, sua boa educação, e vai sair pela
mesma porta para compor o quadro de funcionários da Coordenadoria
da Diretoria Geral de Administração, após
15 anos de Unicamp. Sempre me dediquei ao trabalho, muitas
vezes contrariada, mas sempre cumpri meu papel e cobri a ausência
de outros amigos. É mais uma forma de ser reconhecida.
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