Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 16 de setembro de 2013 a 22 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 575Um poeta brasileiro em Roma
Livro de professora do IEL analisa trajetória de Murilo Mendes na capital italiana“Murilo Mendes - O poeta brasileiro de Roma” é o livro da professora Maria Betânia Amoroso, que resultou de mais de dez anos de pesquisa, realizada quase toda na Itália e que acaba de ser lançado pela Editora da Unesp e pelo Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Nele, a docente do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp analisa as impressões deixadas pelo poeta brasileiro entre os italianos durante o período vivido em Roma (1957 a 1975), enfatizando uma faceta praticamente desconhecida por aqui: o Murilo Mendes crítico de arte.
“A pesquisa para este livro começa por volta de 2001, com uma questão relacionada não apenas a Murilo Mendes, mas a entender como se constroem as leituras de uma obra. Daí a pergunta inicial: como um dos maiores poetas modernos brasileiros, mudando de país e recomeçando a vida do zero, foi lido pelos italianos?”, comenta a professora do Departamento de Teoria Literária. “Temos um contexto que torna a decisão ainda mais radical, pois ele sai do Brasil aos 56 anos de idade, portanto já maduro, para morar num país cuja tradição literária tem pouco contato com a nossa.”
Segundo Betânia Amoroso, provavelmente o projeto de pesquisa nasceu durante sua primeira orientação como docente do IEL, quando sua aluna Irene Miranda Franco obteve o mestrado com a dissertação intitulada “Pânico e flor: projeto ético e fazer poético em Murilo Mendes”. “Embora não fosse tema do trabalho, passei a me perguntar o que teria acontecido quando o poeta mudou de país – uma curiosidade induzida, já que morei cinco anos em Roma. Foi lá que fiz meu mestrado, sobre os dialetos da região central da Itália e, de volta, fiz o doutorado sobre Pasolini.”
A autora do livro conta que partiu de uma bibliografia já existente, reunida no volume “Poesia Completa e Prosa de Murilo Mendes”, organizado pela crítica italiana Luciana Stegagno Picchio, uma das grandes responsáveis pela difusão e compreensão da obra do brasileiro na Itália. “Foram anos indo às bibliotecas para encontrar os artigos da bibliografia. Além de descobrir outros que não estavam na lista, entrevistei algumas das poucas pessoas ainda vivas que o tinham conhecido. O poeta faleceu em 1975, durante viagem de férias a Lisboa – a mulher Maria da Saudade Cortesão, também poeta, era portuguesa.”
De acordo com o levantamento da professora, escrevia-se mais sobre Murilo Mendes na ocorrência de fatos de destaque, como na sua chegada à Itália, no lançamento de livros e quando ganhou o Prêmio Internacional Etna-Taormina como “poeta estrangeiro” em 1972. “O interessante é que ao mesmo tempo em que se torna mais conhecido na Itália, vai ficando menos conhecido no Brasil, criando-se assim uma distância concreta e não só geográfica. Não recolhi todos, mas cheguei a 97% dos artigos da crítica – seja especializada, de jornalistas ou mesmo de colegas da Universidade de Roma, onde ele deu aulas de literatura brasileira e sua maior fonte de renda.”
Betânia Amoroso observa que esses artigos não foram reproduzidos no livro, mas um volume será disponibilizado para os pesquisadores no MAMM. “Depois de ter elencado os artigos, procurei dar uma espinha dorsal ao conjunto, a partir de certas constâncias críticas que fui encontrando. Ao lado disso, dei destaque a alguns temas como, por exemplo, o da viagem, do deslocamento de intelectuais da periferia para os centros da cultura (geralmente a França), num vai e vem constante na nossa história literária.”
Brasileiro de Roma
O eixo central da pesquisa, conforme ressalta a autora do livro, está nas leituras da obra de Murilo Mendes feitas na Itália, o que a obrigou a realizar uma longa busca a fim de identificar quem eram esses leitores. “Com exceção dos críticos mais conhecidos, tive que montar verdadeiras redes para ver quem era quem e entender suas escolhas: por que escrever sobre uma poesia e não sobre outra? Com isso, cheguei a desenhar um quadro interpretativo sobre o que se escreveu sobre Murilo, desde sua chegada à Itália até um pouco depois da sua morte. Nesse longo processo é curioso observar que, num primeiro momento, a crítica tem em mente que ele não é italiano; mas, num segundo momento, procura mostrar o quanto o brasileiro já se tornou europeu.”
A docente da Unicamp apurou que, ainda desconhecido, Murilo Mendes era quem sugeria as pautas aos críticos e jornalistas italianos, que desconheciam a sua obra. “Acompanhando os primeiros artigos fica claro que vai se construindo ‘O poeta brasileiro de Roma’, como acabei por nomear o livro. É como passou a ser chamado por críticos como Ruggero Jaccobi, personagem importante para a relação cultural Brasil-Itália, que aqui chegou em 1946 junto outros italianos para atuar em teatro no país. De volta à Itália em 1964, Jaccobi tornou-se um militante na divulgação da obra do poeta, traduzindo seus livros e escrevendo sobre ele. Sua presença é também notada em relação ao Prêmio Etna-Taormina.”
Na opinião de Betânia Amoroso, se o título dado pela crítica significa o estranhamento causado inicialmente por um poeta que vem de outro universo, mas que vai se tornando “de Roma”, por trás também existe uma reverência. “Meus entrevistados falam dele como uma pessoa afável, inteligente e ‘muito europeia’ – em referência aos traços físicos e ao fato de ser extremamente culto –, o que contradiz um pouco a ideia que fazem de um brasileiro. Me pareceu que Murilo foi muito bem recebido no mundo cultural romano.”
A autora acrescenta que o poeta vai se transformando numa espécie de mito, ganhando uma dimensão monumentalista em que são apagadas marcas como a dificuldade de publicar, o dinheiro curto, o desejo de voltar ao Brasil (encontrado principalmente em sua correspondência) – tensões supostamente existentes em um poeta exilado (ou autoexilado). “Mais mítico do que o título de poeta brasileiro de Roma talvez seja o apartamento na Via del Consolato 6, endereço frequentado por brasileiros que passavam pela cidade e onde promovia muitos encontros. Esse apartamento acabou por ganhar uma dimensão mais concreta quando foi filmado por Alexandre Eulalio, ex-professor do Departamento de Teoria Literária da Unicamp, no aniversário de 71 anos do poeta.”
O crítico de arte
Outro aspecto destacado pela professora do IEL é que Murilo Mendes escreveu muitas críticas de arte para catálogos de artistas plásticos italianos, estabelecendo estreito contato com o meio. “Na Itália esse trabalho ganha destaque. Na verdade, ele já fazia crítica de arte no Brasil, o que mereceu pouca atenção. No segundo capítulo do meu livro trato dessa faceta, não a partir dos 60 na Itália, mas já a partir dos anos 20 no Rio de Janeiro.”
Betânia Amoroso afirma que o foco central do livro é a recepção italiana e não a produção poética ou literária de Murilo Mendes. “Procuro encontrar temas ou vieses interpretativos pouco estudados, mas que são sugeridos por essa imensa obra, desde que se incorpore ao corpus analítico outras matérias como a correspondência, os textos escritos para jornais, os ensaios, as conferências.”
Mas, afinal, como o poeta brasileiro foi lido na Itália? “De modo geral, os nomes mais expressivos da historiografia da crítica italiana colocam Murilo Mendes entre os grandes líricos modernos, aproximando-o dos maiores poetas do ocidente. Esses críticos o reconhecem também como um profundo leitor e conhecedor da literatura e da cultura ocidentais. Sua poesia é lida nesta chave, a dos grandes poetas.”