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Jornal da Unicamp 178 - Páginas 2
24 a 30 de junho de 2002

Agora semanal

Quem faz a inovação tecnológica?

Seminário Campinas Inova discute quem faz o
quê na relação universidade-empresa

O local primordial para a inovação tecnológica não é a universidade e sim a empresa. Uma posição “instigante”: assim se referiu o secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, Carlos Américo Pacheco, à palestra que o reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, acabara de proferir na abertura do seminário Campinas Inova, no último dia 18, no Centro de Convenções da universidade, diante de mais de 400 convidados.

Brito Cruz, que em abril último iniciou quatro anos de mandato na Unicamp e para tanto abriu mão da presidência da Fapesp, sabe que sua opinião não conta com unanimidade em um país onde a maior parte das atividades de pesquisa acontece nas universidades, levando muita gente a crer que a academia é responsável pela inovação tecnológica. “O senso comum no Brasil, de que pesquisa é assunto nosso e à empresa cabe fabricar produtos e vendê-los, é um equívoco de proporções oceânicas. É a empresa que entende de mercado, possui a cultura de analisar as demandas e sabe aproveitar as oportunidades. Ali nasce a inovação”, disse.

O reitor evocou a tradição de países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Canadá e Coréia do Sul, onde a maioria dos cientistas trabalha em empresas, e não em universidades ou institutos de pesquisa. No Brasil, apenas 10% trabalham fora do meio acadêmico. “O grande desafio, no momento, é fortalecer e desenvolver essas atividades dentro das empresas, que devem ter pesquisadores como empregados”, acrescentou.

Segundo Brito, basta comparar o volume de patentes registradas por brasileiros e coreanos. “Nós fazemos 100 por ano, contra 3.500 dos coreanos. O que é natural, pois eles têm 75 mil cientistas nas empresas e, nós, oito mil. A quantidade de pessoas está relacionada com a quantidade de tecnologia que se produz, com a exportação de conhecimento”, disse.

Ao insistir em que as empresas são o lugar para a geração de inovação tecnológica, o reitor ressaltou que isso não significa que o papel da universidade nessa área deva ser diminuído. “O que defendo é uma aliança muito importante, ainda a ser estabelecida no Brasil, entre academia, empresa e Estado. Cada um fazendo a sua parte e criando um círculo virtuoso que leva à produção de conhecimento, que por sua vez leva à produção de riqueza e esta ao desenvolvimento”.

Para esta aliança, no que cabe às universidades, Brito afirma que o número de artigos científicos tem crescido ano a ano e que a capacidade de formação de recursos humanos e a qualidade das pesquisas são cada vez mais reconhecidas no País. Em relação às empresas, observa que não somos novatos. “Temos os aviões da Embraer; os resultados da Embrapa, da Petrobrás e do CPqD com a Central Telefônica Trópico; toda a história das fibras e das comunicações ópticas; o esforço de grandes empresas como a Siemens, e de menores como as que atuam com estrutura aeroespacial. São exemplos de conhecimento sendo gerado no ambiente empresarial”, afirmou.

Papel do Estado – Elemento fundamental para essa aliança, segundo o reitor, é o apoio do Estado às atividades de pesquisa dentro das empresas. “O acordo subscrito pelo Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio) traz duas exceções que permitem subsídios: os chamados ‘verdes’, de proteção e melhoria do meio ambiente; e aqueles para atividades de pesquisa e desenvolvimento em empresas, que podem chegar a 75% do investimento”.

Brito lembra que os recursos públicos injetados pelos Estados Unidos nas empresas, relativos ao PIB industrial do país, alcançam 0,6% (algo em torno de US$ 35 bilhões/ano), por canais como leis de incentivo, encomendas tecnológicas, criação de institutos que interagem com empresas etc. “No final das contas, para cada dólar do governo americano, a empresa coloca nove do seu caixa. É um fator multiplicador, pois o subsídio não é dado para substituir o investimento do setor privado, mas sim para viabilizá-lo”. Se o Brasil praticasse algo semelhante, considerando seu PIB industrial de R$ 400 bilhões, estaríamos falando de R$ 2,4 bilhões vindos do governo, com mais nove partes do empresariado. Ou seja: R$ 24 bilhões, num investimento próximo ao da Coréia do Sul, cujas empresas competem com as do resto do mundo.

Papel da Unicamp – Sobre a contribuição da Unicamp para a inovação tecnológica, o reitor adverte que a principal é formar pessoas. “Insisto nisto porque durante muito tempo pensou-se que a qualidade da universidade era medida pelo grau de inovação que ela produz. Na verdade, temos apenas casos excepcionais, como o desenvolvimento da fibra óptica. Na essência, o que se fez foi educar, preparar pessoas capazes de criar empresas; empresas que vêm ao campus todos os anos, a fim de empregar alunos que garantirão a inovação tecnológica”.

Recorrendo a um antigo provérbio oriental, de que mais vale ensinar a pescar do que dar o peixe, o reitor conclui: “A Universidade produzir tecnologia para a empresa, é dar o peixe; educar bem e oferecer um perfil inovador aos alunos, para que criem tecnologia nas empresas, é ensinar a pescar”.

Evento será periódico
A adesão ao seminário Campinas Inova levou o professor Douglas Zampieri, do comitê organizador, a anunciar que o evento deverá tornar-se periódico. Além dos palestrantes desta reportagem, o público ouviu pesquisadores da Unicamp e representantes dos diversos segmentos interessados na questão da inovação tecnológica: Carolina Azevedo Ferreira de Souza, professora do Instituto de Economia da Unicamp (IE); Luís Antonio Teixeira Vasconcelos, professor do IE; Renato Marcos Endrizzi Sabbatini, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM); Carlos Vogt, presidente da Fapesp e coordenador do Labjor; Miguel Juan Bacic, professor do IE; Geraldo Mendes, diretor da Ciatec; Guilherme Ary Plonski, professor da Politécnica da USP; Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, professor do Instituto de Geociências da Unicamp (IG); Oswaldo Massambani, secretário adjunto de Ciência e Tecnologia do Estado; Celso Antonio Barbosa, da Anpei; Elias Menezes de Oliveira, da Petrobrás; Ronald Martin Dauscha, da Siemens; Antonio Carlos Gravato Bordeaux Rego, do CPqD; Mário Sérgio Ussyk, da Embraco; Maria Clara do Prado, da Gazeta Mercantil; Antonio Carlos Larubia, do Sebrae.

Embraer contribui com críticas
A Embraer, fabricante de aviões comerciais e de guerra, de variados portes, e que se vale bastante de parcerias com outras empresas, é um exemplo de eficiência e sucesso no mercado brasileiro. Convidado a falar sobre a experiência da Embraer em inovação tecnológica, Paulo Lourenção, da gerência de desenvolvimento tecnológico, afirmou que a empresa sustenta um quadro com 2.500 engenheiros, mas não possui uma unidade de pesquisa e desenvolvimento. Segundo ele, 63% dos recursos são destinados à engenharia, 31% à modernização da infra-estrutura e somente 6% à inovação.

“Inovação, para nós, são tecnologias para produtos do futuro. Estamos preocupados em modelar processos e “guardiões” espalhados pelo mundo nos informam sobre novos softwares, novos projetos estruturais, de ensaios de vibração do avião etc. Também temos mais de 70 doutores e uma centena de mestrando, cheios de idéias. É a chamada inteligência competitiva, para ver o que os outros estão fazendo e vice-versa”, explica Lourenção.

A primeira preocupação da Embraer é o alinhamento estratégico, ou seja, as tecnologias precisam ser importantes para competir. “É um ponto polêmico: o que é inovador para a academia, nem sempre é para a empresa. O estado da arte é importante para nós, mas se não houver alinhamento estratégico, vamos continuar usando o que já sabemos fazer”, afirma o técnico. A lógica é saber qual inovação a ser perseguida. As novas tecnologias devem, necessariamente, aumentar a competitividade e a chance de sobrevivência.

Paulo Lourenção adiantou que a maior parte das pesquisas de desenvolvimento tecnológico, de alta prioridade estratégica, continuará sendo feita dentro da Embraer. Disse que a empresa vê a cooperação com a universidade como importante por consolidar centros de excelência, pela possibilidade de utilizar sua competência em épocas de crise e por formar profissionais que ajudarão a projetar produtos futuros. E alertou os órgãos de fomento para o fato de que os prazos de análise e aprovação de projetos não são compatíveis com as necessidades de negócio da empresa. “Não é uma crítica, mas muitas vezes, em seis ou sete meses, aquilo que considerávamos prioridade no início torna-se irrelevante”.

Relação complexa
Carlos Américo Pacheco, secretário-executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia, afirmou aos pesquisadores e empresários presentes no seminário Campinas Inova que a relação universidade-empresa não é trivial e tampouco linear. Lembrou que essa interação exige normas institucionais e arranjos das mais diversas naturezas, deixando implícito que cabe ao MCT a articulação entre os vários atores e a criação de instrumentos que viabilizem o processo de inovação tecnológica.

Prenunciando a concentração do debate em torno do papel de pesquisadores e de empresários em termos de inovação, Pacheco, na condição de mediador do encontro, antecipou sua opinião. “Este debate tem sido esclarecedor e instigante o suficiente para que tenhamos a ilusão de que a universidade pode substituir a empresa na inovação tecnológica. Inovação, por definição, é empresarial: é levar produtos e processos novos ao mercado”, disse.

O secretário do MCT observou ainda a relevância de que, se inovação é um processo industrial, as políticas de suporte são essencialmente políticas industriais. “Em qualquer país, são políticas de redução de riscos – do ponto de vista do fluxo de capital, do crédito com custo compatível ao risco do investimento em inovação”.

Pacheco admite então que fica no ar uma pergunta: qual é o papel da universidade nesse processo? O secretário explica que a inovação, ainda que seja um processo interno à empresa, pressupõe um ambiente, uma cultura inovadora, um processo de interação de múltiplos atores. “Todo sistema tecnológico no mundo necessita de uma infra-estrutura pública de suporte à inovação”, disse.

Entre as inúmeras possibilidades de atuação da universidade, estaria sobretudo a de influir na criação desse ambiente. “O MCT produziu um diagnóstico apontando a assimetria entre a forte capacidade de pesquisa instalada em algumas universidades e a débil estrutura de pesquisa no âmbito privado. Temos um campo enorme de iniciativas: o Fundo Verde e Amarelo, por exemplo, mais que fonte de recursos, é um campo de experimentação institucional para mobilizar formas de pensar, para arranjos como a associação entre universidade e empresas. Esta associação pode se dar na forma de incubadoras, parques tecnológicos, centros virtuais de pesquisa, comunicação via rede etc.”.

Fiesp pede condições para competir
Em ano de eleições, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) está propondo um programa político onde se discute o futuro da indústria e do desenvolvimento do país nos seus condicionantes econômicos e sociais. E coloca a inovação tecnológica como fundamental nesse processo, segundo Flávio Grynszpan, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia.

Depois de enaltecer a discussão que vem sendo realizada no Fundo Verde e Amarelo, que considera um grande fórum onde estão os principais atores do processo de inovação – MCT, MDIC, academia e setor empresarial –, Grynszpan deixou claro o ponto de vista da Fiesp sobre a questão e a interação entre universidade e empresa: “A indústria entende que inovação é um processo industrial, que não acontece na academia. O gerador, o demandante da inovação é a indústria. Existem casos em que a universidade gera novos conhecimentos e tecnologias que podem se transformar em novos produtos, mas não é regra geral”.

O diretor da Fiesp afirma que o setor produtivo não demanda inovação porque ela lhe é oferecida, mas sim porque o mercado exige. “Se o mercado não obrigar, não há inovação”, insiste. Segundo Grynszpan, somente agora começa a existir consciência na indústria de um ambiente estimulador da inovação, principalmente para atender os programas de exportação e a substituição competitiva das importações.

Para estimular o processo, a Fiesp propõe parcerias com as multinacionais, que por já estarem no ambiente internacional encurtariam o caminho para as empresas nacionais. “Gostaríamos de ter centenas Embrapa e Embraer. Mas falamos de pequenas e médias empresas, que como fornecedoras ou parceiras das multinacionais, garantiriam acesso ao mercado mundial. É mais barato abrasileirar as nacionais do que ‘multinacionalizar’ as brasileiras”, observa Grynszpan.

A Fiesp defende, também, um programa do governo para melhorar a posição do Brasil no mercado de alta tecnologia. “Realizamos um estudo mostrando que empresas brasileiras têm participação média de 1% no comércio internacional, mas bem abaixo quando se trata do mercado de alta tecnologia.”

Dilema – O Fundo Verde e Amarelo, de acordo com Flávio Grynszpan, está procurando resolver outro problema: permitir a inovação em condições competitivas internacionais. Para esta capacitação, o governo dobraria o investimento em pesquisa e desenvolvimento até 2006, concentrando esse aumento no setor empresarial. “Sem expansão tecnológica, não haverá espaço para inovação e, conseqüentemente, para o processo de capacitação”, justifica o diretor. Mais um mecanismo de apoio, já em negociação, é dotar a Finep de taxas competitivas mundiais.

O diretor da Fiesp conclui: “Se o setor produtivo não desenvolver tecnologia, vamos ficar eternamente na agonia de ter a universidade distante das empresas. O problema não é da universidade, é do setor produtivo, que precisa ser dotado de instrumentos para que possa inovar. E nunca se deve pensar que a academia é a geradora da inovação. Nas vezes em que fez isso, a universidade se deu mal, porque não sabe gerar produtos competitivos.”