Memória
Antonina a ver navios
Fotos historiam a decadência de um dos maiores portos do país na primeira metade do século 20
Durante dois anos, a pesquisadora Anabela Leandro conviveu com moradores de Antonina, pequeno município paranaense encravado num braço de mar do Atlântico, a 80 quilômetros de Curitiba que, aos poucos, está desaparecendo. O que ela se propôs foi tentar compreender os fatores que provocaram o declínio econômico e cultural do lugar que, em tempos áureos, alojou o quarto maior e mais importante porto do País, o Barão de Teffé. E os resultados de seus estudos culminaram com a dissertação de mestrado Imagens fotográficas e memórias: uma incursão pelo passado da cidade de Antonina PR, apresentada ao Departamento de Multimeios do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob a orientação do professor Etienne Samain.
Segundo a pesquisadora, o objetivo de seu trabalho foi decifrar como a comunidade do lugar convive hoje com o passado e como este se torna presente por meio das memórias e imagens fotográficas do município. Para isso, utilizou-se de 780 fotografias (250 de sua autoria e 530 fotos antigas, pertencentes aos moradores do lugarejo), por intermédio das quais Anabela observa que o material mostra realidades diferentes de Antonina: a antiga, das décadas de 20 e de 30 do século passado, quando o município vivia dias de efervescência, ostentação e glória, em contraste com os dias de hoje, quando a população de 17 mil habitantes convive com um alto índice de pobreza, problemas de desemprego e o consumo de drogas.
Para Anabela, as memórias, ruínas e belíssimas fotografias enfim, o que ficou do passado evidenciam o contraste com o presente. “Pude observar que fotografias antigas, cedidas por moradores, dificilmente são encontradas nas imagens produzidas hoje, inclusive fotos que eu mesma fiz. Já as fotos mais antigas revelam uma outra realidade: ruas do porto, sempre tão cheias de gente, repletas de automóveis, mesmo fora de temporadas de festas, em constante movimento”. Uma das principais razões que provocaram a decadência da cidade foi o fechamento do porto, em 1970. “Provavelmente ocasionada pela disputa de interesses políticos entre os governos de Antonina e da cidade vizinha de Paranaguá”, ressalta Anabela. A pesquisadora verificou ainda, com os moradores com os quais fez contato, que o que prevalecia de suas memórias e anseios era justamente o passado glorioso da cidade, que recebia com freqüência companhias de teatro e de música do mundo inteiro. A cidade tinha ainda acesso a produtos refinados, porque toda a demanda de importação e exportação passava por Antonina. Para um pequeno município de décadas passadas, até que era um fabuloso movimento para os moradores, tanto em termos culturais quanto econômicos.
Esse conceito parece sintetizar a opinião de Francisco Almeida, o Chiquinho, velho morador do lugarejo, quando Anabela olhava com ele algumas fotografias antigas: “... o futuro de Antonina é o passado...” Pelo tom de desânimo com que pronunciou tais palavras, a pesquisadora deduziu que, o que se costuma relacionar ao “futuro” de uma cidade, o “progresso” já havia ficado para trás, e dificilmente esse desenvolvimento poderá ser retomado. “A colocação de Chiquinho também indica um outro caminho de que o futuro de uma cidade e a sua condição de permanência estão unicamente na preservação da memória do lugarejo. Desde que esta memória seja trabalhada de maneira a atrair novos investimentos no campo do turismo e, assim, atenuar a atual crise da cidade, seja ela econômica ou cultural”, diz Anabela.
Há seis anos, Antonina era um município onde 6% dos chefes de família tinham uma renda equivalente a dois salários mínimos, enquanto que 1.470 famílias encontravam-se na mais absoluta indigência. E mais: de cada mil crianças nascidas vivas, o município de Antonina registrava 45 mortes. Um dos principais motivos da decadência da cidade foi, sem dúvida, provocado pelo fechamento do porto de Barão de Teffé que, considerado o quarto em exportação no país, antes formado por trapiches particulares juntamente com as fábricas da família Matarazzo e diversas outras indústrias e armazéns, contribuía para o êxito do desenvolvimento da cidade com a exportação da erva-mate.
O município exportava ainda cana-de-açúcar, sal, arroz, milho, feijão, madeira e tantos outros produtos. E importava produtos que não podia produzir como calçados, tecidos, máquinas e perfumes. O porto tinha ainda uma outra particularidade: proporcionava comunicação e transporte para as principais cidades brasileiras e facilitava não somente a chegada de produtos, mas também de notícias veiculadas antes em Antonina e só depois na capital do Estado, Curitiba.
Hoje, governos e instituições particulares buscam, ainda que timidamente, investir no turismo. Atendo-se praticamente a alguns poucos festejos, como a festa de Nossa Senhora do Pilar, o Carnaval e o Festival de Inverno de Artes, da Universidade Federal do Paraná, quando a cidade recebe grande fluxo de visitantes. “Mas, ainda assim, fica a impressão de que o lugar permanece parado no tempo”, conclui a pesquisadora.