A instalação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1966 e seu rápido desenvolvimento nas quatro décadas que se seguiram têm sido considerados uma experiência singular no novíssimo sistema universitário brasileiro.
Ao formular o projeto da Unicamp, Zeferino Vaz (1908-1981), seu fundador e reitor por doze anos, soube levar em conta o fato de que a crescente industrialização do Brasil a partir da década de 50 havia criado uma demanda nova por pessoal qualificado sobretudo numa região — o Estado de São Paulo — que na época detinha 40% da capacidade industrial brasileira e 24% de sua população economicamente ativa. Como o ensino superior tinha-se ocupado, até então, de formar majoritariamente profissionais liberais solicitados pelo processo de urbanização, havia uma carência evidente de instituições voltadas para a pesquisa científica e tecnológica com vinculações com o setor de produção de bens e serviços e capaz de formar uma outra categoria de profissionais requerida por esse novo espectro do mercado.
Outro fator favoreceu a conformação do projeto da Unicamp a este cenário de transformação: foi ela ter escapado à tradição brasileira do crescimento cumulativo pela simples justaposição de cursos e unidades. Sua estrutura acadêmica teve a oportunidade rara de nascer de um programa coerente com as necessidades da indústria, do segmento público e do setor de serviços. Os cursos tecnológicos — as engenharias em particular — só foram definidos e desenhados ao cabo de uma série de reuniões com empresários da região de Campinas, que à época já era o principal pólo econômico e industrial do interior paulista. Esses empresários não apenas foram capazes de apontar as áreas de formação que o mercado pedia como também participaram, muitos deles, da elaboração dos currículos e ementas dos primeiros cursos. Uma política agressiva de captação de recursos para a pesquisa, coincidente com o fortalecimento das agências nacionais de fomento, permitiu que a cada curso criado fossem acoplados laboratórios e que a nova universidade, ainda em seus primórdios, já se firmasse como um centro emergente de investigação científica e tecnológica. Isto só se tornou possível porque, em paralelo à estruturação física, Zeferino logrou trazer do exterior um núcleo inicial de 180 pesquisadores de primeira linha, estrangeiros ou brasileiros, e outros 200 dos principais centros universitários do país, formando uma base de produção investigativa que criou um ambiente propício à cultura do empreendedorismo e, mais recentemente, à inovação.
Um diferenciador importante, quando se tratou de consolidar o perfil da Unicamp como um centro de pesquisa a ser levado em conta, foi a ênfase que se imprimiu ao ensino de pós-graduação a partir do início dos anos 70 e, mais que isso, a sua vinculação com os programas de investigação científica, tecnológica, biomédica, de humanidades e artes. Foi uma opção da Unicamp concentrar parte expressiva de seu esforço acadêmico na formação de pós-graduandos.
Não há dúvida de que a expressão atual desses números muito deve à natureza do projeto original, cujo efeito multiplicador se tornou evidente com o tempo, já que as raízes da cultura do empreendedorismo — e, por conseqüência, da inovação — foram plantadas, em muitos casos, nos processos de aprendizagem e na atividade extracurricular dos alunos de graduação. Enquanto os estudantes com maior pendor para a pesquisa são atraídos para o programa de iniciação científica que a universidade mantém, de par com um investimento de aproximadamente R$ 26 milhões anuais em assistência estudantil, os jovens vocacionados para o empreendedorismo tendem a integrar-se à extensa malha de empresas juniores existente na instituição.
A política de apoio às juniores, que favorece alunos provenientes de todas as camadas sociais, encontra ressonância na tradição empreendedora de um número relativamente alto de profissionais formados na Unicamp. Levantamento recente mostra que somente na região de Campinas quase uma centena de empresas de pequeno e médio porte — as chamadas “filhas da Unicamp”, a maioria das quais atuando na área de tecnologia da informação — têm à sua frente ex-alunos da universidade.
Além disso, ao se apresentar desde o começo como um centro gerador de pesquisas e de mão-de-obra qualificada em volume e densidade consideráveis, a universidade atraiu para suas imediações todo um pólo de indústrias de alta tecnologia, quando não gerou ela própria empresas a partir de seus nichos tecnológicos, como por exemplo a Incubadora da Unicamp, que desde sua implantação, há cinco anos, já graduou oito empresas e mantém em incubação outras doze. A existência desse pólo, constituído de empresas privadas e de instituições públicas de pesquisa, produziu alterações visíveis no perfil socioeconômico e profissional da região.
O fato de contar com um bom índice de pesquisas com alta aplicabilidade social ou industrial levou a Unicamp a adotar, nos últimos anos, uma política bem definida de valorização da propriedade intelectual. No início de 2006, um levantamento do instituto brasileiro de propriedade industrial, o INPI, mostrou um avanço significativo do setor público de pesquisa, em particular as universidades públicas, no ranking dos principais geradores de patentes no país. A grande novidade do levantamento do INPI, que até então era liderado pela maior empresa brasileira, a Petrobras, foi a ascensão da Unicamp ao topo da lista.
A partir de uma certa altura, tornou-se fundamental criar um serviço especializado que encorajasse os pesquisadores a patentear seus produtos. A política de aproximação qualificada com a indústria e com o setor público, a necessidade de buscar parcerias estratégicas, a conveniência de criar uma prateleira de produtos acadêmicos que possam ser transferidos ao mercado e a urgência de gerir a questão da propriedade intelectual resultaram, em 2003, na criação da Agência de Inovação da Unicamp (Inova), um organismo que, no seu gênero, foi o primeiro do país. Naturalmente, todas essas linhas de ação têm como objetivo principal fazer com que as redes de cooperação fixadas potenciem as atividades de pesquisa e ensino. Em apenas três anos de existência, a Agência não só multiplicou o número de parcerias como levou o estoque de patentes à situação acima descrita. Técnicos especializados cuidam da negociação e da documentação dos licenciamentos, livrando os pesquisadores de tarefas burocráticas que os desviariam da geração de conhecimento. Ao lado do esforço de licenciamento de tecnologias, a Inova vem estruturando, com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o treinamento de alunos de graduação e de pós-graduação para colaborarem na avaliação das tecnologias desenvolvidas e na atração de empreendedores interessados no seu licenciamento.
Naturalmente, o depósito de uma patente pouco significa se não houver beneficiários do produto intelectual que ela representa. Por isso, mais importante que o depósito da patente é seu licenciamento, isto é, sua transferência à indústria ou a outros setores de produção de bens e serviços. Nos últimos dois anos, 40 patentes do portfólio da Unicamp foram licenciadas através de contratos com empresas. Isso pode não parecer muito, mas deve-se ter em mente a pouca freqüência, no Brasil, com que acordos e convênios firmados no âmbito universidade-empresa resultaram na industrialização e na disponibilização do produto acadêmico.
Para a universidade, cuja tarefa principal é formar recursos humanos, o licenciamento de uma patente traz dupla vantagem: ao repassar seu produto à empresa, ela não apenas gera inovação como também e principalmente transfere ao plano do ensino os frutos do conhecimento novo sistematizado ao longo da pesquisa. Em outras palavras, por meio do pesquisador-docente a pesquisa vai à sala de aula e aos laboratórios didáticos, levando o ensino além da simples transmissão bibliográfica do conhecimento, que reflete mais o saber reconhecido e sedimentado.
O fato de as universidades avançarem no ranking dos maiores patenteadores demonstra seu protagonismo na geração de inovação e comprova, em boa medida, a densidade alcançada pela pesquisa brasileira. Hoje o país dispõe de 90 mil cientistas que respondem por 1,5% do total de artigos científicos publicados no mundo. Nossas universidades públicas produzem cerca de 6 mil doutores por ano e só a Unicamp, em 2005, produziu 874, número comparável ao das melhores universidades americanas. Entretanto, o protagonismo das universidades no ranking das patentes tem sua face reversa. A situação poderia ser dada como promissora se no mapa da tecnologia mundial a presença do país fosse equivalente.
Infelizmente não é assim. É ainda pequena a capacidade (ou a disposição) das empresas brasileiras de absorver profissionais de pesquisa – esses mesmos que são qualificados nos programas de pós-graduação – aptos a produzir inovação. Basta lembrar que, nos Estados Unidos, como acontece nos demais países de economia avançada, entre os 20 principais colocados no ranking dos grandes patenteadores só consta uma universidade, o que mostra que, nesses países, é a indústria a grande responsável pela inovação. O problema brasileiro não está, naturalmente, no fato de as universidades adotarem políticas inovativas, mas no risco de, com o tempo, a indústria se distanciar demais das economias industriais que aprenderam a valorizar pesquisa e desenvolvimento e, portanto, a sobrepujar mercados.
José Tadeu Jorge, engenheiro de alimentos, é reitor da Unicamp desde abril de 2005.