| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 342 -30 de outubro a 12 de novembro de 2006
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Livro reúne artigos abordando conceitos e
estratégias para tornar mais palatáveis os temas científicos

O desafio de divulgar a ciência

O professor Carlos Vogt, organizador do livro, e abaixo a equipe do ComCiência: "Antes, a divulgação científica era obra de alguns pioneiros abnegados"  (Foto: Antoninho Perri)No mundo contemporâneo, a sociedade precisa estar munida de poder crítico e de representatividade para eleger prioridades no setor de ciência e tecnologia, como por exemplo, entre a construção de um gigantesco anel síncrotron, um programa de incentivo aos transgênicos ou a destinação do mesmo dinheiro para uma pesquisa voltada à saúde pública. Os cidadãos vêm caminhando para isso, demonstrando uma percepção cada vez maior dos benefícios e dos malefícios trazidos pela ciência e tecnologia ao cotidiano. Já o interesse dos próprios cientistas em conscientizar a população sobre a importância do que produzem, tornando temas áridos e complexos palatáveis aos leigos, é um movimento recente que começou na Europa da década de 1970. Desde então, passaram-se a elaborar conceitos e estratégias de divulgação científica, por meio de uma linguagem menos codificada.

Cultura Científica: Desafios é um livro que contribui para este esforço de divulgação, oferecendo artigos de pesquisadores do Brasil e da França, e organizado pelo professor Carlos Vogt, presidente da Fapesp e coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. “A idéia é apresentar reflexões de diferentes autores, tanto de natureza conceitual e metodológica como analítica e histórica”, informa Vogt, que divide a concepção do livro com Pierre Fayard, professor da Universidade de Poitiers e atualmente vivendo no Brasil como diretor do Centro Franco-Brasileiro de Documentação Técnica e Científica (Cendotec).

A equipeSegundo Carlos Vogt, o conceito de cultura científica, já bastante em voga, dá título ao livro porque seu significado é mais amplo que o de divulgação científica. O professor explica que na França fala-se em “vulgarização” da ciência, no sentido de sua popularização, em contraposição à corrente acusada de se dirigir apenas a públicos cultos. Esta conotação foi endossada pelo governo Lula ao criar um Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia. Os americanos gostam do termo “alfabetização” científica (scientific literacy), julgando que o público em geral é ignorante em relação aos mistérios da ciência, havendo por isso a necessidade de “alfabetizá-lo” para suprir o déficit de informação. Já os ingleses desenvolveram o conceito de “compreensão pública” da ciência (public understanding of science), ou de consciência da sua importância (public awareness).

“A expressão ‘cultura científica’ soa mais adequada por englobar tudo isso e, ainda, a visão da ciência como formadora da cultura – seja do ponto de vista da sua produção, da sua difusão entre os pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, bem como da sua divulgação na sociedade para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais de seu tempo e de sua história”, afirma o professor . “Apesar das distinções fundamentais entre arte e ciência, existe entre elas algo comum e poderoso: a finalidade compartilhada por ambas da criação e da geração do conhecimento, por meio da formulação de conceitos abstratos e ao mesmo tempo, por paradoxal que pareça, tangíveis e concretos. No caso da ciência, essa tangibilidade e concretude se dá pela demonstração lógica e pela experimentação; no caso da arte, pela sensibilização do conceito em metáfora e pela vivência”, diz Vogt, que é poeta e lingüista.

Arte da capa de Cultura Científica: Desafios, que traz artigos de pesquisadores brasileiros e franceses preocupados em tornar os temas da ciência acessíveis ao grande público (Ilustração: Hélio de Almeida)Abnegação – O professor lembra que, antes dos anos 70, a divulgação científica era obra de alguns pioneiros abnegados, como o médico e jornalista José Reis, que hoje dá seu nome a um prêmio do CNPq destinado a iniciativas que contribuam para tornar a ciência, a tecnologia, a pesquisa e a inovação conhecidas do grande público. “Mas acho que vem ocorrendo um movimento interessante, que é a institucionalização das atividades ligadas à divulgação. Vemos, no Brasil e no mundo, governos nacionais e regionais que apóiam essas iniciativas, e as próprias universidades e instituições científicas consideram que a divulgação é uma obrigação. Há preocupação em trazer para a sociedade uma compreensão crítica das questões da ciência”, observa.

Carlos Vogt afirma que a preocupação com a divulgação, no momento em que profundas mudanças no modelo econômico prevalecem na organização das atividades sociais, se dá inclusive por razões objetivas, como a necessidade de escolher prioridades. “Onde pôr o dinheiro, quem põe o dinheiro?”, questiona. O cuidado dos cidadãos com a composição dos alimentos que escolhem nas prateleiras e a busca de informações por questões relativas a biotecnologia e a biodiversidade, por exemplo, refletem o interesse da sociedade em participar deste processo.

Contudo, o professor faz sua ressalva. “É fácil afirmar que a sociedade precisa participar, difícil é estabelecer mecanismos de atuação efetiva, a fim de que todos se façam representar nos órgãos de decisão. De qualquer forma, noto uma capilaridade grande em termos de representatividade na sociedade, que está se organizando inclusive politicamente, como ao se posicionar contra a construção de uma termelétrica”, constata o professor.

Desinteresse – Carlos Vogt aponta a importância da divulgação científica também na área de ensino, onde ocorre um fenômeno preocupante, que é o declínio no número de jovens interessados em seguir a carreira científica. Este fenômeno está na origem dos conceitos mencionados anteriormente, como o de public understanding/awareness of science na Inglaterra, onde o governo constatou que os estudantes estavam evitando os cursos de formação básica em ciência – física, química, biologia, matemática, sem os quais não é possível o desenvolvimento científico e mesmo tecnológico. “A Câmara de Lordes teve de aprovar programas de ação consistentes visando atrair jovens para esses cursos. Por conta da publicidade sobre outras carreiras, a juventude vem optando por aquelas em que se vence economicamente com maior rapidez”, informa Vogt.

De acordo com o professor, uma conseqüência deste desinteresse por carreiras científicas pode ser um déficit de pessoal de uma geração para outra, com um vazio em que países estarão incapacitados de responder aos desafios do desenvolvimento científico e tecnológico. “O fenômeno é importante também nos Estados Unidos, que freqüentemente realizam campanhas de busca de talentos pelo mundo”, aponta. O professor considera, por isso, que a divulgação se associa a todo o aparato de ensino de ciência para os jovens – criação de museus, organização de feiras e encontros científicos, visitação a universidades e outros recursos atrativos. “Costumo dizer que são programas para formar o ‘amador’ da ciência: aquele ama, mas ainda não é profissional”, compara.

Carlos Vogt é autor de um modelo intitulado A Espiral da Cultura Científica. Trata-se da representação metafórica de um movimento espiralado, que parte de um ponto do eixo horizontal para desenhar quatro quadrantes: o primeiro, da produção científica, em que os cientistas são seus pares num processo que inclui meios de divulgação como congressos, revistas e livros; o segundo, envolvendo o ensino da ciência nas universidades e escolas; o terceiro, com museus, feiras e outros eventos de mobilização de crianças, jovens e adultos em torno do tema científico; e o quarto quadrante, que é o da divulgação científica, com o objetivo de informar e formar a sociedade.

Jornalismo – Dentro do quarto quadrante, o Labjor da Unicamp, coordenado por Vogt, foi criado para oferecer cursos de formação em jornalismo científico, voltados tanto a jornalistas como a pesquisadores. O curso de pós-graduação lato sensu está em sua quinta edição, sendo que no próximo ano começa a funcionar o curso de mestrado em jornalismo científico e jornalismo literário, aprovado pela Capes. “A USP também oferece a especialização e soube que a Universidade do Vale do Paraíba conseguiu o reconhecimento de um curso a distância de graduação em jornalismo científico. Temos um processo de formação de competências”, informa Vogt.

A proposta do Labjor, segundo o professor, é fazer com que profis-sionais da área científica sejam capazes de lidar com a palavra escrita de forma sensível, preferencialmente em meio eletrônico, haja vista que faz parte do curso a colaboração dos alunos na revista ComCiência, que está alojada no Portal da Unicamp. “O veículo eletrônico tornou-se extremamente popular, mostrando agilidade e penetração muito grandes. Os medidores indicam que a revista recebe cerca de 700 mil visitações por mês, sendo um terço de estudantes dos níveis secundário e universitário”, justifica.

Outra característica dos cursos do Labjor é que todas as turmas têm uma metade de jornalistas e outra metade de pesquisadores. Esta composição leva à interação entre duas atividades profissionais diferentes e contribui para amenizar uma velha crença: de que a mídia tem dificuldades em abordar temas da ciência com profundidade e correção, enquanto que a academia tem dificuldades em traduzir sua produção de maneira inteligível para os leigos. “Vemos uma abertura muito grande por parte do cientista quanto à necessidade de divulgar seu trabalho e à função do jornalista. Ele já faz um esforço para trocar uma linguagem extremamente codificada por outra mais sensível, que recorre a imagens e que por isso chamo de linguagem ‘analógica’”.

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