O ano, 1958. Naquela época, engenheiro eletrônico era um título atraente, coisa nova no horizonte dos estudantes. E ele entrou no único curso de engenharia eletrônica que existia no Brasil, no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP). Ali começa a trajetória acadêmica de Yaro Burian Júnior, do Departamento de Máquinas, Componentes e Sistemas Inteligentes, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. No último dia 15, o professor completou 35 anos de serviços prestados à Universidade, sendo homenageado por alunos, funcionários e docentes não só da FEEC como de outras unidades.
Yaro Burian conta que nas outras universidades existiam cursos de engenheiro eletricista. “Eu não sabia que a engenharia eletrônica era uma parte do que deve fazer um engenheiro eletricista”, relembra, rindo. No final da graduação realizou alguns projetos de iniciação científica, com publicação em revista internacional. “Fiquei muito animado e fui convidado a ficar no ITA como professor, pois naquela época contratava-se recém-formado. Acabei fazendo também o meu mestrado por lá. O primeiro mestrado em engenharia elétrica foi realizado pelo ITA e a minha tese foi a de número seis”, revela.
O orientador de Burian, o francês Etienne Cassignol, passou seis anos no Brasil e o convidou para o doutorado na França. Apoiado por uma bolsa do CNPq, ficou na Universidade de Toulouse mesmo quando, pouco tempo depois, seu orientador saiu para trabalhar em uma filial da Texas Instrumentos. “Isso não foi problema porque lá havia bons professores”. Nessa época, segundo ele, doutores eram muito procurados no Brasil. “A pós-graduação era ainda uma novidade”.
Enquanto esteve na França, Yaro Burian recebeu a visitas de professores de pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal de Campina Grande (PB), que o queriam nessas instituições. “De fato, havia uma caça por doutores, mas eu tinha um compromisso com o ITA e, quando retornei ao Brasil, fui lecionar lá”. Era a época da ditadura militar e Yaro lembra que em 1971 foi chamado pelos militares: eles não queriam que seu sogro, considerado um subversivo, continuasse a visitá-lo nas instalações do Centro Técnico Aeroespacial (CTA). “Meu sogro era um estudioso dos problemas de transporte aéreo no Brasil e havia escrito um livro sobre o assunto. Nunca mais pôde entrar lá”.
Depois de três anos, Yaro viu-se livre do compromisso oficial. Conta que embora no ITA houvesse defasagem salarial e os contratos fossem em tempo integral, fazia-se vistas grossas e praticamente todo o corpo docente dava aulas em outras instituições de São José dos Campos, Guaratinguetá e Taubaté. Assim complementava-se o salário. “Eu não cheguei a entrar nesse esquema porque o CNPq criou na ocasião a bolsa de pesquisador”, observa. O contrato do chamado pesquisador conferencista previa que este deveria colocar-se à disposição do CNPq durante um mês por ano, a fim de fazer conferências em qualquer lugar do país. “Nunca cheguei a fazer conferência alguma. Creio que era apenas um pretexto para se pagar a bolsa”.
A intuição – A busca por doutores continuava. Entre várias instituições que visitou, Yaro Burian se interessou por duas no Estado de São Paulo, a Escola de Engenharia de São Carlos e a Unicamp. Brinca, recordando que a primeira tinha 35 professores e estava em pleno funcionamento, enquanto a segunda nem existia: era uma sala com três mesas, no prédio da rua Culto à Ciência onde hoje funciona o Colégio Técnico da Unicamp (Cotuca), e que reunia as engenharias mecânica e elétrica formando a Faculdade de Engenharia de Campinas (FEC). Pura intuição. “Não sei dizer de fato o que me fez escolher a Unicamp, mas tudo deu certo”. O convite de Manoel Sobral Júnior, então chefe do Departamento de Elétrica/Eletrônica, mudaria o rumo de sua vida.
No ITA, Burian estava com pesquisas encaminhadas e a tendência era de uma carreira linear; na Unicamp, tudo estava por fazer. Um tema orientaria a maior parte das teses: máquinas elétricas. “Jamais imaginei que trabalharia com isso e, no entanto, precisávamos de professores especialistas no assunto. Contratamos alguns jovens recém-formados na própria Unicamp, como Ernesto Ruppert Filho e Mauro Sérgio Miskulin, e eu me dispus a orientá-los. Isso provocou uma mudança na área de trabalho. Fiquei até esquizofrênico”. O professor ainda é muito convidado para bancas de teses: se o convite vier da USP, sabe que o tema são as máquinas elétricas; se vier de Ilha Solteira, é controle; de Campina Grande, eletrônica. “Fiquei com ‘múltiplas personalidades’ mas não acho ruim, eu gosto muito dessa diversidade”.
No final da década de 1970, Sobral Júnior foi para a Copersucar e abriu-se a vaga de diretor da faculdade. Realizou-se uma consulta interna e a comunidade escolheu para sucedê-lo o professor Maurício Prates. Ao ser confirmado no cargo pelo reitor Plínio Alves de Moraes, Prates escolheu como diretor associado seu colega de turma no ITA, Yaro Burian, que havia chefiado os departamentos de Automação e de Eletrotécnica.
O violino – Em 1980, o reitor da Unicamp queria um diretor que se dedicasse integralmente ao Instituto de Artes – o físico Rogério César de Cerqueira Leite respondia pela unidade em tempo parcial. Burian foi convidado e assumiu em outubro de 1980, não por acaso. “Por ser violinista, eu vivia no instituto e participava das orquestras. Era meu segundo endereço na Universidade”. O inusitado estava no fato de que, dentre todos os diretores, apenas Burian e Carlos Franchi (da Faculdade de Educação) haviam sido designados diretamente pelo reitor. Os demais passaram por consultas internas nas unidades.
Com a crise institucional no ano seguinte, todos os diretores acabaram exonerados. “Mas como a exoneração foi publicada em um sábado, e vários processos estavam em andamento no meio da confusão estabelecida, assinei alguns papéis com data da semana anterior para não prejudicar esse andamento”, confidencia. O professor tem boas lembranças do período em que dirigiu o IA, pois participava intensamente das atividades: da música, que era o maior departamento; das artes plásticas, um núcleo ainda muito pequeno, e do interessante grupo de teatro chefiado por Celso Nunes, com professores como Paulo Betti e Eliane Giardini.
De volta à Faculdade de Engenharia, onde não deixou de dar aulas mesmo dirigindo o IA, Yaro Burian assumiu a coordenação do curso de Engenharia Elétrica em 1983. Na época, a FEC já contava com três grandes departamentos: Elétrica, Mecânica e Química. Algum tempo depois, viria o desmembramento das engenharias, seguindo o precedente da Engenharia Agrícola, departamento emancipado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) para se tornar a Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri).
Apesar de ter aceitado funções administrativas, Yaro Burian confessa que prefere o contato com os alunos. Com eles, mais uma vez o seu lado artístico veio à tona. No ano passado, juntamente com estudantes da FEEC, Daniel Cunha e Maurício Valério, formou um conjunto de música de câmera – que recentemente recebeu mais um integrante, o pianista Roger Zig. “Em todos os lugares por onde passei sempre participei de conjuntos de câmera”, comenta. Mesmo antes de entrar no ITA, simultaneamente ao colegial, Burian freqüentou a Universidade Mineira de Arte, em Belo Horizonte, e quando veio para Campinas teve aulas regulares com o professor Natan Schwartzman, no IA, durante muitos anos.
O limite – Sobre os 35 anos de universidade, Yaro Burian responde tranqüilamente: “Mudaria muito pouca coisa nessa trajetória. Sou feliz por ter participado da fundação da Unicamp”, comemora. Quanto ao futuro, espera a aprovação de um projeto que tramita na Câmara dos Deputados: o aumento do limite de idade para a aposentadoria compulsória. “Tenho 66 anos e, quando completar 70, terei forçosamente que me aposentar. Espero que esse limite seja alterado para 75 anos. Tenho muita coisa para fazer quando me aposentar. Desejo, porém, permanecer professor de fato por mais tempo. É isso que gosto de fazer”.