| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 338 - 25 de setembro a 1 de outubro de 2006
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Pesquisa inédita sobre emissões sonoras abre
perspectivas nas áreas de diagnóstico, tratamento, prótese e implante

O caminho do som que
sai da orelha (e outro que
ainda vai ser percorrido)


Denize Ferreira, otorrinolaringologista: conceitos da medicina e da física (Foto: Antoninho Perri)O que era para ser um estudo aprofundado de um tipo específico de zumbido acabou se transformando no primeiro trabalho feito no país sobre a mecânica de propagação dos sons emitidos pela orelha. Trata-se da dissertação de mestrado “Aspectos fisiológicos e físicos da orelha como emissora de sons”, recém-defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) pela otorrinolaringologista Denise Rezende Ferreira. A pesquisa foi orientada pelo físico Jorge Humberto Nicola. O estudo abre perspectivas nas áreas de diagnóstico, de tratamento, de próteses auditivas e de implantes cocleares.

Objetivo inicial era estudo mais detalhado sobre o zumbido

As emissões sonoras por meio da orelha não são exatamente uma novidade, muito embora possam soar estranhas para um leigo. Elas foram descritas pela primeira vez em 1978 pelo médico norte-americano David Kemp. De lá para cá, explica Denise, esse conceito foi usado como método de diagnósticos para avaliar a integridade do sistema auditivo periférico, ou seja, se a orelha está funcionando adequadamente. “Em última análise, as emissões sonoras testam os receptores da audição, que são as células ciliadas externas. Os sons são reflexos de uma movimentação dessas células”.

O ineditismo no estudo de Denise reside na investigação de como o som se propaga mecânica e fisicamente, por meio da orelha, até atingir a área externa – com qual intensidade ele é produzido e quais as alterações sofridas no percurso, entre outros elementos. “O ouvido foi projetado para captar, amplificar e decodificar o som em freqüências auditivas. Mas dimensionar e entender como se daria o processo inverso foi o que motivou nosso estudo”, revela a pesquisadora.

O objetivo inicial do trabalho era o olhar mais detalhado sobre o zumbido, sintoma incômodo e muito prevalente na população mundial. Entretanto, em razão das múltiplas causas do zumbido, o leque ficou muito amplo. Dentre os fatores que provocam o zumbido estão desde doenças não-relacionadas ao sistema auditivo (hipertensão, diabetes etc) até a contração de músculos do palato e do pescoço. Denise revela que seria impossível explicar fisicamente o fenômeno recorrendo apenas a um raciocínio. Decidiu-se, então, focar a pesquisa no zumbido ligado à emissão otoacústica espontânea. “Esse processo de afunilamento durou quase um ano. Primeiramente, estudamos tudo sobre zumbido, depois sobre otoemissões. Em seguida, começamos a fundir as duas vertentes”.

Na pesquisa, a médica e seu orientador usaram conceitos de anatomia, fisiologia da audição e de física de som, já consagrados na literatura, para chegar a resultados ainda não relatados. Por meio de cálculos, ambos constataram, entre outras coisas, qual a intensidade da pressão sonora que as células ciliadas são capazes de produzir, como o som se comporta no percurso, as reflexões dos meios envolvidos e como ele é captado no meio externo.

Desenho da anatomia da orelha externa (E), média (M) e interna (I): mecânica do som que percorre o inverso do sentido fisiológico Detectadas por microfones específicos desenvolvidos pela bioengenharia, as emissões são praticamente inaudíveis pelo ser humano em condições normais. Sua média de intensidade varia entre menos 20 e 10 decibéis. Para efeito de comparação, Denise lembra que o som de um cochicho é de 40 decibéis. As emissões espontâneas, explica a pesquisadora, não têm uma finalidade clínica e não se fazem presentes em todas as pessoas, embora não se saiba exatamente por quê.

“Queríamos conhecer o processo de produção desse som e como ele se propaga”, revela. Denise lembra que, como a orelha foi projetada para amplificar o som usado por nós, ocorrem muitas perdas quando esse som percorre o caminho inverso, de dentro para fora do ouvido. Existem várias explicações para o fenômeno. Uma delas se dá pelo fato de o som ser produzido no meio líquido, na orelha interna, e depois passar para um meio menos denso, que é o ar. Segundo cálculos feitos pela pesquisadora e seu orientador, a perda, conhecida na física como “atenuação”, é de 30%.

Outro fator de perda ocorre no funcionamento inverso do mecanismo de “alavanca” dos ossículos no ouvido médio, com os nomes de “martelo”, “bigorna” e “estribo”. No sentido fisiológico, a função desse conjunto é amplificar o som, transferindo-o do tímpano, cuja área é grande, para a janela oval, de tamanho menor. Assim, a onda sonora é amplificada em até vinte vezes. Porém, quando essa onda ocorre no sentido inverso, ela perde força por trafegar de uma área menor para uma maior. Essa perda foi calculada por Denise: a pressão sonora é atenuada 13 vezes depois de produzida nos líquidos labirínticos que compõem a orelha interna.

Semente – Classificado pela autora como “trabalho-semente”, a tese de Denise foi recebida com entusiasmo pela banca examinadora. Ressaltando o caráter interdisciplinar da pesquisa, a médica revela que houve uma intensa troca de informações acerca de conceitos da medicina e da física, não só para a viabilização dos trabalhos como também para os ajustes necessários de adequação de linguagem. De um lado, Denise precisou trazer ao orientador conceitos de anatomia e fisiologia; de outro, Jorge Humberto Nicola repassou os ensinamentos da área da física.

Otorrinolaringologista graduada na Unicamp em 1997, Denise acredita que os questionamentos abertos pela pesquisa podem resultar em novas abordagens no futuro, mesmo ponderando que seu trabalho não tem uma base experimental e está alicerçado no desenvolvimento de conceitos. “O estudo pode auxiliar não só no advento de novas próteses, sobretudo aquelas implantadas no ouvido médio, como também no diagnóstico e no desenvolvimento de alguns tipos de tratamento”.

As pesquisas só não avançaram mais, revela a pesquisadora, porque não há, no Brasil, um laboratório de biofísica equipado para a realização de testes mais acurados. “Alguns grupos do exterior, sobretudo na França e no Japão, já desenvolvem pesquisa nessa linha”. Entretanto, ressalta, a falta de aparato tecnológico não será empecilho para que surjam os frutos do “trabalho-semente”. O primeiro passo, que foi a descrição detalhada do fenômeno e suas variantes, já foi dado. Daqui para a frente, prevê Denise, a caminhada será muito longa. Nada que a esmoreça. “Acreditamos nessa semente”.


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