Edição nº 533

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de julho de 2012 a 05 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 533

Compensação de carbono
envolve toda a comunidade


Continuação da página 5

A maré estava excelente para o camarão, mas não era dia de pesca para o caiçara Rubens da Silva. Abatido por uma forte gripe, Rubinho costurava calmamente sua rede no barco “Gisele”, enquanto aguardava a chegada de turistas para um passeio pelas ilhas de Paraty. 

Apesar da “maré boa”, o caiçara, que tem mais de 25 anos de pesca, se queixa da falta de peixes na costa. “Da época em que eu pescava, quando tinha 15 anos, para hoje em dia, mudou muito. Aqueles cardumes de budião, salema, sargo, esses peixes de pedra que hoje a gente só vê nos programas de televisão, tinham direto aqui. Eu não sei o que aconteceu, mas acabaram para nós... Até aquelas estrelas da pedra, se você procurar, vai encontrar muito pouco”, lamenta. O jeito, conforma-se Rubinho, é recorrer ao turismo, que estava fraco às vésperas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que lotou a cidade com turistas de todo o mundo no início de julho.

Atento ao público que o evento internacional traria, o marinheiro Elton Dutra de Medeiros caprichava na limpeza do seu barco “RPM”, ancorado ao lado de “Gisele”. Ao contrário de Rubinho, Elton tem concentrado suas atividades nos últimos anos muito mais no turismo do que na pesca. Ele foi o primeiro dono de embarcação turística a aderir ao Programa Carbono Compensado do Lepac. O marinheiro compensou as emissões do seu barco replantando 40 mudas nativas em uma área degradada de Paraty, o único município do Brasil a fazer compensação de carbono de suas embarcações.

Paraty é também cidade piloto da campanha global Passaporte Verde, iniciativa internacional das Nações Unidas incorporada pelo governo federal para estimular o turismo sustentável. A campanha, que chancelou o Carbono Compensado do Lepac, visa orientar os turistas sobre a proteção e cuidados ao meio ambiente.

“Moramos num local com várias áreas de preservação ambiental, que é exatamente o que atrai o turista para cá. A primeira coisa que os turistas estrangeiros falam quando vêm a Paraty é que conseguimos preservar muito bem nossas matas e o conjunto arquitetônico. Além de contribuir para o meio ambiente, a Compensação do Carbono traz muita visibilidade, principalmente para o turismo”, argumenta Elton, que é vice-presidente da Associação dos Barqueiros Particulares.

O Programa Carbono Compensado já possibilitou o plantio de 8 mil árvores no município, com a certificação de mais de uma dezena de embarcações, empresas e instituições de Paraty. “O mercado de carbono ganhou vulto mundial com a determinação do Protocolo de Kyoto de que os países desenvolvidos teriam de reduzir suas emissões de gases de efeito de estufa. Os países em desenvolvimento, como Brasil, China e Índia, não são obrigados a reduzir suas emissões, mas têm participado do chamado mercado voluntário”, contextualiza o docente Carlos Andrade.

A iniciativa Carbono Compensado teve início em 2009, a partir de uma disciplina de educação ambiental do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp ministrada pelo professor Andrade no Lepac. O foco inicial do programa foi o plantio de árvores às margens da BR-101, num projeto já existente no município. “A partir de 2001, com o apoio da Prefeitura e da SOS Mata Atlântica, a cooperativa de jardineiros locais e moradores voluntários começou a realizar plantios em trechos da rodovia, de modo a criar uma faixa de proteção para a mata remanescente, evitando queimadas. O projeto foi coordenado pelo engenheiro agrônomo e conselheiro do Lepac Sílvio Velloso, da empresa Flora Paraty, uma das principais parceiras nossas. A estimativa até o momento é que as duas iniciativas tenham culminado no plantio de mais de 20 mil mudas”, explica Andrade.

De acordo com ele, dados do Corpo de Bombeiros local indicam que a arborização do trecho da rodovia tem surtido efeito, diminuindo as queimadas. Os números fornecidos pela corporação apontam uma queda significativa – de 100 queimadas, em 2005, para 26 até o primeiro semestre deste ano. “O plantio de árvores às margens da estrada evita, pelo sombreamento, a existência do capim seco, vegetação na qual o fogo encontra condições muito fáceis de se alastrar. Temos trabalhado também com a educação ambiental, instalando placas de conscientização para os usuários da rodovia e envolvendo alunos das escolas da região e moradores de comunidades adjacentes à estrada”, relata.

A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente de Paraty foi uma das primeiras instituições a compensar suas emissões. Atualmente, o Lepac fornece bolsas a estudantes e pesquisadores que desejam atuar no Programa, por meio de parceria com o Instituto Arruda Botelho. “Nós queremos conhecer o impacto poluidor das emissões de CO² na região e, ao mesmo tempo, oferecer uma alternativa para compensar estas emissões. E a certificação é justamente o reconhecimento em forma de estímulo”, ressalta o docente.

Empresas, escritórios e até mesmo residências podem aderir ao programa, informa. “Nossos bolsistas obtêm informações do estabelecimento e das atividades, como consumo de energia, produção de lixo, entre outras. A partir disso, são feitos os cálculos de quanto carbono a empresa ou atividade emite anualmente, e quantas árvores são necessárias plantar para efetuar a compensação”, esclarece.

No momento atuam no projeto os alunos da Unicamp Vanessa Myho Makiyama, do Instituto de Artes (IA), e Thierry Marcondes e Yuri Riberti, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). Também são bolsistas os biólogos e pesquisadores Jaime Lima Rodacoski e Manoela Brazil. Os trabalhos dos bolsistas serão apresentados no 2º Congresso Paulista de Extensão Universitária, que será realizado em agosto na cidade de São Paulo.


Biodiversidade

Preservação é a palavra de ordem em Paraty. Fundada em 1667 ao redor da Capela Nossa Senhora dos Remédios, a cidade detém um dos mais relevantes patrimônios arquitetônicos do país, com conjunto de casarios convertido a monumento nacional em 1966. No plano ambiental, o município é recoberto por mata atlântica primária, com rica diversidade de animais e espécies.

O pesquisador Carlos Andrade explica que a região entre Paraty e Angra dos Reis está entre as 34 hotspots de biodiversidade do mundo, eleitas pela organização Conservation International (CI). O conceito de hotspots foi criado pelo ecólogo inglês Norman Myers para determinar as áreas prioritárias para preservação da biodiversidade no planeta.

“O município é preservadíssimo”, resume Andrade, citando a quantidade de unidades de conservação e áreas de proteções atuantes na cidade. “Nós temos a Área de Proteção Ambiental [APA] de Cairuçu, a Reserva Ecológica da Juatinga, o Parque Nacional da Serra da Bocaina e o Parque Estadual da Serra do Mar, além de um escritório do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade”, revela.

A atuação do Lepac permitiu, segundo o docente, a conquista de assentos importantes no conselho de algumas destas unidades de preservação, como na APA de Cairuçu e no recém-criado Comitê da Região Hidrográfica da Baia de Ilha Grande. De caráter deliberativo, o Comitê foi empossado no final de fevereiro último pelo secretário estadual de Meio Ambiente do Rio de Janeiro, Carlos Minc. O Conselho é o nono e último criado no âmbito estadual.
 

Linhas de pesquisas

Toda a biodiversidade existente na região impõe o estabelecimento de áreas prioritárias para a pesquisa, defende o biólogo Eduardo Godoy, chefe da APA de Cairuçu, uma das mais atuantes unidades de conservação do município. “Vivemos num momento de correr contra o relógio para as questões ambientais. Queremos sensibilizar pesquisadores e estudantes de universidades para atuarem em pesquisas mais aplicadas que possam facilitar as gestões das unidades de conservação”, demanda. 


“Uma atividade que se faz muito pouco aqui, por exemplo, é o monitoramento da biodiversidade. Trabalhamos muito com fiscalização, buscando minimizar um impacto ou uma irregularidade ambiental, mas o objeto nós medimos muito pouco. É certo que as instituições de meio ambiente do Brasil ainda estão se estruturando. Portanto, em algum momento, temos que fazer o monitoramento da biodiversidade e saber, por exemplo, se as espécies bioindicadoras estão aumentando ou diminuindo. Pode até ser que alguns laboratórios de universidades tenham pesquisas sobre isso, mas é tudo muito pontual”, opina.


Turismo e desafios

Ao falar dos desafios ambientais do município, o chefe da APA cita o problema do tratamento e da deposição final do lixo da cidade, lançado em uma área de Mata Atlântica, contaminando manguezais e águas subterrâneas. O fato gerou uma ação civil pública movida contra o município pelo Ministério Público Federal do Rio de Janeiro. “Este lixão está à beira de um caixetal, que tem a vegetação de transição entre a mata atlântica e o manguezal. Todo este chorume está drenando para o manguezal, onde são criadas muitas espécies de peixes. É um berçário que está sendo impactado diretamente pelo chorume, com lixo residencial, mas com metais pesados também. E, justamente pela falta destas linhas prioritárias de pesquisas, nós estamos perdendo a oportunidade de medir o impacto que o lixão está causando e como que isso vai refletir no ambiente”, critica Eduardo Godoy.

Paraty vive há alguns anos um ciclo do turismo muito intenso, afirma o biólogo chefe da APA de Cairuçu. “Isso começou na década de 1970 e se intensificou com a construção da BR-101. Assim como o município vivenciou o ciclo do ouro e do café, agora é a vez do turismo. Isso gera um processo de venda de terrenos e especulação sobre a terra. O Estado do Rio de Janeiro está numa bolha imobiliária muito forte. Essa ocupação, que já é desordenada, tende a ficar pior se a sociedade não se organizar. Tem agora também a duplicação da BR…”, receia Eduardo Godoy, referindo-se ao projeto em execução do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT)  para duplicar o trecho da Rodovia Rio-Santos entre Paraty e Angra dos Reis.

A partir da década de 1970 alguns empreendimentos de luxo começaram a ocupar a costa do município, estabelecendo praias “privativas”. O caso mais notório em Paraty é do Condomínio Laranjeiras, construído no distrito de Trindade dentro da Reserva Ecológica da Juatinga.

Outra preocupação futura dos moradores é que a extração da camada do pré-sal na costa do município impulsione novas ocupações desordenadas junto à Serra do Mar. De acordo com a jornalista Lia Capovilla, membro do conselho gestor do Lepac, o temor principal é com os trabalhadores que terão que se fixar para a prospecção do petróleo. “Há possibilidade de um impacto social também, com aumento da população, que virá para este novo setor industrial petroleiro que está se começando a criar aqui na baía. Nós estamos muito preocupados com isso”, acrescenta Capovilla, produtora de conteúdo da empresa provedora de internet Paraty.com, que mantém parceria com o Lepac.


Laboratório é administrado por conselho gestor

Além das ações ambientais, o Lepac desenvolve outras atividades no município, como o Projeto Arte e Cidadania nas Ruas de Paraty. Com a participação da comunidade e da artista plástica local Adriana Cruz, foram promovidas intervenções em bairros da periferia, com a criação de murais e pinturas em espaços públicos da cidade.

O Laboratório de Extensão da Unicamp foi criado e idealizado, inicialmente, como um Centro de Pesquisa em Construção Naval e Artes, ligado ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Seu mentor foi o professor Álvaro de Bautista, construtor naval, artista plástico e docente do IA.

A partir de 2008, o Lepac passa a se vincular à Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac). O prédio do Laboratório foi cedido em comodato pelo arquiteto e empresário Tymur Klink, irmão do navegador Amir Klink. O local também abriga as sedes do Instituto para a Pesca, Diversidade e Segurança Alimentar (FIFO) e do Laboratório de Capacitação de Pescadores Artesanais (Capesca), ambos coordenados pela pesquisadora da Unicamp Alpina Begossi.

O Lepac é administrado por um conselho gestor com representantes da Unicamp, da comunidade e do poder público de Paraty. 

 

 

  

 

PARA SABER MAIS

 Pesquisadores, docentes, estudantes, instituições e empresas interessadas em participar e apoiar os projetos e programas do Laboratório podem entrar em contato com o conselho gestor por meio do endereço https://www.preac.unicamp.br/lepac/