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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 30 de julho de 2012 a 05 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 533Vem aí a segunda geração do etanol
Pesquisadores da FEQ aprimoram as etapas de produção do “novo” biocombustívelTese de doutoramento de Sarita Cândida Rabelo, intitulada “Avaliação e otimização de pré-tratamentos e hidrólise enzimática para a produção de etanol de segunda geração”, defendida na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, analisou os desafios e perspectivas da produção de etanol de segunda geração no Brasil, aprofundando as avaliações de uma solução inovadora proposta no seu mestrado para a etapa do pré-tratamento. O estudo, orientado pelos professores Aline Carvalho da Costa e Rubens Maciel Filho, buscou aprimorar as etapas do processo produtivo, através do emprego de novas tecnologias. “No trabalho, nós utilizamos o conceito de biorrefinaria, cuja proposta é aproveitar os resíduos gerados pela produção do etanol celulósico para a fabricação de outros produtos, como o biogás”, explica a autora, que contou com bolsa de estudo concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A pesquisa de Sarita Rabelo recebeu o Prêmio Capes de Tese 2011 na área de Engenharias II.
No trabalho, Sarita Rabelo analisou três etapas da produção do etanol de segunda geração, aquele obtido a partir do bagaço de cana (biomassa): pré-tratamento, hidrólise enzimática e fermentação. Na primeira, Sarita Rabelo empregou o peróxido de hidrogênio alcalino e o hidróxido de cálcio para o pré-tratamento do bagaço. “Ambos os reagentes apresentaram bom desempenho, possibilitando a liberação de açúcares fermentescíveis [fermentáveis] a partir do bagaço de cana. Desta forma, foi possível produzir em torno de 240 a 250 litros de etanol por tonelada de biomassa, após as etapas de hidrólise e fermentação”, informa a professora Aline Carvalho da Costa. Em relação à segunda fase, Sarita Rabelo otimizou a carga enzimática e avaliou o impacto do aumento na concentração de sólidos. Na terceira, aperfeiçoou a fermentação dos licores resultantes da hidrólise. Estes estudos foram necessários para estabelecer as condições de processo.
O passo seguinte foi produzir o biogás a partir dos resíduos obtidos durante o processo. Para tanto, a lignina, uma macromolécula oriunda do bagaço, liberada no processo de pré-tratamento, foi recuperada. A etapa de produção de biogás foi realizada pela autora da tese na França, no Institut National de la Recherche Agronomique (INRA). “Essa parceria com os pesquisadores franceses, através de um projeto conjunto INRA/Fapesp, foi importante, visto que o conceito que permeou o estudo foi o do aproveitamento de todas as frações do bagaço de cana e, de um forma geral, de resíduos agrícolas. O objetivo é aproveitar ao máximo a matéria-prima e subprodutos, transformando-os em produtos úteis e de valor agregado. Com o etanol de segunda geração, este conceito é fundamental para o sucesso do processo. Há vários produtos que podem ser obtidos a partir dele”, explica a professora Aline Carvalho da Costa.
De acordo com a docente da FEQ, o etanol celulósico precisa ser competitivo se comparado à energia conseguida através da queima do bagaço, processo chamado de cogeração. “A tese da Sarita demonstrou que, para uma tonelada de bagaço, é possível produzir uma quantidade de etanol que corresponde a 33% do valor energético obtido com a queima dessa biomassa. Isso não quer dizer, porém, que a produção do álcool seja inviável economicamente. Em termos econômicos, pode ser melhor produzir etanol, embora ele proporcione menos energia em termos absolutos. Se considerarmos o aproveitamento de todos os resíduos gerados pelo processo, é possível atingir uma recuperação de energia da ordem de 65%, como demonstraram os testes realizados. Esta recuperação pode ser ainda maior se a vinhaça, outro dos subprodutos, também for usada para produzir biogás”, detalha a professora Aline Carvalho da Costa.
Segundo a professora, um ponto importante a ser considerado em relação à produção comercial do etanol de segunda geração é o preço. “Tecnicamente, nós já somos capazes de produzir o combustível em escala laboratorial. Agora, precisamos avançar em direção à escala piloto e, posteriormente, à industrial. O desafio é atingir esses objetivos com preços viáveis e mantendo os volumes já alcançados”, considera a docente da FEQ. Na opinião do professor Rubens Maciel, no campo científico os entraves a serem superados estão relacionados justamente com algumas melhorias na metodologia de produção. O desenvolvimento de processos para a produção de etanol de segunda geração, afirma, envolvem etapas que precisam ser otimizadas de forma integrada, para que haja rentabilidade econômica, atendendo aos conceitos de sustentabilidade.
Por isso, afirma o docente da FEQ, o conceito de biorrefinaria é importante. “Temos que pensar em todas as etapas do processo produtivo, desde a produção da matéria-prima até o uso de todas as frações do material lignocelulósico, incluindo a integração energética e consumo de água e reagentes. O desenvolvimento de processos para o etanol de segunda geração gera uma oportunidade de pesquisa e de modelo de negócio que aumentará a competitividade do etanol de primeira geração. Assim, deve-se pensar de forma integrada para a produção deste biocombustível e de outros produtos de valor agregado. Estes podem ser produzidos a partir do bagaço de cana, em um conceito similar ao que é feito com o uso do petróleo, onde outros produtos químicos são gerados além dos combustíveis normalmente utilizados (gasolina, óleo diesel, GLP)”, comenta o professor.
Para Rubens Maciel Filho, se existe um país que reúne condições favoráveis para a produção em larga escala do etanol de segunda geração, este é o Brasil. “O processo de produção do etanol de primeira geração está bem consolidado no país. Então, se nós resolvermos os desafios tecnológicos já mencionados, nós aumentaremos substancialmente a produção do biocombustível, sem a necessidade de ampliarmos a área plantada de cana-de-açúcar. Nenhum outro lugar no mundo apresenta essas vantagens, uma vez que o acoplamento dos processos de produção do etanol, de primeira e segunda gerações, traz vantagens competitivas significantes. Então, reforçando, se existe um local onde o etanol celulósico pode vir a ser comercial, esse local é o Brasil”, defende.
Conforme o docente, se os obstáculos apontados forem de fato superados, deve ser possível obter entre 30 a 40 litros de álcool a mais por hectare de cana plantado. “Isso significa que o etanol de segunda geração apresenta potencial e perspectivas para ser, sim, economicamente viável e sustentável”. Àqueles que dizem que o processo de produção desse “novo” combustível é muito caro, Rubens Maciel responde com uma analogia. De acordo com ele, se alguém dissesse, há 50 anos, que o petróleo seria extraído da forma como é nos dias que correm, provavelmente todos considerariam que a empreitada seria inviável. “No que se refere ao petróleo, antigamente nós empregávamos uma quantidade de energia para recuperar 100. Hoje, empregamos uma para recuperar dez. Ora, nessa proporção de um para 10 o etanol já pode ser considerado competitivo”, analisa Rubens Maciel, acrescentando que a produção de álcool combustível contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa, visto que a cana utiliza o dióxido de carbono (CO2) para poder se desenvolver.
Questionado sobre quando as primeiras plantas pilotos poderiam entrar em operação no Brasil para testar a produção do etanol de segunda geração em escala ampliada, e assim permitir uma análise econômica mais precisa, o coorientador da tese diz que isso deve acontecer dentro de 18 a 24 meses. Rubens Maciel lembra que o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), onde Sarita Rabelo trabalha atualmente e onde ele e a professora Aline Carvalho da Costa atuam como pesquisadores de laboratório associados, já conta com esse tipo de estrutura, que está em fase de homologação. “Quando a unidade entrar efetivamente em operação, nós teremos como avaliar as várias rotas de produção do etanol de segunda geração, o que nos permitirá discriminar aquelas mais viáveis economicamente”, adianta.
Instalado em Campinas, o CTBE desenvolve cinco programas de pesquisa voltados às áreas agrícolas, industrial, avaliação tecnológica, sustentabilidade e ciência básica. São aproximadamente 85 profissionais, entre biólogos, físicos, químicos, engenheiros e técnicos, que vêm trabalhando com diferentes temas relacionados ao etanol, inclusive o de segunda geração, em colaboração com universidades e institutos de pesquisa, entre eles a Unicamp. O Programa de Avaliação Tecnológica, por exemplo, elaborou uma estratégia de mensuração do sucesso dos seus desenvolvimentos tecnológicos. Para isso, o Centro construiu uma plataforma de simulação computacional, chamada Biorrefinaria Virtual de Cana-de-açúcar (BVC), capaz de avaliar a integração de novas tecnologias em toda a cadeia produtiva da cana/etanol.
A professora Aline Carvalho da Costa assinala que o etanol de segunda geração tem a mesma qualidade e valor energético do que o de primeira geração. “Ambos são a mesma molécula. Se analisarmos os dois quimicamente, vamos ver que é impossível determinar qual veio da fermentação do caldo da cana e qual veio do hidrolisado do bagaço”, garante. Em relação ao biogás que pode ser obtido a partir do aproveitamento dos resíduos, a autora da tese considera que ele pode vir a ser aproveitado pelas próprias usinas sucroalcooleiras para movimentar seus equipamentos, no lugar da energia proporcionada pela queima do bagaço. “O eventual excedente pode ser vendido para a concessionária de energia”, diz Sarita Rabelo. Segundo a orientadora do trabalho, o biogás é similar ao gás natural. “É um combustível que tem uma série de aplicações, inclusive para abastecer veículos. Na França, o produto é usado para movimentar os ônibus que operam no sistema de transporte público”, informa.
Tão importante quanto contribuir para o desenvolvimento de novos conhecimentos e tecnologias, pesquisas como a voltada à produção do etanol de segunda geração são fundamentais para o treinamento e formação dos alunos de pós-graduação da FEQ, como enfatizam Rubens Maciel e Aline Carvalho da Costa. “A formação de recursos humanos qualificados é a nossa principal missão. Nesse sentido, temos tido bastante sucesso. Nossos alunos não estão encontrando dificuldades para arranjar boas colocações no mercado de trabalho”, destacam os professores.
- Publicações
RABELO, S.C.; CARRERE, H.; MACIEL FILHO, R.; COSTA, A.C. Production of bioethanol, methane and heat from sugarcane bagasse in a biorefinery concept. Bioresource Technology, v. 102, p. 7887-7895, 2011.
RABELO, S.C.; AMEZQUITA FONSECA, N.A.; ANDRADE, R.R.; MACIEL FILHO, R.; COSTA, A.C. Ethanol production from enzymatic hydrolysis of sugarcane bagasse pretreated with lime and alkaline hydrogen peroxide. Biomass & Bioenergy, p. 2600-2607, 2011.
FUENTES, L.L.G.; RABELO, S.C.; MACIEL FILHO, R.; COSTA, A.C. Kinetics of Lime Pretreatment of Sugarcane Bagasse to Enhance Enzymatic Hydrolysis. Applied Biochemistry and Biotechnology, v. 163, p. 612-625, 2011.
- Patente
RABELO, S.C.; MACIEL FILHO, R.; COSTA, A.C. Processo de pré-tratamento e hidrólise de biomassa vegetal lignocelulósica e produto para a produção industrial de álcoois. 2008. PI0802559-2 A2