Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 30 de julho de 2012 a 05 de agosto de 2012 – ANO 2012 – Nº 533Quarteto intercontinental discute estratégia para
segurança energética
CEAv participa de workshop que reúne “think tanks” de quatro continentes
Para contribuir em uma iniciativa que seus organizadores consideram um “quadrílogo” estratégico, o GIBSA – sigla para Alemanha, Índia, Brasil e África do Sul em inglês – fui convidado, como representante do Grupo de Estudos Brasil-China do CEAv, para expor sobre a participação da América do Sul nas questões de impacto sobre a ordem internacional, com o tema “América do Sul, criadora de caso ou quebra-galho?”. O workshop reuniu, nos dias 26 e 27 de junho, no Rio de Janeiro , especialistas da Fundação Hanns Seidel, filiada ao Partido Social Cristão da Bavária, principal financiadora do projeto; do Institute of Peace and Conflict Studies, da Índia; do Institute for Security Studies, da África do Sul, e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, um “think tank” fundado por ex-diplomatas brasileiros.
As discussões envolveram desde temas mais abrangentes, como os limites para conciliar as agendas internacionais entre múltiplos países interessados, ou como o histórico de atuação dos países incluídos no GIBSA nas discussões sobre mudança climática, até análises comparativas sobre o contexto da segurança energética nos países do quarteto e o lugar da geopolítica de energia em um mundo sustentável.
Um aspecto controverso, que motivou o debate no workshop, foi o da enorme discrepância entre as expectativas criadas nas discussões sobre meio ambiente e mudanças climáticas – que envolvem uma verdadeira revolução nos costumes, e não apenas decisões governamentais – e a natureza do processo negociador, que é limitado a pequenos avanços, alcançados por consenso. Outro foi a impossibilidade prática de conciliar todas as posições, uma vez que as partes são muito numerosas e as diferenças de perspectivas são gigantescas, o que sugeriria, como melhor opção, a busca de acordos limitados entre pequenos “clubes” com visões convergentes.
As discussões comparativas mostraram muitas disparidades entre os GIBSAs, e não apenas em termos de dimensões territoriais, de população e de estágio da economia. A Alemanha, mais rica e detentora do melhor desempenho em inovação tecnológica, é totalmente dependente em petróleo, principalmente da Rússia, um fornecedor nem sempre confiável, que não percebe a questão energética como um problema de segurança, mas sim de comércio. Por outro lado, é o país que mais avançou na transição para uma matriz energética menos agressiva ao meio ambiente e mais apoiada em recursos renováveis.
O Brasil, por sua vez, é o menos sujeito a insegurança energética, por causa de seu imenso potencial hídrico, combinado com alta eficiência na produção e conversão de biomassa em diversas formas de energia. Por outro lado, o país apresenta níveis alarmantes de ineficiência e de desperdício.
Outro aspecto comparativo importante levantado foi a divergência geográfica entre produção e consumo de energia. O consumo de petróleo, que é o núcleo definidor da matriz energética global, concentra-se praticamente no hemisfério Norte, predominantemente na América Setentrional e na Europa Ocidental, enquanto a produção se distribui sobretudo em áreas de consumo muito inferior, como a Ásia, o Oriente Médio, a África e a América do Sul (Venezuela), geralmente regiões pouco estáveis politicamente.
Esse quadro geopolítico está mudando rapidamente, na medida em que o consumo fora do eixo do Atlântico Norte está crescendo de maneira exponencial, graças ao que se convencionou chamar de Século da Ásia. Por outro lado, a América do Sul apresenta hoje o maior potencial de crescimento da oferta de petróleo, graças inclusive às promessas do pré-sal, pois apresenta a melhor relação entre produção e reservas, isto é, as reservas são desproporcionalmente maiores do que a produção atual.
Um fato novo, nessa distribuição geopolítica de produção e consumo, é o rápido crescimento da importação de petróleo sul-americano pela Ásia – leia-se da Venezuela e do Brasil para a China. Caso continue se desenvolvendo, esse processo diminuiria a insegurança chinesa com relação à instabilidade política de seus maiores fornecedores – o Oriente Médio. Curiosamente, se assim for, o aumento da dependência brasileira de exportações de commodities para a China poderia tornar-se um elemento de alavancagem dos interesses brasileiros nas suas relações econômicas com aquele país.
Essa vantagem comparativa do Brasil esbarra, entretanto, em suas desvantagens competitivas. Como poderia o país, sem drásticas mudanças em seu processo pouco consistente de decisão estratégica e sem aumentar a eficiência da gestão pública de sua infraestrutura, hoje incompatível com sua participação na economia global? Os obstáculos a serem superados para tornar a infraestrutura de transportes e portuária mais eficiente, e para equipar a indústria para a produção dos três milhões de barris diários de seu potencial estimado, são imensos.
Se vier a superar esses obstáculos, o Brasil poderá liderar, na América do Sul, a transição para uma matriz energética mais limpa e menos instável politicamente, porque tem um setor bem desenvolvido de energia de fontes renováveis, e um enorme potencial de petróleo.