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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 25 de março de 2013 a 25 de março de 2013 – ANO 2013 – Nº 555Da selva de pedra ao paraíso perdido
Tese investiga a construção de imagens da natureza nos anúnciospublicitários do mercado imobiliário
Pelo menos desde os anos 1970 assiste-se à emergência de uma “onda verde”, expressa através da questão ambiental e da procura por uma “melhor qualidade de vida”. A contemporaneidade elege o “retorno à natureza” como um de seus axiomas, tendo a questão ecológica destaque especial no discurso de suas representações simbólicas, enfoque especialmente presente na publicidade e no turismo.
Centrada no mercado imobiliário considerado de alto-padrão na cidade de São Paulo, uma tese desenvolvida no Instituto de Artes (IA) procura recortá-lo em duas diferentes temporalidades: as décadas de 1970 e 2000, interpretando e contrastando os anúncios e catálogos impressos desse mercado nesses dois períodos. O trabalho foi desenvolvido por Carlos Eduardo Paranhos Ferreira, bacharel em comunicação social, com especialidade em cinema, com orientação do professor Ivan Santo Barbosa.
Com o recorte temporal, o autor procurou analisar as décadas de 1970 e 2000. Os anos 70 podem ser vistos como aqueles nos quais começa a se disseminar a ideia de “selva de pedra” e se distinguem pelo início do interesse pelas áreas verdes e pela qualidade de vida e marcam a emergência de uma onda verde que revela o desejo de retorno à natureza. Os níveis de poluição eram altíssimos, sem nenhum mecanismo de controle, tanto que indústrias e carros não utilizavam ainda catalizadores.
Já a partir do primeiro decênio do novo milênio, o marketing do mercado imobiliário passa a enxergar o elemento verde como uma nova commodity na comercialização de imóveis de alto padrão, aparentemente pretendendo recuperar a ideia de paraíso perdido. Paulatinamente, esse imaginário se transfere para as demandas imobiliárias de outras classes sociais menos sofisticadas e de menores condições financeiras. Com o estudo, diz o autor, “pretendi registrar a cambiante representação de natureza no mercado imobiliário da cidade de São Paulo”.
Ele explica que a tese teve como objetivo principal entender a construção de imagens da natureza nos anúncios publicitários desse mercado, que de certa forma traduzem o imaginário contemporâneo na busca de um paraíso perdido e de um axis mundi, um eixo do mundo, local onde se pode estar em equilíbrio e em comunhão com os deuses: “São elementos de apelo e de sedução constantes no marketing desses empreendimentos imobiliários”, constata.
Movido por experiências adquiridas ao longo do mestrado, também realizado na Unicamp, o autor teve o interesse despertado por questões envolvendo a cidade de São Paulo. Chamou-lhe particularmente a atenção a representação recorrente da natureza nos anúncios do mercado imobiliário de alto padrão. Uma certa ideia de natureza evidenciava o imaginário contemporâneo na construção de paisagens idílicas e edênicas, ou seja, as imagens utilizadas remetem a temas bucólicos e pastoris e a uma espécie de retorno ao Éden, o paraíso perdido. Embora a pesquisa tenha sido feita com base na cidade de São Paulo, ele acredita que os seus resultados podem ser aplicados em todo o país, especialmente em locais de significativa presença da classe média: “Como estamos tratando de um desejo de natureza e do elemento verde, expressos nos anúncios publicitários, essa ideologia emocional aparece inclusive em cidades menores e em outras regiões do país”, afirma.
Para o pesquisador, a crescente valorização da natureza, que se irradia para diferentes esferas da sociedade, proporciona a criação de uma série de produtos a partir dos quais se pretende legitimar um caráter de “natural” em sua composição, feitura e distribuição. Em consequência dissemina-se uma gama de bens e serviços constitutivos de uma “ideologia do verde”, presente nas mais diferentes indústrias: da alimentação, do vestuário, da higiene e dos cosméticos, dos esportes, do entretenimento, do lazer e do turismo. As “mercadorias verdes” parecem atender a uma demanda por um espaço diferenciado do ponto de visto sócio ambiental e ecológico, garantindo, assim, o acesso ao mito da “qualidade de vida”. Dessa forma, segundo ele, dissemina-se o conceito de uma “economia verde”, que se manifesta também no mercado imobiliário.
O trabalho também procura mostrar que está em curso um fenômeno que pode ser chamado de “rurbanização”, resultante do crescimento de extensas áreas que se urbanizam além dos limites urbanos e terminam por misturar-se aos espaços rurais, determinando grandes conurbações. Nesse processo, as atividades desenvolvidas nas áreas rurais se integram cada vez mais com os espaços urbanos criando uma simbiose entre campo e cidade.
Este fenômeno não se restringe apenas às megalópoles e verifica-se em cidades menores. Essa integração de espaços urbanos e rurais promove novas atividades econômicas que se desenvolvem de forma interurbana nas fábricas deslocadas para os interstícios urbano-rurais, nos entrepostos comerciais, nos armazéns, nos centros comerciais, nos parques temáticos, nas atividades de lazer e de turismo. Resulta daí uma sinergia cada vez mais intensa entre esses espaços. Como exemplos o pesquisador cita originalmente o caso das cidades do ABCD e mais recentemente os espaços situados entre São Paulo e Atibaia, Bragança, Sorocaba, Itu, Jundiaí, Valinhos, Vinhedo, Campinas, Jaguariúna e ainda as cidades interligadas ao longo da Via Dutra.
DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
O pesquisador constatou que o apelo à natureza é comum aos anúncios das duas épocas confrontadas. Nos anos 70, a natureza está bastante ligada às ideias de contracultura do movimento hippie que preconiza a volta ao campo e a uma vida comunitária. Já nos anos 2000 o apelo ao verde está mais ligado à ideia de qualidade de vida que deve ser exercida em espaços exclusivos e autossegregados, como os condomínios de alto padrão. O escopo é o da constituição da metacidade, uma cidade dentro da cidade, que oferece serviços diversos ao morador, possibilitando-lhe autonomia nessas ilhas de excelência.
Nos anúncios analisados, a “selva de pedra” dos anos 70 é retratada através da utilização de matizes de cinza em contraposição à policromia dos anos recentes. Esse, diz o pesquisador, parece ser um constructo do urbano contemporâneo da cidade de São Paulo, sugerindo um processo de intensa transformação. Com efeito, à medida que a maior preocupação com o meio ambiente resulta em uma ampliação e incorporação de novas áreas verdes reais ou imaginarias à cidade, esse cromatismo se reflete nos folders, que do cinza vão à policromia. O que antes era visto como o estereótipo de uma cidade sempre cinza e nublada ganha agora a conotação, não menos estereotipada, de uma cidade que vive em comunhão com seus parques, jardins e áreas verdes. Se nos anos 70 os empreendimentos privilegiavam a técnica e o material empregado, os do novo milênio destacam especialmente a “simbologia do verde”.
Embora o marketing de empreendimentos de padrão superior destaque a oferta de equipamentos e espaços para esporte, lazer, fitness, gastronomia, reforçando a oferta de uma ilha autossuficiente, esse somatório de disponibilidades oferecidas é sempre emoldurado por uma idealização de espaços verdes.
A proximidade de outras áreas verdes é mais um entre vários elementos que pretendem valorizar o imóvel situado em áreas privilegiadas em que o verde está ao alcance de quem almeja a tão propalada qualidade de vida, longe de quaisquer tipos de poluição.
O autor lembra ainda que a preocupação em destacar a centralidade do empreendimento, o acesso fácil, a proximidade do transporte, particularmente o metrô, leva à utilização nos impressos de mapas esquemáticos de localização, simplificados e com fotos ilustrativas que não correspondem às escalas reais.
Na essência, a tese trabalha com o poder de sedução que os anúncios procuram expressar. Detém-se na falta e na distância da natureza que a publicidade constrói como mito e linguagem, que evidenciam essas carências e esse desejo de natureza. Diante da escassez do verde, a lógica publicitária propaga e publiciza uma ideologia emocional e de mercado em constante processo de expansão. “Quanto menos se tem dessa preciosa mercadoria tanto mais ela é apregoada, espelhada e espalhada e seus signos produzidos e consumidos, ao menos simbolicamente”, constata o autor.
MERCANTILIZAÇÃO
Carlos Eduardo considera que a análise dos dados indica que a busca pelos ideais de uma centralidade, de um axis mundi, expressos também pelo caráter idílico e edênico das paisagens urbanas – intrínsecos à construção da imagem nos anúncios publicitários – se direciona ao que é relevante para o habitante da grande metrópole: estar próximo das grandes artérias, do lazer, dos parques, do comércio e do transporte diferenciado, preservando para si a individualidade de um espaço exclusivo e aprazível junto à natureza, em concordância com os conceitos globais que mercantilizam tudo e a todos. A valorização dessa centralidade é diretamente proporcional à contiguidade de áreas verdes e constitutivas de “paisagens de poder”. Estes espaços privilegiados de certos segmentos sociais, segregados e encastelados, delimitados muitas vezes pela criação de uma fronteira verde, configuram as metacidades.
A paisagem é, antes, o produto de um imaginário construído segundo uma sacralidade ancestral perdida, desejosa de restabelecer-se através da manifestação do sagrado presente na ideia de Centro do Mundo, pois “viver perto de um Centro do Mundo equivale em suma a viver o mais próximo possível dos deuses”, diz ele citando Mircea Eliade. Na grande metrópole paulistana o centro do mundo está nas zonas nobres, preferencialmente junto aos grandes parques, como Ibirapuera, Villa-Lobos, Aclimação, Parque do Carmo, próximo aos serviços (shoppings), às grandes artérias e ao metrô. Ele acredita que o estudo possa contribuir para uma reflexão sobre as expectativas, soluções e encaminhamentos adotados pela sociedade contemporânea e pelo mercado imobiliário para atender a propósitos mercantis e, ainda, sobretudo, para as análises feitas à luz da antropologia visual e da semiótica. Espera, também, que as suas conclusões possam permear as discussões contemporâneas não apenas dos administradores públicos mas também particularmente da população, de forma a possibilitar-lhe o desenvolvimento de uma cidadania que reflita e influa nas políticas públicas e nas questões urbanas.
Publicações
Tese: “Natureza e cidade: A conceituação e o tratamento do residencial na publicidade imobiliária – análise contrastiva, décadas de 1970 e 2000”
Autor: Carlos Eduardo Paranhos Ferreira
Orientador: Ivan Santo Barbosa
Unidade: Instituto de Artes (IA)
Comentários
TESE CARLOS EDUARDO PARANHOS FERREIRA
Muito interessante a abordagem dada pelo Autor num assunto há muito ddiscutido pela Geografia.
Foi muito interessante o autor ter feito uma abordagem do tema por meio de signos usados na comunicação (marketing).
Como foi citado pelo autor o uso de mapas esquemáticos nas propagandas, fica minha sugestão para que em estudos futuros o tema central apresentado possa ser abordado estudando-se a representação espacial dele.