Edição nº 563

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de junho de 2013 a 09 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 563

Dissertação destaca o papel do
Cepetro na indústria do petróleo

Estudo considera “positiva e desmistificadora” parceria
entre Centro da Unicamp e Petrobras

O Cepetro (Centro de Estudos do Petróleo) da Unicamp foi criado em 1987, com o objetivo de capacitar recursos humanos com conhecimentos específicos para atuar na indústria de petróleo nacional. O Centro nasceu de um convênio entre a Petrobras e a Unicamp e, desde sua fundação, mantém uma parceria considerada “positiva e desmistificadora”, na opinião de Giovanna Guimarães Gielfi, autora da dissertação “O papel da universidade no sistema setorial de inovação da indústria do petróleo: o caso do Cepetro”. O trabalho foi apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências (IG).

“O caso do Cepetro pode ser visto de forma positiva, ajudando a desmistificar a relação universidade-empresa. Ensino e pesquisa não são excludentes, mas se retroalimentam”, afirma a autora. Giovanna pesquisou a história do Cepetro e da Petrobras, e também aprofundou seus conhecimentos sobre o papel da universidade e dos sistemas de inovação, além do setor do petróleo desde a década de 1930, bem antes da criação da Petrobras no segundo governo de Getúlio Vargas.


“O pretróleo é nosso

Em 1953, o país alimentava um “sonho de soberania”. A história da Petrobras, contada por ela própria em seu site, dá conta que, neste ano, a produção era de apenas 2.700 barris/dia. Pouco mais de 1% do petróleo consumido no Brasil era oriundo da produção própria. O óleo e seus derivados eram responsáveis por mais da metade do consumo de energia em todo o território nacional. A partir de 1961 a empresa começou a procurar petróleo no mar.

A criação do primeiro centro de pesquisas da estatal data de 1968, mas foi em 1986, um ano antes da criação do Cepetro, que a Petrobras lançou o Procap – Programa de Capacitação Tecnológica em Águas Profundas (400 metros na época). A Bacia de Campos, no Rio de Janeiro, já estava em atividade e, nesse período, o Brasil já produzia a metade do petróleo consumido. Entre uma fase e outra houve, no entanto, uma imensa crise.


Choques do petróleo

Os antecedentes da cooperação entre Unicamp e Petrobras remetem à década de 1970, quando o Brasil, como o restante do mundo, enfrentou duas crises do petróleo. O país importava quase que a totalidade do óleo cru consumido e, com a alta nos preços imposta pelos países da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), a Petrobras, que atuava principalmente no refino, avançou na direção da pesquisa, visando a exploração e produção de petróleo no país.

“A pouca quantidade do petróleo encontrada no Brasil estava em terra e era de uma viscosidade que não interessava ao mercado de combustível. Até que, com a descoberta a Bacia de Campos, em 1974, abriu-se uma nova fronteira para as atividades de exploração e produção de petróleo, e uma alternativa à dependência do petróleo estrangeiro. Foi quando a Petrobras intensificou seu esforço de capacitação de recursos humanos em nível de pós-graduação e os contratos de pesquisa com as universidades brasileiras”, ressalta a autora.

Giovanna salienta que não havia tecnologia para a exploração do petróleo em águas profundas em nenhum outro país. “O Procap representa um marco, tamanho o esforço e a quantidade de recursos que a Petrobras investiu buscando a cooperação com outras empresas, fornecedores e universidades”. A inflexão na estratégia da Petrobras que se volta para a exploração e produção exige logo de imediato que se formem mestres em engenharia de petróleo. E não havia nenhum curso em toda a América Latina.


Visão estratégica

O projeto do Cepetro previa a criação do curso de pós-graduação no nível de mestrado em Engenharia de Petróleo, apoiado pela estatal e sob responsabilidade da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM). Até então, os recursos humanos empregados pela estatal eram formados fora do país, especialmente nos Estados Unidos. Mas não havia docentes que trabalhassem com o tema na Universidade. A Petrobras atraiu professores de universidades estrangeiras para o Centro e enviou docentes da Unicamp para formação no exterior. Este intercâmbio de profissionais e a troca de conhecimentos foram essenciais para a autonomia do Centro.

“A ideia do convênio era que a Unicamp ‘tomasse para si’ o curso depois de um período seis anos, embora no início a maior parte das vagas tenha sido destinada aos funcionários da Petrobras”, assinala a autora.

Os anos que se seguiram foram de desenvolvimento do Cepetro junto ao setor. Em 1997 houve a quebra do monopólio da Petrobras e a abertura da exploração para outras empresas. Dois novos instrumentos de financiamento da pesquisa foram criados: o Fundo Setorial do Petróleo e a Cláusula do 1%, da Agência Nacional de Petróleo (ANP). “Essas medidas proporcionaram um novo ambiente para as universidades realizarem pesquisa com muito mais recursos disponíveis”, assegura.

O Fundo Setorial destina uma parcela dos royalties para o investimento em Ciência e Tecnologia, sempre em cooperação entre as universidades e institutos de pesquisas. A Cláusula, por sua vez, estabelece a obrigatoriedade do concessionário investir o valor correspondente a 1% da receita bruta de um determinado campo na realização de pesquisa e desenvolvimento, além da aplicação de metade deste valor na contratação de instituições credenciadas pela ANP.

Em razão dos novos instrumentos de financiamento, a partir dos anos 2000 o Cepetro se engajou com maior vigor nas atividades de pesquisa. O número de publicações e convênios aumentou, houve melhoria dos laboratórios e atração de recursos humanos. “A dedicação a uma pesquisa ‘voltada para uma empresa’ poderia significar uma perda da função da Universidade, ou que a Unicamp estivesse deixando de pensar no avanço do conhecimento, mas não. Em vez de prejudicar as atividades acadêmicas, o relacionamento com o setor produtivo permitiu à Universidade ampliar sua participação na execução de pesquisas, melhorar sua infraestrutura laboratorial e assim atrair mais recursos humanos”, observa.

O Cepetro também teve participação importante na discussão de como formatar a regulação institucional do setor para a ANP. Fez inclusive a transferência dos dados que eram da Petrobras, mas que voltariam para o poder da união para as rodadas de licitação da Agência. “Foi um projeto imenso e superestratégico, com o processamento de dados sobre várias óticas: geológica, geofísica, da engenharia e econômica”, detalha.

De acordo com a dissertação, a maior parte das pesquisas do Cepetro hoje tem financiamento de fontes externas, sendo a Cláusula da ANP responsável pelo maior montante. “Entre 2006 a 2012, a Unicamp recebeu R$ 83,8 milhões provenientes da Cláusula. Parte dos recursos foi usada para a construção de laboratórios”. Também em 2012, o Cepetro foi a unidade da Unicamp que mais arrecadou dinheiro para pesquisa de fontes externas em números absolutos.

Giovanna enfatiza que os resultados são consequência ainda do modelo de gestão institucional do centro, uma competência importante que foi desenvolvida. “O Cepetro consegue gerir os contratos de forma rápida e lidando com a burocracia. É um ponto facilitador da relação dos pesquisadores com as empresas”, diz. O Centro tornou-se reconhecido nacional e internacionalmente por sua atuação em pesquisa, apoio ao ensino, e por sua vinculação à demanda tecnológica e de formação de recursos humanos específicos ao setor de petróleo.


Conquistas

Em 2006, o Brasil tornou-se auto-suficiente na produção de petróleo e gás com a produção de 1,9 milhão de barris/dia. As exportações superaram as importações e desde 2007 um novo cenário se projeta para o setor com a descoberta do pré-sal, a sete mil metros de profundidade. Até 2017 a expectativa é produzir um milhão de barris/dia. A participação do Cepetro continua decisiva. “A Unicamp participa das pesquisas. Um exemplo é a Rocha de Travertino, que foi enviada ao Centro e que simula as condições geológicas do pré-sal para estudos aqui em Campinas”, ressalta Giovanna. Um diferencial da dissertação é que muitos estudos da relação universidade-empresa normalmente se voltam para as patentes licenciadas. “Eu preferi não utilizar este parâmetro porque, no Brasil, a normatização da propriedade intelectual nas universidades é muito recente, começa em 2004 com a Lei da Inovação e, na Unicamp. com a criação da Inova (Agência de Inovação Inova Unicamp). A relação da Unicamp com a Petrobras antecede este período e transcende a forma de interação por patentes. Há outras formas que incluem as formas de ciência aberta, que são importantes para a transferência de conhecimento”, afirma.

Giovanna cita o impacto bastante expressivo no meio científico das publicações do centro. Ela acrescenta que as publicações foram citadas em um grande número de patentes que nem mesmo são da Petrobras, fazendo “circular” o conhecimento. “A postura da Unicamp desde o princípio, o respaldo da Petrobras e o próprio arranjo institucional do centro, que permite contornar uma rigidez junto com os mecanismos de financiamento, criaram um ambiente propício para a Universidade atuar na pesquisa em petróleo. Trata-se de um caso muito positivo, que pode servir como exemplo para outras interações”.



Publicação
Tese: “O papel da universidade no sistema setorial de inovação da indústria do petróleo: o caso do Cepetro”
Autora: Giovanna Guimarães Gielfi
Orientador: Newton Muller Pereira
Unidade: Instituto de Geociências (IG)