Edição nº 563

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 03 de junho de 2013 a 09 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 563

Reciclar, a missão de José Maria

Sustentabilidade e preservação ambiental movem ideais de supervisor de seção da Feagri

“Os lixos gerados por nós impactam fauna, flora e espaços de lazer. A falta de educação propiciada pelos adultos é observada pelas novas gerações. Tenho receio dessa prática da cultura do mau exemplo.” Tal preocupação fez de José Maria da Silva, técnico em mecânica geral e pós-graduando em Sistema de Gestão Integrada (SGI) uma das pessoas mais procuradas na região de Campinas principalmente na Semana do Meio Ambiente, a qual abriga o Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho). Mas a agenda e os telefonemas que interrompem a entrevista concedida ao Jornal da Unicamp mostram que o Projeto Recicle, idealizado por ele, tem sido procurado em qualquer momento do ano, o que dá a esperança de que o Brasil, daqui a algum tempo, não precise da Semana do Meio Ambiente para pensar em preservação ambiental.

Depois de sair do ambiente da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) para mostrar ao Brasil as pequenas iniciativas que podem se transformar em ganhos para o ambiente, o supervisor da Seção de Máquinas Agrícolas da Feagri se desdobra entre os eventos programados por escolas, entidades e empresas. Também atende, com satisfação, os pedidos da imprensa para reportagens sobre o tema, já que a proposta do Recicle é levar conhecimento. Sem qualquer retorno financeiro, orgulha-se ao ver garotos como Felipe, estudante do nono ano do Colégio Rio Branco, inspirado no Recicle, tornar-se líder de projeto ambiental em seu ambiente escolar.

Por ter como base a devolução de copos plásticos descartáveis para a sociedade em forma de material escolar (canetas e réguas), vasos, baldes e sacolas, o projeto fez as pessoas perceberem que não precisam ir até o Amazonas para se sentir preservador do meio ambiente. Tudo pode começar em seu espaço de atuação, ao lado de pessoas com as quais se convive diariamente, administrando os resíduos em sua área de trabalho. E foi assim que José Maria foi conquistando adeptos. “É preciso procurar, o tempo todo, reduzir e reaproveitar o que chamamos de resíduo”, salienta. Mas José adverte para a realidade. Mesmo com a dedicação de pessoas como ele, a população ainda descarta muitos resíduos de maneira incorreta. “Setenta por cento de tudo que vai para o aterro sanitário poderia ser reaproveitado”, lamenta.

José conta que somente na Feagri, em três anos, conseguiu recolher cerca de 360 quilos de polipropileno e poliestireno, base dos copos descartáveis de café e água utilizados nas repartições pela praticidade e para atender questões sanitárias.

Esta é sua matéria-prima, mas, na verdade, o consumo de plástico é muito maior se as pessoas pensarem que ele é utilizado para embalar os produtos dispostos no carrinho de supermercado. “Imagine quanto de plástico se carrega num carrinho de supermercado e que será descartado tão logo a compra for guardada no armário? E quanto plástico tem na estrutura dos eletrodomésticos e eletroeletrônicos? As pessoas precisam se preocupar com o que fazer ao final da vida útil desses produtos. Esta é essa minha missão ao ser chamado para um evento ou palestra”, reforça.

Em 2004, enquanto cumpria sua função de desenvolver máquinas para pesquisas para atender alunos, Silva pensava em algo que pudesse também satisfazer sua causa, que é garantir um ambiente propício à qualidade de vida. Para presentear funcionários e professores em um evento, na época, ele e outros profissionais resgataram um mascote não oficial da Feagri (o desenho de uma minhoca) e imprimiram num pires, mas mais que depressa, José Maria propôs um suporte tripé produzido a partir de copos plásticos reaproveitados no próprio ambiente da Feagri para sustentar o objeto. A iniciativa, acredita, instigou alguns colegas a enxergarem a possibilidade de irem adiante na busca de um ambiente preservado. Começou, então, com a ajuda de amigos da área de limpeza e administrativa a coletar os resíduos em plástico gerados na unidade.

Em outra ocasião, em 2006, propôs ao diretor que o brinde de fim de ano fosse um vaso de material reciclado produzido a partir de 16 quilos de copos descartáveis coletados apenas no mês de novembro na faculdade. “Estamos numa universidade ranqueada entre as melhores do mundo, sonhada por todo adolescente que pensa em se qualificar, então é preciso falar em gestão dos resíduos e sustentabilidade”, acentua José, que não perde tempo em lembrar dados como expansão demográfica, acesso a bens de consumo e a consequente geração de resíduos. As questões da degradação ambiental nas últimas décadas, segundo ele, deixam evidente a falta de domínio da situação.

José Maria enfatiza que, apesar de vários convites para palestras, o objetivo do Recicle é a educação ambiental e, desta forma, procura negociar a implantação de um projeto de reciclagem nas empresas. Diante disso, sempre propõe que as empresas envolvam seus colaboradores nestas ações, para que passem a visualizar o resíduo gerado no ambiente, doméstico ou não, como algo com valor econômico. O intuito, segundo José Maria, é a diminuição dos resíduos desprezados. Para revirar a cabeça das pessoas e instigá-las, ele criou um módulo demonstrando todos os processos pelos quais o material passa até chegar ao produto final. “É uma forma de oferecer às pessoas algo para fazê-las entender que fazem parte desse mundo e, por isso, todos nos temos os mesmos direitos ao ar limpo, à qualidade da água, à qualidade ambiental e mais. Esses são aspectos importantes para sermos felizes e vivermos mais”, salienta.

A renda obtida com a venda de produtos em eventos e feiras é revertida ao próprio projeto para garantir sua mobilidade e atendimento às comunidades carentes e escolas públicas. Além do reaproveitamento, o Recicle permite a muitas crianças e adultos desenvolverem suas habilidades artesanais, pintando os vasos, as sacolas e os baldes produzidos. Segundo o supervisor, foi preciso criar uma ferramenta que descobrisse dons e talentos e mexesse com a autoestima das pessoas.

José enfatiza que os órgãos públicos têm de priorizar a aquisição de produtos reciclados ou a ser reciclados, a fim de promover o fomento do processo e a geração de empregos na cadeia da reciclagem, como, por exemplo, o desenvolvimento de cooperativas. Projetos assim, além da redução dos impactos ambientais, podem gerar economia, emprego e renda, segundo José Maria. Para José Maria, a mudança de atitude precisa ser trabalhada todos os dias, pois nos afazeres diários as pessoas esquecem seu compromisso com a natureza a as gerações futuras. O mais difícil, em sua opinião, é tirar as pessoas de seu cotidiano, de sua zona de conforto. O próprio Recicle deixou de existir em 2006, mas foi retomado em um minicurso oferecido por ele no Simtec, em 2008, em que chamou a atenção do público para as facilidades de reaproveitar e as dificuldades de conscientizar. Mostrou que é preciso ter a preocupação em descartar os resíduos recicláveis no local correto, exigir do poder público ou privado a estrutura adequada para exercer sua cidadania. Para algumas pessoas que conheceram o projeto, é comum a sensação de que o copo gruda na mão até encontrar um recipiente adequado para descarte. “O indivíduo passa a pensar no efeito de sua ação. Isso é mudança de atitude.” A participação no Simtec lhe rendeu o Prêmio Destaque da edição. Ao final daquele evento, não havia sequer um copo descartado ao chão, o que chamou a atenção do público e dos organizadores. Em 2012, ele também foi vencedor do Prêmio Paepe na Feagri.

Sua maneira de ver a relação entre o usuário e o copo plástico é sempre explanada em suas conversas. “A pessoa para em algum ponto, vai à cantina, onde a grande maioria dos proprietários serve no copo plástico, utiliza-o e em seguida joga fora. Pense bem: era uma gota de petróleo que estava lá debaixo do solo há milhões de anos e alguém foi lá, explorou, retirou, produziu a nafta, transportou até a petroquímica, que, por sua vez, transformou em polímeros e mandou para a empresa que faz copos plásticos, em seguida passou pelas distribuidoras até chegar ao consumidor, que em um minuto joga o copo fora e, dependendo do local, ficará por centenas de anos. Quanto consumo de energia e gases de efeito estufa foi gerado. É preciso alterar esta trajetória e reaproveitar a matéria-prima para dar uma nova vida útil” esquematiza.

Em Jaguariúna, José Maria trabalhou em parceria com uma ONG, medindo a quantidade de resíduos gerados por dez empresas instaladas na cidade. A iniciativa rendeu segundo lugar nacional no Prêmio Eco-Cidade 2009. Na cidade de Pedreira, onde reside, o trabalho acontece desde 2010 com professores e alunos da rede municipal. A quantidade separada e medida gerada nas escolas daria para produzir todo material escolar, como canetas, réguas e pranchetas, segundo o supervisor. Em 2012, foi convidado a apresentar o Recicle e fazer exposição na Semana do Meio Ambiente na Câmara dos Deputados, em Brasília. Lá, onde a Lei de Resíduos começou a ser discutida no final de 1989, antes mesmo da Eco 92. Em 2010, a lei foi sancionada pelo presidente Lula, determinando que até agosto de 2014 os municípios apresentem projeto de gestão de resíduos. “O que isso significa? A partir de então, os lixões terão de ser erradicados. A Lei de resíduos sólidos determina que serão destinados aos aterros sanitários apenas os resíduos que não são passíveis de reaproveitamento, mas isso só se consegue com conscientização das pessoas. Estou fazendo minha parte”, remata.