Edição nº 564

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 09 de junho de 2013 a 15 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 564

Para deixar a carne no ponto

Dissertação de mestrado desenvolvida na FEA
aponta método mais apropriado para cozimento

Estudo de mestrado da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) mostrou que o sistema cook chill é mais vantajoso que o método tradicional de cozinhar carne. Além de produzir alimentos com características mais estáveis, propicia melhor programação e favorece o aumento e a centralização da produção em restaurantes de coletividade.

A conclusão está na dissertação da engenheira de alimentos Fabiane de Moraes, cujos experimentos foram feitos no Restaurante Universitário (RU) da Unicamp, onde são preparadas mais de 11 mil refeições por dia. A autora do estudo avaliou o lagarto bovino na pesquisa.

O cook chill, define a pesquisadora, é uma tecnologia de processamento que envolve cozinhar e resfriar imediatamente após a cocção, minimizando o crescimento microbiano. “Saímos do cotidiano, da cozinha, do fogão e do caldeirão e entramos em equipamentos de alta tecnologia”, classifica o docente Nilo Sérgio Sabbião Rodrigues, orientador da pesquisa.

Fabiane procurou fazer esse acompanhamento, comparando a tecnologia cook chill com o modo tradicional de cozinhar carne no RU. Ela comprovou que é possível trabalhar com esse sistema 24 horas por dia, processando o alimento aos poucos para servir em até cinco dias, tempo que estipula a legislação brasileira.

Mas a pesquisa apontou que a boa qualidade do alimento se manteve até o décimo dia – provando que o processo é efetivo na manutenção da qualidade microbiológica e de oxidação lipídica (que promove alterações sensoriais) e na preservação da textura.

O processamento, informa Nilo, nasceu da necessidade de preservar por mais tempo os alimentos a serem servidos, evitando o congelamento, que requer uma energia adicional para congelar e descongelar, e afeta mais intensamente a textura.

Uma dificuldade é que, no caso da carne, além de ser o item de maior custo do cardápio, o seu processamento reduz muito o peso original, para desencanto do consumidor, que “come com os olhos”. No RU, o lagarto assado apresenta uma perda perto de 40%. Assim, os nutricionistas são obrigados a servir uma porção maior, já que as pessoas esperam receber uma boa quantidade de carne como mistura, diz Fabiane.

E aí é que entra o processamento sugerido pela engenheira. O sistema cook chill apresenta um maior rendimento (próximo de 70%) e, portanto, mais economia por servir a mesma porção a um menor custo.


Cozimento

O estudo caracterizou o sistema convencional para a produção de lagarto bovino no RU, cujo cozimento ocorre em tachos sob pressão com posterior resfriamento. A carne é servida no dia seguinte com os acompanhamentos. É o meio mais usado hoje graças aos equipamentos já instalados em plantas de processamento das cozinhas industriais.

Na produção pelo cook chill, os alimentos podem ser cozidos da forma tradicional ou em fornos combinados (equipamentos que facilitam o processo cook chill), pontua Fabiane. Os fornos combinados controlam a temperatura, o tempo de cozimento e a porcentagem de vapor injetado dentro da câmara.

Esse cozimento acontece em duas horas e o resfriamento por volta de 1,5 horas, totalizando de 3 a 3,5 horas. No tradicional, o processamento todo leva de 13 a 14 horas, sobretudo em razão de ser feito o resfriamento lento.

O resfriador rápido, equipamento também utilizado para o cook chill, não gera picos de mão de obra e de uso dos equipamentos. Realiza-se o processamento de modo mais controlado e mais programado.


Achados

Fabiane é professora do Cotuca, onde leciona as disciplinas de Análise Sensorial, Industrialização e Controle de Qualidade, Nutrição e Química dos Alimentos. Também já atuou por anos no setor industrial.

O seu trabalho de mestrado ganhou atenção dos nutricionistas do RU, que demonstraram interesse em usar a tecnologia cook chill, tendo em vista os benefícios comparados ao sistema atual. A vantagem é que o RU já possui o forno combinado. Falta o resfriador rápido, o que exigiria investimento.

Além disso, o RU não dispõe de uma estrutura de câmara fria para estocar por três a cinco dias. Por esse motivo, tudo é processado, resfriado e servido no dia seguinte. “Seria viável uma estrutura com maior número de câmaras frias”, indica Fabiane, que desenvolveu o estudo em três etapas ao longo de dois anos: a primeira em julho de 2011, a segunda em janeiro e fevereiro de 2012 e a terceira em junho do ano passado.

Para o professor Nilo, um aspecto relevante foi que sua orientanda fez o acompanhamento dos dois processos com análises físico-químicas, microbiológicas e sensoriais na FEA. Foram feitas com vistas a corroborar que aquele alimento processado, armazenado por cinco dias, estava em perfeitas condições e tinha grande aceitação dos frequentadores do RU. Parâmetros microbiológicos de oxidação lipídica também estavam em conformidade.

Na avaliação físico-química, microbiológica e sensorial, os dois sistemas exibiram bons resultados até o quinto dia. Já ao continuar o estudo até o décimo dia (superior ao prazo legal), a carne do cook chill obteve resultados superiores, com boa qualidade para ser servida.


Viabilidade

Ao falar dos custos, Nilo comenta que “eles não envolvem só o rendimento da matéria-prima. Na verdade, o produto final tem valor agregado”, lembra o docente. É preciso pôr na balança energia, custo de depreciação do equipamento e mão de obra, bem como o fato de ficar muito mais organizada a produção, que não precisa ser feita de uma única vez.

Na Europa e EUA, há larga exploração de equipamentos com tecnologia mais avançada, por conta até da redução de energia, água e detergentes. E servem para uso em quaisquer dimensões, já disponíveis também em porte doméstico.

Para um restaurante comercial, realça Nilo, o proprietário tem que ver vantagens nessa tecnologia em médio e longo prazos, que também exige a busca de uma mão de obra mais qualificada. Por outro lado, existe menor pressão temporal no trabalho.

Para equipamentos de grande porte, consegue-se retirar de um forno 36 assadeiras, e, com o mesmo carrinho, inserir num resfriador rápido e, em seguida, numa câmara frigorífica, sem retirar o alimento do recipiente. O esforço humano é muito menor, diminuindo lesões como a LER e a Dort.

Os funcionários não farão grandes esforços. No máximo carregarão recipientes GNs sobre carrinhos. O GN é mais conhecido como um recipiente, contudo engloba um padrão de dimensão (padrão universal para medidas para uso em restaurantes).

Por ele, tudo fica padronizado na cozinha: pias, prateleiras e equipamentos. “No mesmo recipiente que assou, resfriou e armazenou, fatia-se e vai para distribuição de uma forma que tudo se encaixa.”


Problema

Um dos obstáculos que o alimento pode enfrentar é a contaminação, porque leva a problemas de saúde pública, já que uma carne mal cozida, mal resfriada e mal estocada pode gerar doenças. A bactéria salmonela e o botulismo são exemplos disso.

O maior problema de contaminação da carne reside externamente. Quando o cozimento ocorre numa temperatura superior a 170º C, é possível fazer uma “selagem” externa, reduzindo os microrganismos da superfície da peça de carne.

A dica de Fabiane é cozinhar e refrigerar logo após, com o recipiente fechado. Segundo a engenheira de alimentos, o que prejudica é retirar uma panela com uma quantidade de alimento para a família e colocar na geladeira. Isso eleva a temperatura dos alimentos dentro da geladeira.

O que se faz na gastronomia é esperar que o alimento atinja cerca de 65º C para daí levar à geladeira. Até os 60º C, a proliferação microbiana é pequena. Se o recipiente ficar fechado, melhor ainda. A partir de então, coloca-se sob refrigeração, evitando que o alimento fique muito tempo na faixa crítica de temperatura (próxima à temperatura ambiente), conservando melhor o alimento.

O gargalo é quando fazem o cozimento e deixam o alimento descoberto à temperatura ambiente, que no Brasil é por volta de 25 a 30 ºC. Isso é um prato cheio à proliferação de microrganismos. Nilo aconselha retirar o alimento do forno ou fogão e colocar a panela tampada num recipiente com água e gelo. Daí é só esperar esfriar e colocar na geladeira.

Com o cook chill, a recontaminação é mínima porque o alimento pronto fica num ambiente fechado, em temperaturas próximas de 0° C. Assim, ficará bom por muito tempo. No Brasil, esse sistema já é adotado há anos. É empregado na Força Aérea Brasileira e na aviação comercial. Ele é fundamental em termos da segurança dos alimentos e, consequentemente, dos passageiros e tripulação.

O alimento preparado em terra segue para a aeronave numa temperatura baixa, sendo reaquecido no momento do consumo. “Afinal, num voo com 300 passageiros, qualquer problema deste tipo assume grandes proporções”, ressalta Nilo.


Publicação
Dissertação: “Aplicação do sistema cook chill no preparo de lagarto bovino (músculo Semitendinosus) em restaurantes de coletividade”
Autora: Fabiane de Moraes
Orientador: Nilo Sérgio Sabbião Rodrigues
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

Comentários

Comentário: 

Parabéns, Fabi, por todo o seu trabalho: uma excelente professora no COTUCA e uma pesquisadora dedicada e atualizada!
Você faz a diferença!!!

Comentário: 

Parabéns pelo seu trabalho de excelência e que Deus lhe abençoe.

tony@cotuca.unicamp.bt