Edição nº 567

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de julho de 2013 a 28 de julho de 2013 – ANO 2013 – Nº 567

O que o futuro nos reserva?



Uma rápida pesquisa na internet revela que uma frase da história do país “ressuscitou” a partir de 17 de junho, quando houve o primeiro recorde simultâneo de manifestantes nas ruas. “A única coisa que mete medo em político é o povo na rua”, dizia o político Ulysses Guimarães (1916-1992), presidente da Assembleia Constituinte de 1987-1988. Dita no contexto daquele período, a frase tem sido usada por todo tipo de usuário na rede mundial de computadores. De fato, a última semana de acontecimentos no país demonstra bem os motivos da redescoberta dessa máxima que pareceu “dormir” por décadas.

Ouvidos pelo Jornal da Unicamp no decorrer dos desdobramentos recentes, professores das áreas de sociologia, ciências sociais, filosofia e economia, traçaram caminhos possíveis para as manifestações de rua: a força dos protestos poderia acabar e resultar em desarticulação; ou a agenda, de alguma forma, poderia ser absorvida pelo país. Até o momento, este último parece ser o rumo tomado, para o futuro, pelas manifestações que ocuparam ruas do Brasil.

“Nenhum político sabe hoje o que vai acontecer com ele amanhã”, afirmou o sociólogo Ricardo Antunes, professor da Unicamp. “Nada sabemos sobre o futuro desses movimentos, pois estamos no calor dos acontecimentos, mas, quaisquer que sejam suas consequências, o país não será mais o mesmo. Saímos do cenário letárgico que nos encontrávamos. Os movimentos existentes no mundo, todos eles, da Tunísia à Turquia, da Espanha aos EUA, passando pela Grécia, Itália, Portugal, Reino Unido, demonstram que começam a florescer e exercitar manifestações mais suscetíveis às ações de massa, de grande envergadura, nas praças e ruas públicas; mais plebiscitárias e menos institucionalmente representativas. Embora elas tenham uma conformação frequentemente policlassista, seu centro, seu eixo mais acentuado, se encontra nas forças populares. E, em grande medida, expressam um profundo descontentamento com o modo de vida destrutivo que hoje domina, no qual quase tudo se tornou mercadoria, da saúde à educação, da política ou transporte.”

Para entender o que já mudou, basta observar o noticiário dos dez dias posteriores a 19 de junho, quando a Prefeitura e o Governo de São Paulo reduziram o preço das passagens do transporte urbano, atendendo à reivindicação que serviu como estopim para os protestos, sob a bandeira do Movimento Passe Livre (catalisador das mobilizações que levaram milhares de brasileiros às ruas). Desse anúncio em diante, 14 capitais no total reduziram tarifas; o aumento do pedágio em 15 rodovias federais foi suspenso, situação igual à das estradas estaduais de São Paulo; e o preço da energia elétrica não subiu no Paraná, entre outras novidades, para falar apenas das ações sob a competência do poder Executivo. No dia 26 de junho, a Prefeitura de São Paulo cancelou uma licitação de ônibus estimada em R$ 46 bilhões em 15 anos.

“Num quadro otimista, podemos pensar que os governos irão encampar demandas de melhorias substanciais na saúde, na educação, no transporte, no gasto público, com demandas que revertem efetivamente para a maior parte da população”, disse o sociólogo Marcelo Ridenti, da Unicamp, ouvido logo após a decisão sobre a passagem em São Paulo, e antes dos demais desdobramentos citados, antevendo o que ocorreria, de fato, no país.

No dia 24 de junho, a presidente Dilma Rousseff anunciou um pacote de medidas, que chamou de “pactos em favor do Brasil”, propondo um plebiscito (primeiro, sobre uma assembleia constituinte exclusiva; depois, apenas sobre a reforma política), transformar a corrupção em crime hediondo, investir mais na mobilidade urbana e na saúde (incluindo a contratação de médicos estrangeiros), desonerar impostos do setor de transportes públicos e destinar 100% dos royalties do petróleo do pré-sal para a educação. O pacote incendiou o debate político.

“A questão da mobilidade urbana entrou na agenda política como uma importante questão de política pública”, avaliou o economista Gustavo Zimmermann, da Unicamp. “A partir dessa nova agenda que na realidade é mais ampla e inclui a implantação de um verdadeiro ‘Estado do Bem Estar’, a profundidade das ações nestas áreas dependerá de um longo aprendizado dos setores até hoje marginalizados e dos operadores do Estado que muito raramente enfrentaram as questões de qualidade.”

Na esfera do Legislativo, questões que se arrastavam há anos foram resolvidas em dias. A proposta de emenda constitucional número 37, apresentada em 2011 e que limitaria o poder de investigação do Ministério Público, caso fosse aprovada, foi derrubada em 25 de junho pelo placar de 430 (dos 513 deputados federais) a 9 – e dois destes disseram que erraram ao votar. Quando ela chegou ao Congresso, no calor dos acontecimentos do “Mensalão” e de outras investigações, a proposta recebeu 207 assinaturas favoráveis e dependia de 308 votos para ser aprovada. A bandeira da PEC-37 surgiu nas ruas, entre as diferentes pautas lançadas. “Passamos por uma situação desfavorável de opressão e pressão. Só que um vento divino mudou tudo. Na undécima hora, quando tudo parecia perdido, o povo foi às ruas. Precisamos agradecer a população”, disse o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, em entrevista ao jornal O Globo. Ao ser questionado sobre o futuro do país depois das manifestações de junho, o cientista político Luiz Werneck Vianna, da PUC-RJ, disse que a mobilização popular deveria ser absorvida, assimilada, e não poderia ser negada. “Tem que ser como na luta do judô, quando se usa a força do adversário contra ele. É uma metáfora um pouco ruim, porque não é para virar contra ele, mas para virar em favor de uma solução que traga toda essa energia que as ruas manifestaram para o reforço da vida institucional.”

Outro projeto aprovado a reboque dos acontecimentos, após dois anos de tramitação, muda o Código Penal e transforma em crime hediondo os delitos de corrupção (ativa e passiva) e de concussão. Votado no Senado, a alteração seguiu para votação na Câmara. Outra novidade, foi a aprovação da aplicação de royalties do petróleo para a educação (75%) e saúde (25%), além da desoneração de tributos incidentes sobre o transporte público municipal.

“O nível de mobilização, hoje, é excepcional. No entanto, ele será, num futuro próximo, muito superior ao dos últimos dez anos. Pode ser que haja uma acomodação, mas ela ocorrerá num patamar muito superior ao que era”, avaliou o sociólogo Ruy Braga, da USP. Segundo o professor, as redes sociais, em particular o Facebook, tornaram-se um meio para expressar o aprendizado político dos setores mais jovens.

Coincidência ou não, na esfera do Judiciário, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou (26/06) à prisão imediata o deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO) por desvios de recursos na Assembleia Legislativa de Rondônia nos anos 90, na primeira decisão desse tipo desde o final do regime militar. O parlamentar estava condenado desde 2010, pelo próprio STF, e vinha recorrendo da decisão. Ele foi preso no dia 28 de junho.

Ao falar sobre o futuro do país, o professor do Instituto de Economia da Unicamp José Dari Krein elencou três questões que merecerão atenção do setor público: melhorar os serviços públicos, realizar uma reforma política para incorporar outras formas de organização e democratizar a comunicação no país. “Somente 40% da população brasileira está conectada na internet, o que também expressa, até o momento, um perfil dos que estão nas ruas. A democratização da mídia e do acesso na internet ainda não é uma realidade no país.”

No contexto atual, o pior cenário imaginado pelo professor de filosofia José Arthur Giannotti, da USP, seria o aparecimento de um “salvador da pátria”. “Vivi a época de Jânio Quadros, a época Collor, estava sentindo que estamos entrando em um impasse no qual aparece um ‘salvador da pátria’, o que seria a pior solução possível”, disse. “Ao invés desse desastre, creio que a melhor solução seria criar uma frente parlamentar interpartidária com uma agenda precisa de reformas, sempre com apelo popular.”

Diante de acontecimentos tão inusitados e novos na cena política brasileira, e nas ruas, o filósofo Roberto Romano, da Unicamp, propõe uma nova visão de pesquisa para entender a mobilização. “Todos os conceitos que nós temos em termos sociológicos, históricos, por exemplo, deveriam ser suspensos para que pudéssemos realizar uma fenomenologia do que está acontecendo, uma descrição, a mais exata possível, de todas as tendências, de todas as reinvindicações, de todas as iniciativas que estão aparecendo, para que possamos, daqui um tempo, ter condições de entender razoavelmente o que está acontecendo”, afirmou. (Alessandro Silva)

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