Edição nº 567

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de julho de 2013 a 28 de julho de 2013 – ANO 2013 – Nº 567

Os ritmos do paladar

Pesquisa constata que gêneros musicais contribuem para ampliar ou reduzir a aceitação dos alimentos


O senso comum aceita sem maiores dificuldades a ideia de que a música tem a capacidade de acalmar ou excitar as pessoas. Não por outra razão, os casais costumam escolher canções de amor e não rock pesado para embalar um jantar romântico. O que pouca gente ainda concebe é que a música também pode influenciar nas respostas dos consumidores frente a produtos alimentícios. Pesquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado de David Wesley Silva, defendida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, constatou que músicas romântica e clássica podem contribuir para ampliar o grau de aceitação de um alimento, enquanto o rock e o chorinho podem exercer efeito contrário. O trabalho, inédito na FEA, foi orientado pela professora Helena Maria André Bolini.

O estudo desenvolvido por Silva, que é graduado em Música [Composição] pela Universidade de São Paulo (USP), foi dividido em duas partes. Na primeira, ele superou um desafio tecnológico que consistiu no desenvolvimento de um minibolo com características especiais. O pesquisador extraiu da receita tradicional a farinha de trigo, o açúcar, o ovo e o leite, de modo que o alimento pudesse ser consumido por celíacos, diabéticos e vegetarianos, além de pessoas preocupadas em manter uma dieta mais saudável. No lugar desses ingredientes, ele adicionou milho, biomassa (polpa de banana verde), edulcorantes (adoçantes: sucralose e estévia), amêndoa e coco.

Ao todo, Silva elaborou seis variações da receita, alternando trigo, milho e biomassa, sacarose (açúcar) e edulcorantes. “As receitas com farinha de trigo e sacarose serviram de controle, para que pudéssemos estabelecer a comparação dos resultados dos testes sensoriais”, explica. A segunda etapa consistiu em oferecer as combinações à avaliação de um grupo formado por 120 provadores, que foram submetidos à audição de quatro gêneros musicais (rock, chorinho, música clássica e música românica). Os avaliadores também degustaram os minibolos sem ouvir músicas, mais uma vez para estabelecer um controle que permitisse comparação.

Do ponto de vista tecnológico, afirma o autor da dissertação, as receitas formuladas com ingredientes mais saudáveis agradaram muito os participantes dos testes sensoriais. “A versão mais aceita de todas foi a preparada com milho, biomassa, sacarose, amêndoa e coco. A preferência pelo bolo com açúcar se explica por causa do padrão da dieta do brasileiro, há séculos acostumado ao consumo desse produto como agente adoçante, além de conferir outras características tecnológicas, como agente de corpo. Entretanto, nós também constatamos uma ótima aceitação em relação ao minibolo adoçado com a sucralose e também com a combinação de sucralose e estévia como substitutos da sacarose”, relata Silva.

Conforme o pesquisador, o minibolo feito com ingredientes mais saudáveis se assemelha em aspecto, textura e sabor à tradicional sobremesa brasileira conhecida como queijadinha. “Nutricionalmente, ele oferece diversas vantagens ao consumidor em comparação com as versões comerciais. Enquanto a nossa receita apresenta um teor de sódio de apenas 6 mg por unidade, os produtos encontrados no mercado têm cerca de 20 a 30 vezes mais sódio. Além disso, o nosso minibolo também dispõe de muito mais fibras, é isento de colesterol e proporciona um melhor balanceamento dos ácidos graxos, com a característica adicional de ser menos calórico”, elenca Silva.


Audições

Após superar o desafio tecnológico, o autor da dissertação partiu, então, para investigar a eventual influência da música sobre a preferência dos provadores. Como dito anteriormente, ele optou por submeter esses degustadores à audição de quatro diferentes gêneros instrumentais (rock, chorinho, música clássica e música romântica). Os participantes dos testes sensoriais também consumiram os minibolos em ausência de música. Segundo Silva, os estilos rock e chorinho provocaram notas de menor aceitação em determinados atributos dos alimentos por parte dos provadores, e esse impacto variou entre as 6 formulações do minibolo. “No caso do chorinho, nossa hipótese é de que ele exerce esse tipo de influência por ser agitado e ao mesmo tempo nostálgico. No caso do rock, há também a questão da agitação. Em comum, os dois gêneros apresentam padrões rítmicos enfatizados sobre os outros elementos musicais [melodia, harmonia, etc], o que pode desviar a atenção do provador. Relacionamos também estudos que apontam para uma atuação fisiológica no sistema nervoso, o que pode influenciar a resposta sensorial.”, arrisca o autor da dissertação.


Já a música romântica instrumental e a música clássica, continua Silva, colaboraram para a maior aceitação dos minibolos. “Esses gêneros tendem a acalmar as pessoas. Tal relaxamento provavelmente cause maior disponibilidade nas pessoas para aceitar o alimento. Outros estudos apontam para associação da música clássica a conceitos de status social, autoestima e sofisticação. Sabemos que a música produz variados efeitos físicos, psicológicos e emocionais, mesmo cognitivos. De outro lado, as pessoas têm as suas preferências, associadas à cultura e histórico de vida. Obviamente, tudo isso tem que ser estudado com mais profundidade, para que compreendamos melhor a composição interna dessa associação de efeitos de influência musical sobre a decisão do consumidor”, pondera o pesquisador.

Ainda segundo ele, em relação a algumas amostras provadas, a música influenciou em até 14,4% nas médias de aceitação em comparação com as médias obtidas sem a música. “Esse dado sinaliza que a música pode potencializar a aceitação de um determinado alimento, principalmente no momento em que o consumidor está elaborando a sua avaliação. Por hipótese, a música pode vir a ser utilizada como uma forte aliada por parte de restaurantes e outros locais em que sejam servidos alimentos para consumo, até mesmo com finalidade terapêutica e/ou dietética”, acrescenta a professora Helena. “Atualmente, nós sabemos que elementos bioquímicos como aminoácidos, minerais, etc. podem trazer benefícios ao organismo. Entretanto, ainda desconhecemos que efeitos específicos os elementos musicais podem causar no nosso corpo. Os músicos têm alguma noção sobre isso, mas esse conhecimento precisa ser aprofundado e sistematizado”, reforça o autor da dissertação. Tanto orientadora quanto orientado assinalam que as pesquisas nesta área ainda estão em fase inicial em todo o mundo. “A música é pura sensorialidade, arte e ciência. Entretanto, as pesquisas associando esta arte à percepção dos alimentos são muito recentes. Anteriormente, as pesquisas se concentravam sobre a influência de sons ambientes e ruídos sobre o consumo de alimentos. Quando a música era utilizada, o foco era a quantificação do consumo. Por exemplo, um desses trabalhos constatou que não ouvir o som ‘croc’ no momento em que a pessoa morde uma batata frita pode levá-la a pensar que a batata não está crocante o suficiente, ainda que tenha sido preparada do mesmo modo e apresente a mesma textura de sempre”, informa Silva.

Ele menciona outra pesquisa na qual voluntários degustaram um sorvete de bacon e ovos. Durante a degustação, os cientistas colocaram sons de pintinhos no quintal, o que fez com que o alimento fosse percebido tendo mais gosto de ovo. Quando trocaram para som de fritura, os provadores relacionavam mais o sabor de bacon no sorvete, demonstrando que o som pode influenciar o paladar. “A minha entrada no mestrado coincidiu com o início das pesquisas associando a música à percepção dos alimentos. Há três anos, o Laboratório de Pesquisa Crossmodal da Universidade de Oxford [Inglaterra] vem investigando o som de instrumentos musicais relacionados aos sabores. No estudo mais recente (2012), foram compostas duas trilhas sonoras diferentes: uma com ‘elementos musicais doces’ e outra com ‘elementos musicais amargos’. Assim, quando voluntários provavam o cinder toffe [espécie de doce de café e caramelo], uma tradicional sobremesa inglesa, ouvindo os ‘sons doces’, eles assinalaram que a sobremesa era doce. Quando ouviam o ‘som amargo’, diziam que tinham comido algo amargo”, relata o autor da dissertação.

Na mesma linha, a professora Helena conta que participou de um evento científico em Nova York no ano passado, oportunidade em que pôde travar contato com alguns estudos na área. “A ciência sensorial ainda é pouco conhecida. A única forma de medirmos se as pessoas gostam ou não de um determinado alimento ou qual é a intensidade dos sabores é através da aplicação da mesma. Nossas abordagens estão apoiadas em diversas áreas do conhecimento, como fisiologia, anatomia, bioquímica de alimentos, economia, estatística, sociologia, psicologia etc. Nosso laboratório aqui na FEA é atualmente uma referência mundial nesse segmento. Nós estamos desenvolvendo estudos com a mesma qualidade dos grandes centros”, enfatiza a docente.

Mas, afinal, o que levou um maestro a se dedicar à ciência dos alimentos? O próprio Silva responde: “Eu sempre me preocupei com a questão da alimentação saudável e com a qualidade de vida. Há algum tempo me tornei naturalista. Por exercer liderança junto à minha comunidade, decidi compartilhar parte das minhas experiências com as pessoas mais próximas. Com fomentação de palestras e cursos de culinária saudável, os resultados foram incríveis, inclusive com a reversão de várias doenças crônicas, como obesidade, anemia perniciosa, artrite reumatoide, etc. Foi quando percebi que precisava recorrer à academia para aprofundar o conhecimento sobre algo que vivíamos na prática”, esclarece.

Certo dia, quando visitou a FEA para assistir à defesa da tese de uma amiga, violinista da sua orquestra, Silva conversou com o orientador dela, demonstrando seu grande interesse em ser aluno especial e cursar algumas disciplinas. “Após um ano e meio me aprofundando em nutrição e bioquímica, gostei tanto, que ele me encorajou a prestar o exame para ingressar no mestrado. Decidi encarar o desafio, estudei bastante e fui aprovado. Depois, por estímulo da minha orientadora, resolvemos incluir a música no escopo do meu trabalho. Anteriormente, eu pensava que a música era a rainha das artes. Hoje, sei que a alimentação, o alicerce de nossas vidas, pode ser associada e influenciada pela música, e ambas podem ser maravilhosamente arte e ciência juntas, sendo o preparo e formulação dos alimentos a base da vida”, finaliza.

Publicação
Dissertação: “Minibolo de milho: desenvolvimento de produto alimentício para público celíaco, com ingredientes funcionais, redutores calóricos e avaliação de características sensoriais percebidas no produto submetidas a estímulos musicais”
Autor: David Wesley Silva
Orientadora: Helena Maria André Bolini
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

Comentários

Comentário: 

Não consigo concordar com a música ser esse fator de influência na aceitação das variantes do bolo. É tão subjetiva e os gêneros de música tão extensos e maniqueístas que não tem como usá-los como categorias diferentes das repetições.

O que é rock para um garoto de 14 anos pode não ser rock pra mim. Quais foram as músicas usadas e por quanto tempo? Isso fez parte da Metodologia? Abrangeu "subgêneros" diferentes? Na amostragem de 120 provadores há um bom poder estatístico, mas há o fato da pletora de gostos e culturas musicais que se aborda.
Se eu sou exposto a uma música de rock da qual não gosto, minha aceitação será afetada, claro. Acho que a questão aqui é indireta. O humor e o nível geral de excitação ou incômodo [gerado pelo efeito antagônico da aceitação pela música] influenciam a aceitação.

Muitos fatores como cultura, bagagem, conhecimento sobre a música, hábito. São fatores e variáveis imensuráveis.

Usei o rock como exemplo, mas o mesmo pode ser aplicado a todos os gêneros citados. A propósito, gênero Romântico é extremamente abrangente, o que, na minha opinião como "cientista", é perigoso para qualquer estudo acadêmico. Não entrarei na discussão dos Gêneros serem inúteis, apenas uma ferramenta de marketing e comércio, já que isso é minha opinião pessoal, apenas.

Boa Noite

Comentário: 

Estou lendo o livro "Subliminar", de Leonard Mlodinow, que trata da influência do inconsciente em nossas vidas. A feliz pesquisa de vocês complementa a ideia do físico e matemático Mlodinow de que não apenas nossa "vontade consciente" dirige nossas vidas, mas que inúmeros fatores ambientais (inclusive a música) interferem em nossas escolhas sem que percebamos. Se esse conhecimento for dominado, trará benefícios imensos à sociedade. Parabéns pela matéria. Samia.

Comentário: 

Achei a pesquisa genial! Sempre acreditei que a música influencia muito no paladar. Neste final de semana fui a um restaurante espanhol muito bonito e a música ambiente era Jimmy Hendrix. Sou fã, gosto muito de rock, mas me senti incomodada e desconfortável naquele ambiente. A música não combinava com a comida, com a decoração, me deixava agitada demais e tive vontade de terminar logo de comer e sair correndo dali! Se fosse um bar, à noite, estaria perfeito. Mas para um almoço de domingo estava completamente inadequado. Parabéns pela dissertação!

Comentário: 

David. Parabens!
Acredito sim, que a música influencia muito as atitudes dos ser humano e também dos animais. Ela interfere no humor prá melhor ou pior. Realmente altera os comportamentos das pessoas.
Com relação á degustação, vendo-a como uma necessidade e um dos prazeres carnais, observa-se que a música pode aumentar ou diminuí-lo.
Bom trabalho.

Comentário: 

Olá David! Achei muito interessante sua pesquisa, pois sempre acreditei nisso, porém, ainda não havia lido nada sobre o assunto. Estes ingredientes devidamente misturados e equilibrados podem fazer bem a qualquer pessoa de qualquer idade. Ao ler a reportagem do Manuel Alves, lembrei-me de uma pesquisa de tempos atrás em que o ritmo da música muda o objeto de estudo. Os experimentos de Masaru Emoto estão impressos em imagens incríveis e consistem em expor água a diferentes palavras, imagens ou música, e então congelá-la e examinar a aparência do cristal de água sob um microscópio. Recebeu muitas críticas da comunidade científica que não aceitou o trabalho, porém, seu trabalho foi amplamente divulgado em um livro "Mensagem das Águas" e no filme documentário "Quem somos nós". Ele faz um convite para que, no futuro, deem continuidade ao trabalho e que possam prová-lo cientificamente.
Citei o fato somente como curiosidade e para ilustrar o quanto acredito na música como fator contribuinte para mudar algo para melhor... ou não!
Talvez receba críticas também, mas acredite em sua proposta e siga em frente. Com certeza deixará uma contribuição significante. Sucesso!

ritamaria.jornalista@yahoo.com.br

Comentário: 

Interessantíssimo!!Parabéns!!Com certeza que a música nos influencia,em várias situações...e porque não no paladar, um dos nossos 5 sentidos?!!Que Deus o abençoe no estudo dessas duas ciências maravilhosas!!Continue com essa determinação!