Edição nº 576

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 23 de setembro de 2013 a 29 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 576

Novo Centro, velhos interesses


São recorrentes os projetos de intervenção urbana em centros históricos deteriorados das metrópoles brasileiras. Em relação à cidade de São Paulo, a questão da revalorização da área central vem sendo discutida desde a década de 1990, embora as ações mais concretas tenham ocorrido nos últimos oito anos, durante as gestões dos prefeitos José Serra e Gilberto Kassab (2005/2012).  As informações desse período sobre despejos de edifícios ocupados por movimentos de moradia, ações policiais envolvendo moradores de rua, trabalhadores informais e ambulantes, e as reações desses grupos, chamaram a atenção do então estudante do curso de geografia da Unicamp Eduardo Augusto Wellendorf Sombini.

Ele procurava entender, além, dessas reações, as motivações do poder público, particularmente da Prefeitura e do Governo do Estado, e dos agentes que defendiam a “revitalização” do Centro antigo. Por ocasião do mestrado, o pesquisador propôs analisar as concepções e os instrumentos que moviam essa proposta, bem como os interesses e motivações dos agentes envolvidos.

Estes elementos constituem o ponto central de sua dissertação de mestrado, orientada pela professora Adriana Maria Bernardes da Silva, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. No trabalho, o autor recorre à noção de “urbanização corporativa”, desenvolvida por Milton Santos, e aos debates internacionais sobre grandes projetos urbanos e gentrificação para tratar do contexto de revalorização do centro de São Paulo. A gentrificação pode ser entendida como a expulsão de populações com a chegada de grupos de renda mais alta.

A pesquisa apresenta um retrato da configuração territorial da área central nos anos 2000, discute a utilização das “âncoras culturais” como tentativa de alavancar intervenções urbanas e expõe amplamente a trajetória do projeto Nova Luz, bem como a criação da Aliança pelo Centro Histórico, programa da Associação Viva o Centro inspirada no modelo internacional dos Business Improvement Districts.

O pesquisador lembra que os projetos de refuncionalização e revalorização de áreas centrais se tornaram estratégias de intervenção urbana difundidas internacionalmente e passaram a ser implantados em metrópoles de países periféricos. Essas propostas buscam reverter a desvalorização imobiliária e a migração de atividades econômicas para outras áreas da cidade e atrair moradores, consumidores e usuários de maior poder aquisitivo. São Paulo é um caso exemplar de desdobramento da centralidade urbana, já que a partir das décadas de 1940 e 1950 houve a migração dos moradores de maior poder aquisitivo, do comércio de alta renda e das sedes e escritórios das grandes empresas, que se instalaram na região da Avenida Paulista e, mais tarde, no entorno das avenidas Luís Carlos Berrini e Faria Lima e da Marginal Pinheiros, constituindo o chamado “complexo corporativo metropolitano”.

Esse movimento levou à obsolescência o meio construído do Centro e permitiu a ampliação dos usos populares. Isso não significa, contudo, que o Centro tenha perdido sua dinâmica, embora as atividades econômicas atuais sejam marcadas por menores remunerações em relação às outras áreas de centralidade de São Paulo. Principalmente durante os anos 2000, essa nova dinâmica foi potencializada pela instalação na área de grande parte das secretarias municipais e estaduais, empresas e órgãos públicos; pela abertura de campi de diversas faculdades privadas e pela ampliação do volume de empregos com a instalação de empresas do setor de call center.

Lá permaneceram a Bolsa de Valores, agências bancárias e demais serviços financeiros. Em decorrência, como mostram os dados estatísticos referentes ao período de 2000 a 2010, o número de empregos aumentou significativamente no centro antigo, dinamizando o comércio mais popular. Nesse mesmo período ocorreu também um considerável aumento do número de moradores, que passaram a residir em apartamentos antes desocupados, ou situados em prédios reformados e revendidos por incorporadoras, ou ainda em novas construções. Somem-se a isso as ocupações em construções abandonadas promovidas por movimentos de moradia. 

Com localização privilegiada, provida de sólida infraestrutura e muito bem servida do ponto de vista do transporte público, com destaque para o entroncamento das linhas do metrô paulistano, a área central acabou, no decorrer dos anos, despertando o interesse de políticos, empresários, comerciantes e segmentos da construção civil. Mas, embora tenha havido outras iniciativas anteriores, foi a partir da década de 1990 que surgiu efetivamente um projeto que buscava promover a revalorização da área.  A partir desse projeto de revalorização, consolidam-se nessa década algumas ações políticas que tentaram reverter os processos de deterioração física e popularização dos usos do centro histórico.

 

Iniciativas

Buscou-se, então, com base nos pressupostos da gestão empresarial de cidades, promover a revalorização da área central como parte de um programa urbano cujo objetivo principal é criar condições para o aumento da competitividade e reposicionar São Paulo nas hierarquias urbanas mundiais.

Nos anos 90, pretendia-se inserir a metrópole no rol das “cidades globais” e a “revitalização” do centro era colocada como condição essencial nesse esforço, já que se acreditava que o centro poderia “oferecer distinção e identidade à cidade na competição por investimentos com outras metrópoles do mundo”, afirma o pesquisador. Na liderança das ações necessárias à consecução desses objetivos ele destaca a forte influência da Associação Viva o Centro, fundada em 1991 e que representa os interesses privados do centro.

A Associação Viva o Centro defendeu ao longo do tempo várias propostas de revalorização. Uma dessas iniciativas, encampada pelo Governo do Estado, baseava-se na instalação, reforma ou ampliação de grandes equipamentos culturais como museus, salas de concerto e centros culturais que deveriam atrair a classe média alta. A presença desse público na região deveria provocar mudanças no perfil do entorno, que poderia vir a receber torres de escritórios, hotéis, apartamentos destinados ao público de maior renda, além de bares, restaurantes, lojas, atividades de lazer, segundo um modelo tradicional de transformação de áreas urbanas realizado em outros países.

O pressuposto era o de que os investimentos privados somente seriam levados a essas áreas deterioradas se houvesse políticas públicas que funcionassem como “âncoras” dessas transformações. Essa concepção deu origem à implantação de vários projetos no bairro da Luz, como a readaptação da Estação da Luz; da Estação Júlio Prestes, onde está instalada a Sala São Paulo; a reforma da Pinacoteca do Estado e do Jardim da Luz, além de outras intervenções no entorno do Vale do Anhangabaú.

Segundo Eduardo, atribui-se o fracasso da tentativa à tradição de segregação das pessoas de maior poder aquisitivo, acostumadas a isolar-se em condomínios fechados, a frequentar shoppings, a trabalhar em complexos corporativos seguros e a evitar o contato com pessoas de grupos diferentes, além das diferenças do espaço público em relação ao de outros países. “Aqui, essas pessoas vão de carro, usam o estacionamento fechado, assistem ao concerto, visitam o museu e vão embora sem estabelecer conexões com o entorno”, constata o autor. No mesmo período, foi criada a Operação Urbana Centro, que prevê uma série de benefícios para reformas e novas construções com o intuito de dinamizar o mercado imobiliário da área.

 

Nova Luz

O fracasso dessa iniciativa levou, durante as gestões Serra e Kassab, à ideia de uma ampla renovação urbana, que previu a demolição e a reconstrução de aproximadamente 45 quadras do bairro de Santa Ifigênia. Denominado Nova Luz, o projeto se baseou no estabelecimento de uma parceria público-privada (PPP), que permitiria que a Prefeitura repassasse a um consórcio de empresas a responsabilidade de realizar as obras previstas. Por esse instrumento, de concessão urbanística, o poder público também repassava para a iniciativa privada o direito de realizar desapropriações de imóveis.

Foi imediata a resistência de moradores e comerciantes e até de associações de moradores de outros bairros, temerosos de que esse modelo pudesse vir a ser estendido para outras áreas da cidade. Houve uma batalha judicial intensa, manifestações na Câmara dos Vereadores e nas audiências públicas do projeto, que inviabilizaram sua implementação com o fim da última gestão municipal.

O estudo procura, mais especificamente, identificar quais as motivações e os interesses dos agentes que defendiam o Projeto Nova Luz, que enxergavam o potencial de valorização da área, e as razões da resistência de ocupantes da área como moradores de baixa renda, grupos marginalizados que sofriam pressões constantes e pequenos comerciantes. “Embora não implementado, o Nova Luz sinalizou a realização de um grande projeto urbano no centro de São Paulo e trouxe perspectivas de expulsão da área dos moradores e usuários de baixa renda. Esse fatores motivaram os conflitos e as resistências na discussão do projeto”, diz o autor.

A pesquisa enfatiza a multiplicidade de agentes e posições políticas envolvidos no contexto de revalorização da área central de São Paulo que inclui, entre outros, promotores imobiliários, empresários, comerciantes, associações de moradores e movimentos sociais. Para o pesquisador, embora as intervenções urbanas não tenham sido realizadas na escala anunciada e a revalorização tenha ficado restrita a pontos específicos, é bastante claro que existem movimentos do mercado que podem inviabilizar ainda mais a permanência dos grupos populares no Centro. Segundo ele, a região historicamente foi marcada pela diversidade de usos e convivência de diferentes classes sociais e é necessário que as intervenções na área garantam os direitos dos trabalhadores, moradores e usuários de baixa renda, além do comércio popular e dos grupos marginalizados, que garantiram a vitalidade da área nas últimas décadas. Esse deveria ser, em sua opinião, o compromisso do poder público na implementação de uma política urbana para a área.

 

Publicação

Dissertação: “A revalorização contemporânea do Centro de São Paulo: agentes, concepções e instrumentos da urbanização corporativa (2005/2012)”
Autor: Eduardo Augusto Wellendorf Sombini
Orientadora: Adriana Maria Bernardes da Silva
Unidade: Instituto de Geociências (IG)