Unicamp
Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 23 de setembro de 2013 a 29 de setembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 576Salete prefere celebrar a vida
Secretária da Faculdade de Ciências Médicas enfrentou linfoma com a ajuda de amigos e parentesEntão, a irmã ofereceu-lhe um chapéu branco, para que ficasse ainda mais bela e protegesse dos raios solares, e a acompanhou num passeio ao shopping. Apostou na maquiagem, a qual sempre realçou sua beleza, e foi. Comprou uma calça mais justa, pois as suas estavam com folga – mulher nenhuma pode perder o charme. Aprendeu isso com outra paciente, que tinha o dobro da idade, e sempre comparecia, religiosamente, às sessões de quimioterapia toda produzida. “Observei-a. E vi que eu poderia aprimorar meu emocional.”
Salete Gobi Chiulle Dias aprendeu a contar os dias no momento do diagnóstico e no início do tratamento contra um linfoma não-hodgkins, mas logo aprendeu a vivê-los com aquele presente grande e branco, aquela roupa mais ajustada, aquela senhora cheia de vida, mas principalmente com o amor da família e da amiga de quimioterapia Solange, que a acompanhava quando Renata, sua irmã, não podia. Percebeu, numa trajetória dolorosa, que os momentos de alegria existem também para amenizar sofrimento. Aprendeu que nem sempre a linha reta leva ao ponto certo, mas os fios tortos podem oferecer resultados bem-sucedidos. “Tudo na minha vida foi assim. E aquela fase evidenciou isso. Sempre planejo minha vida, mas ela nem sempre segue por onde desejo e, mesmo assim, se converte para um bom resultado.”
Meados de 2012. O olhar protetor e vigilante de Victor Matheus, 16 anos, tenta convencer a mãe a não sair de casa, mas Salete tem um dos compromissos mais importantes daquele momento: fazer artesanato com patchwork, “ver as meninas” da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, rir bastante, sentir-se mais útil que doente, expor a contragosto, mas vender todos os guardanapos na Feira das Mães da FCM. Estava em casa, de licença, mas precisava rever a Unicamp e fazer tudo o que significasse vida. Cumpriu até o fim as atividades da oficina do projeto “Fazeres Espelhados”, vencedor local do Prêmio Paepe na FCM, dedicado a funcionários da Unicamp. “Fui fazer patchwork e meus encontros com as meninas ajudaram na recuperação do emocional. Descobri que não só o físico precisa ser curado”. Quem ajudou nos arremates foi a mãe, Neusa Niero, aposentada da Unicamp.
Entre a quimioterapia e as privações, algumas alegres reuniões de família elevaram de forma surpreendente uma taxa de imunidade, a ponto de fazer o médico se render. “Certa vez, fizeram a festa de meu cunhado em casa porque eu não podia sair. Quando voltei ao consultório, o médico disse que era bom ver que uma reunião de família ajudava nisso”, lembra, sorrindo. Quando descobriu que havia espaço para felicidade e esperança, Salete acelerou os resultados positivos do tratamento.
Hoje, potencializada, fala sem preconceito da doença que a assustou no momento do diagnóstico. Sempre preocupada com agenda profissional e pessoal – que não é só sua, mas também de Victor Mateus (16), Arthur Henrique (14), Júlio César (9) e Wagner, o marido –, viu que, ao final, todos estão bem e assistidos pelo marido, pelas tias, pelas avós. O trabalho a recebeu de portas abertas, e a vida, essa continua, para sua felicidade e de todos impossibilitados de esquecer o sorriso de Salete.
Renata – que lhe deu o chapéu branco – não saía de sua casa. E as outras duas, Andréia e Veridiana, também estavam sempre presentes, como sempre foram vistas desde que Salete entrou na Universidade, em 1986, aos 14 anos. Como foi a última a entrar, Renata e Andréia davam pequena parte do salário em troca de alguns préstimos. “Avisaram minha mãe, funcionária do Cecom na epóca, que a Unicamp havia aberto processo seletivo para adolescentes. E adolescente era o que ela mais tinha em casa”, brinca. Desde que chegou, todos podem conviver com as filhas de dona Neusa. Salete ficou mais conhecida por lidar com saúde, mais precisamente com a liberação de guias de atendimento exigidas pela Unimed na época.
A união da família foi importante em outro momento em que os fios tortos decidiram delinear a história. A dor que levou Salete ao pronto-socorro antes de o linfoma ser diagnosticado voltou a incomodar, e a família teve de assinar um termo de compromisso para que pudesse fazer cirurgia da vesícula. Isso mesmo, apesar de ter motivado a descoberta do linfoma, a dor nada tinha a ver com isso, e sim com uma infecção na vesícula, que já migrava para o pâncreas. “Voltamos várias vezes ao hospital, e eu com imunidade baixa, sem poder ir para a mesa de cirurgia. O médico dizia que, se me submetesse à cirurgia, eu morreria. Essa foi mais uma mostra de que o controverso pode levar ao ponto certo. Se não fosse essa dor, não teriam visto o linfoma, que só pode ser diagnosticado em estado avançado.”
Então, perdoemos os erros? De certa forma, sim, Salete só quer celebrar a vida. Até porque mais uma vez, as linhas tortas “brincaram” de fazer direito na vida de Salete. Após a cirurgia, ainda sonada, ouvia uma voz gentil a lhe oferecer comida:
– Precisa se alimentar. Está tão magrinha.
Era o enfermeiro. Esta frase foi ouvida muitas vezes, até que ela resolve atender ao pedido do profissional. “Comi tudo o que estava na bandeja”. Mas eis que o enfermeiro aparece na porta do quarto, mais embranquecido que a Lua, e pergunta:
– A senhora comeu tudo?
A que responde, Salete:
– Sim. Por quê? Não era para comer?
E ele, atônito, replica:
– A senhora estava de dieta de 24 horas.
Naquele primeiro dia sem dor, diante do resultado bem-sucedido da cirurgia, Salete, generosamente, olhou para o enfermeiro e disse:
– Você fez com boa intenção. Então, vamos confiar. Não vai acontecer nada.
A família, já acostumada a sentir as dores com a secretária, surpreendeu-se ao encontrar, no dia seguinte, com uma mulher restabelecida, em condições de retomar o tratamento com um pouco mais de qualidade de vida. Mais uma vez, a imunidade se elevava de uma forma inesperada pelos médicos. O fato de “tirarem” dela o que de fato a afligia fez com que as ações da química fossem menos agressivas. “Pedi para o médico adiar a sessão seguinte de quimioterapia, e o organismo reagiu muito bem.”
Lembranças
Quando se quebra o preconceito com a própria doença, na opinião de Salete, a luta, que envolve toda a família, torna-se menos penosa. Sem ser estimulada ou forçada a falar sobre isso, naturalmente começa a relembrar, até pela importância de informar as pessoas sobre a doença.
Naqueles dias de espera, chegou cedo ao trabalho e agiu como se tudo estivesse bem. Tentava entender por que o fato de estar ali, já que nenhuma dor intensa mais a incomodava, causava espanto em alguns médicos do Departamento de Patologia Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Nova na secretaria desta área, sob a expectativa de não ter mais dias dolorosos, desejava trabalhar, como sempre fez desde que ingressou na Universidade, ainda adolescente. Permaneceria ali nos próximos meses, mas um dos médicos do departamento, sabendo da linfonodomegalia, decidiu abreviar o tempo de entrega dos resultados de exames realizados no hospital particular e ofereceu-se para encaminhá-la a especialistas da própria Unicamp.
Foram eles, os especialistas tão próximos dela, que diagnosticaram o linfoma não-hodgkins. Com certas dificuldades, no início, para aceitar o diagnóstico, Salete direcionou sua atenção ao tratamento da doença. Aprendeu que é natural a mudança de comportamento entre a fase de diagnóstico e início de tratamento, mas, mesmo assim, lutou também para que o emocional interferisse de forma positiva, e não negativa, na recuperação.
No início da série de indisposições, durante um Encontro de Secretárias da Unicamp em setembro de 2011, reencontrou uma das amigas que a acolheram no prédio do Centro de Saúde da Comunidade, em 1986. As conversas com Isaura Maria Nogueira Soave tornaram-se mais frequentes, e Salete estava feliz com a proximidade. “Refleti muito sobre nossa conversa, a doença dela e, em abril, internei, pois decidi que faria um escândalo no hospital se fosse necessário. Cheguei tirando roupas, sapatos, de tanta dor que sentia. Fiquei nove dias internada, e eles me tratando com morfina. Eu e meu marido não tínhamos ideia do que poderia ser linfonodomegalia principalmente porque pode ser benigna. Voltei a trabalhar porque não imaginava que fosse maligno, mas as pessoas estranharam.”
E se não sabia por que foi parar no Departamento de Patologia, depois de 12 anos na Faculdade de Ciências Médicas, a teimosia das linhas a explicaram. “Se tivesse em meu setor anterior, não teria como me afastar com tranquilidade para realizar o tratamento. Aqui, quando me afastei, foi mais tranquilo”. Ao voltar, o medo de ser poupada foi rapidamente sanado pelo carinho dos colegas de trabalho, os mesmos que durante o afastamento ligavam em sua casa para saber como estava passando. “Silvia e Paulinho foram muito amigos, muito carinhosos. Foi ela que me incentivou a voltar à Faculdade para concluir o curso de administração, trancado durante o tratamento. Até porque eu já havia abandonado um curso de graduação em Farmácia, aos 18 anos, por falta de condições econômicas.”
Meses depois de sua volta, outra resposta inesperada às inquietações de quem retorna ao ambiente de trabalho: seria convidada a administrar a área de Patrimônio da Faculdade de Ciências Médicas. Foi lá, nesse ambiente novo de trabalho, que recebeu a equipe de reportagem, falou sobre as realizações dos filhos, a felicidade da família, a nota máxima no trabalho de conclusão do curso de administração, meses depois da recuperação e da remissão do linfoma. “Tudo aconteceu num momento em que o Victor não passou no vestibulinho para o Cotil, mas veja, como meu marido se organizaria sozinho com dois filhos estudando em Campinas e outro em Limeira? Descobrimos o mesmo curso em uma escola particular. E ele está muito feliz. Como eu disse, tudo, ao final, convergiu para um resultado feliz.”
Assim como as três irmãs, os três irmãos (Victor, Arthur e Júlio) foram chegando aos poucos à Unicamp, pelas portas do berçário do Centro de Convivência Infantil (Ceci), hoje Dedic. “O Ceci foi tudo em minha vida. Aprendi até a cozinhar, a dar sabor à papinha dos meus filhos. Os caras não comiam em casa, somente no Ceci. A Lucila me ensinou muito a lidar com meus filhos.”
A experiência de vida na Unicamp foi importantíssima. “Os jovens não tinham muita opção na nossa época. Quem viveu há 40 anos, viveu vida com menos fartura. A vida era mais vulnerável. Foi um presente para mim e minhas irmãs. Queríamos trabalhar, precisávamos também”. A vida no trabalho foi dividida com o desfile de roupas pretas pela cidade. “Éramos dark. Andávamos de preto. Como você lembrou? Era tudo difícil, mas era tão bom. O trabalho foi muito importante para meu crescimento pessoal. Sabíamos que teríamos um retorno. Só lembro de coisas boas na Unicamp. Tenho de agradecer a muitas pessoas. Hoje agradeço muito pela vida.” E a Unicamp ao chapéu branco, responsável pelos primeiros passos alinhavados por Salete em direção à nova vida e em direção ao campus, de volta, em missão ainda mais importante: testemunhar a vida.
Comentários
Salete, desejo tudo de bom
Salete, desejo tudo de bom para você. Saúde, alegria e felicidade sempre!
Bj
Cristina
superação e muita fé
Fico muito feliz, por estar bem! Tb, estou passando por esse processo (mama), com muita fé e otimismo. Claro, cercada de muito amor e carinho de meus familiares, amigos do trabalho (PRDU, GGBS...), pessoais, da equipe médica, entre outros, que na hora oportuna citarei os nomes de todos. É só uma fase!!! Deus continue lhe abençoando e lhe conceda muita saúde. Bjusssssssssss Kelly
Parabéns pela reportagem...
Parabéns pela reportagem... suas palavras me deixaram emocionada. Saber que tantos reclamam da vida por tão pouco. Seja muito feliz... pois eu sou muito feliz em te conhecer...
Salete linda, continua linda
Salete linda, continua linda como a conheci, a 16 anos atrás, no Ceci, os nossos filhos juntos no berçário, e mesmo o convívio sendo corrido, aprendi a admirar essa pessoa cheia de garra, vida e amor, que tem para compartilhar com todos, principalmente com a sua família grande e abençoada. Você sabe que esteve em nossas orações e acredito sim que Deus sabe tudo o que temos que suportar, e Ele sabia o quanto você tiraria as coisas boas do seu momento de dor e tribulação, aprendendo mais um pouquinho, e o mais importante, ensinando a todos que estavam ao seu lado e te conheciam a aprender também a ter uma fé como a sua!Parabéns querida amiga, linda e emocionande a sua estória! A estória de uma mulher guerreira! Beijos!!!!!!!!!!!!!!!
Salete prefere celebrar a vida.
Desgraças, não Dê Graças.
No meio destas linhas tortas dei-lhe um presente onde
estava escrito :¨A sua força está em seu coração.¨
Quis dizer-lhe : DEUS está no seu coração.
E o seu coração floresceu e a fez celebrar a vida.
Um brinde à você querida. Solange.
Essa amiga sempre lutadora,e
Essa amiga sempre lutadora,e leoa quando se tratava de seus filhotes, a conheci no CECI quando Julio era um bebê, e desde então nos tornamos amigas, fiquei muito triste quando soube desse momento difícil de sua vida, mas sempre acreditei, que ela daria a volta e tudo fosse apenas passageiro, sempre tive muita fé que tudo ficaria bem novamente, e aí esta ela linda e feliz de volta para nós aqui na universidade.
Que exemplo de superação!
Que exemplo de superação!
Mulher valente, muito forte e com muita fé e sabedoria não se entregou a depressão e posterior morte, que esse depoimento seja amplamente divulgado para que os fracos possam ser fortalecidos.
Linda reportagem Salete!
Linda reportagem Salete! Parabéns pela sua garra, pela sua alegria e energia. É isso viver é uma festa e celebrar essa vida é para quem acredita que a felicidade está nos pequenos e grandes presentes que recebemos...
Grande exemplo para todos nós.
Seja muito feliz hoje e sempre.
Obrigada pelo recado!
Bjus
Lindo depoimento Salete!
Lindo depoimento Salete!
Cristina
RTV
Deus é Fiel!
Salete não acompanhei de perto, mas sei o que é passar por isso e orei e pedi a Deus por você. Agradeço muito a Deus por ter colocado no caminho do meu pai, médicos(dr.Luiz Roberto e Dr.Nelson) e enfermeiros que tenho certeza que faziam papéis de anjos neste HC. Fico muito feliz por esta matéria e por você!Deus abençoe mais e mais sua vida e sua família.
Abraços,
Alexandre
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