Edição nº 583

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de novembro de 2013 a 24 de novembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 583

Arquiteto defende uso de madeira em construções

Para autor de estudo desenvolvido na FEC, material é ecologicamente correto

Se o Brasil pretende mudar sua cultura de edificações, de alvenaria, ou utilizar um pouco mais a madeira, restrita praticamente à etapa inicial das obras, ele precisa desmitificar o seu uso. É necessário mostrar ao consumidor final que esse material é ecologicamente correto e que pode e deve ser priorizado na construção civil. Foi o que concluiu o arquiteto Fabio João Paulo Di Mauro em seu estudo de mestrado apresentado à Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC). 

Com orientação do professor Mauro Augusto Demarzo, o pesquisador buscou saber o porquê da madeira ser subutilizada no país, a partir de uma visão sistêmica a seu respeito, desde a extração até o seu consumo final em obras da construção civil. Também procurou orientar as pessoas quanto ao significado da madeira ilegal, uma prática comum e, ao mesmo tempo, criminosa. “Quem extrai ilegalmente tem documento frio e por isso não mostra a extração de origem. Para transportar o produto, exige-se o documento de origem florestal (DOF)”, afirma. 

Essa madeira não tem plano de manejo e nem foi inventariada. Os tratoristas simplesmente vão ao local, os motosserristas cortam as árvores, colocam-nas num pátio, os caminhões as carregam e partem para diferentes destinos. “A falta de políticas públicas sólidas transforma leis e normas relativas à preservação das florestas ideais em suas escritas, porém inócuas quando de sua aplicação e fiscalização, fomentando a ilegalidade”, conta.

Também algumas espécies, apesar de não terem interesse, são derrubadas e lá ficam apodrecendo, esquecidas na floresta. “Isso também é madeira ilegal”, define Di Mauro, que por um instante deixou o seu olhar de arquiteto para desvendar a rota da madeira. 

Segundo ele, alguns madeireiros ilegais tiram proveito da situação: conseguem uma licença concedida para uma área que não tem tanta madeira disponível, a fim de justificar a retirada em outra área, sem liberação.

Mas essa extração indiscriminada, apura, é pretérita. Iniciou na Colônia porque os portugueses precisavam de madeira, não apenas para obter o corante para tingir tecidos com a extração do pau-brasil e sim principalmente para a fabricação de embarcações, devastando a mata nativa. 

Por esse tempo, surgiu um conjunto de normas, leis e diretrizes que regulava o funcionamento dos setores nos quais agentes privados prestavam serviços de utilidade pública – denominados ‘marcos regulatórios’, tentando controlar a extração de madeira. 

Essa preocupação remonta ao século 16, depois de 1530. A Coroa Portuguesa, apreensiva com a questão ambiental brasileira, criou as ordenações manuelinas, que perduraram até o início do século 17. Envolviam diferentes sistemas de preceitos jurídicos que compilavam a legislação portuguesa. Em 1605, regulamentou-se o pau-brasil. “Foi a primeira espécie de concessão florestal”, realça. 

Passados 400 anos de exploração do pau-brasil, ele chegou à beira da extinção no século 20, mais precisamente no final da década de 1950. Deste modo, a produção de madeira nativa se voltou para o sul, a priori o pinheiro do Paraná, até o seu quase aniquilamento. A seguir vieram outras espécies como a peroba. Elas foram usadas à exaustão, enquanto não havia proibição.  

O que se verifica agora são madeiras de outras espécies que são chamadas pinheirinho, pinheiro e peroba rosa-do-norte, no sentido de ser uma madeira alternativa à original. Então muitas dessas espécies são vendidas com esses nomes, porém se referem a uma única espécie. A peroba rosa, no caso, está proibida de extração. Se alguém a quiser, terá dois motivos para desconfiar: ou ela é ilegal ou o que essa pessoa está comprando não é peroba rosa.   

Uma iniciativa em prol das espécies em extinção vem sendo tomada por meio de estudos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) desde a década de 1960, que em breve ficarão disponíveis ao consumidor. A intenção é distribuí-los sob a forma de manuais para substituir madeiras mais tradicionais por outras que cumprem as mesmas funções mecânicas e estéticas.

 

São Paulo

Uma das tarefas de Di Mauro foi entender como a madeira chega ao Estado de São Paulo e o que está sendo feito para banir a ilegalidade em toda cadeia produtiva. De acordo com o estudioso, ela chega por meio da falsificação de documentos. 

As fiscalizações são feitas por policiais rodoviários que atuam em postos afastados nas fronteiras do Estado e também no Amazonas, pelo Ibama. Quando recebem uma carga de madeira, se pairam dúvidas quanto à sua legitimidade, retiram uma amostra, colocam-na sob o olhar de um microscópio e mandam o resultado via internet para o Instituto Florestal.

Nessa etapa, forma-se uma junta na qual especialistas identificam macro e microscopicamente aquela espécie e, em cerca de uma hora, retornam o resultado ao posto policial certificando se esta madeira pode, ou não, ter sido extraída e comercializada. A iniciativa é louvável, porém, ao mesmo tempo, verifica-se um gargalo sobre o que é feito da carga após ela ser apreendida. 

Apesar de fazer esta abordagem na dissertação, o pesquisador não chegou à conclusão sobre a destinação e o processo de ‘esquentar’ a madeira para de novo retornar ao mercado. “Os entrevistados, ligados à fiscalização e à identificação de espécies, conhecem apenas fragmentos do assunto, já que se trata de algo fora da esfera legal.”

Mas uma coisa é fato: essa madeira já chega ilegal. A carga fica sob tutela de um órgão público, como por exemplo do Instituto Florestal, ligado ao Estado. Como não há meios rápidos de lhes dar um destino, um ‘laranja’ ou o dono da carga acabam sendo seus signatários. Pagam as multas e retiram a mercadoria. A esse ponto, ela é ‘esquentada’ e retorna ao mercado. 

Por outro lado, existem protocolos de cooperação envolvendo empresas, ONGs e o próprio governo, no sentido de formar um leque de publicações e de normas que orientam o consumidor a não comprarem madeira que não seja legal ou certificada. 

É o caso do Programa Madeira é Legal, que conta com mais de 20 signatários e que acaba de promover seu 3º Encontro, onde foram lançadas mais duas publicações: Comércio de Madeira – Caminhos para o Uso Responsável (WWF/Sindimasp) e Catálogo de Madeiras Brasileiras para a Construção Civil (IPT).

Também empresas há que estão buscando certificação hoje por causa do mercado externo que tinha se fechado para a madeira ilegal. Em 2009, apenas 22% da madeira produzida na Amazônia era exportada. Atualmente, o número saltou para 68%.

A certificação é feita por organizações de terceira parte, ou seja, sem fins lucrativos. No Brasil têm os selos FSC (Forest Stewardship Council – em português Conselho de Manejo Florestal) internacional; e o Cerflor (Programa Brasileiro de Certificação Florestal). 

Essas organizações acreditam as certificadoras que são contratadas para certificar a extração da madeira, ou manejo na floresta, ou até mesmo toda cadeia de custódia, processo que permite rastrear todo o trajeto: da extração ao consumo final, garantindo sua origem.

 

Acenos

As casas brasileiras não são construídas com madeira. Predominam as construídas em alvenaria em função da cultura herdada dos portugueses. Apenas nos Estados do sul do Brasil é possível observar a construção em madeira, fruto da colonização alemã e mesmo italiana.

Essa construção teria vantagens, contudo tornou-se um mito em função do fundamento de que não se pode tocar a floresta e de que é preciso preservá-la. Na realidade, critica o mestrando, a floresta é para ser usada. “O que é preciso é conservá-la”, sustenta. E isso envolve extrair a madeira com critério, empregando planos de manejo, uma vez que a madeira é um bem renovável. 

Além de não poluir, a construção em madeira é um processo menos impactante que o concreto, o tijolo, que exigem muita fonte de energia e de calor. A madeira sozinha absorve o carbono da atmosfera e da terra. Com pouco processamento, é possível fazer uma casa. 

Outro mito a ser derrubado, a seu ver, é o de que a madeira precisa de outras soluções, por ser um material suscetível a ataque de pragas e fungos. Ocorre que há tratamentos eficientes para isso e espécies que resistem naturalmente. Muitas casas com 100 anos de uso têm o madeiramento perfeito. Seu tempo de vida útil é de no mínimo 50 anos, a mesma média de uma casa em alvenaria. 

A madeira no país, relata Di Mauro, é subutilizada para fazer tapume, pontalete, fôrma de concreto. Infinitas vezes é descartada em caçambas. Para ficar definitiva na obra, ela deve ser uma esquadria de madeira, uma janela, uma porta ou até mesmo uma estrutura do telhado. 

Só que esses usos ficam restritos ou escondidos, representando uma parcela ínfima da construção no Brasil (5% a 10% no máximo), que conta com a exuberância das florestas nativas e poderia explorar a madeira como recurso renovável. 

Di Mauro propôs dois acenos para trabalhos futuros. Um deles é o de explorar e incentivar mais o emprego da madeira dentro das certificações de edifícios, como os selos Leed e Aqua. O outro é investigar mais a “caixa preta” das destinações da madeira ilegal apreendida. Todos os entrevistados, recorda ele, disseram saber que a madeira tem sido adotada em construções de caráter social, mas há poucas evidências documentadas. Então o que de fato é feito com a madeira apreendida? É a dúvida que fica.

 

 

Publicação

Dissertação: “Madeira na construção civil: da ilegalidade à certificação”
Autor: Fabio João Paulo Di Mauro
Orientador: Mauro Augusto Demarzo
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)