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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 11 de novembro de 2013 a 24 de novembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 583Método barateia e simplifica detecção de chumbo no solo
Técnica desenvolvida no IQ dispensa o uso de equipamentos sofisticadosUm método rápido e simples de análise química para detectar chumbo em amostras como de solo e água, mesmo em baixas concentrações, é o resultado da tese de doutorado de Patrícia de Pádua Castro, que foi orientada pela professora Adriana Vitorino Rossi, no Instituto de Química (IQ). “Spot test quantitativo para chumbo com análise de imagens, aplicado a solos” é o título da tese. Segundo a autora, o método permite detectar níveis de contaminação que impliquem riscos à saúde e ao meio ambiente e dispensa o uso de equipamentos sofisticados, podendo ser adaptado para aplicação direta no campo.
Patrícia Castro já trabalhava com Adriana Rossi quando a orientadora era diretora educacional do Museu Exploratório de Ciências (MC) da Unicamp. Segundo a professora do IQ, a ideia inicial era levar um procedimento de química analítica para fora dos laboratórios, aproveitando também ambientes de educação não formal. “A ideia integra-se com o foco do nosso trabalho, que está em projetos envolvendo métodos simples e acessíveis, os chamados spot tests, em que se usam quantidades muito pequenas de amostras e reagentes, alcançando-se resultados de concentrações que podem ser muito baixas. Queríamos instigar nas pessoas a curiosidade sobre como se faz para descobrir como um solo, por exemplo, tem alguma contaminação.”
Porém, no decorrer da pesquisa, como recorda a professora, a parte analítica foi ganhando corpo e demandando mais trabalho, não sobrando tempo hábil para que a doutoranda testasse o método em espaços educacionais. “Decidimos, então, nos ater ao spot test para determinação de chumbo, um composto altamente tóxico que pode estar presente no solo e em produtos como tintas de parede e de brinquedos. E, na época, Patrícia estava inspirada por sua gravidez: crianças são mais suscetíveis aos efeitos toxicológicos.”
A autora da tese explica que o chumbo é um contaminante que ocupa a segunda posição no ranking da Agência para Registro de Sustâncias Tóxicas e Doenças (2011). A exposição ocorre geralmente por ingestão ou inalação, em áreas próximas a atividades como de mineração, reciclagem de baterias e uso de aditivos em combustíveis, tintas e pesticidas. “As crianças estão mais suscetíveis por brincarem no chão, levanto objetos e mãos à boca; e, como elas estão em fase de desenvolvimento físico e neurológico, o acúmulo e os danos do chumbo são maiores.”
A maior vantagem do método desenvolvido na pesquisa em comparação aos usuais, de acordo com Patrícia Castro, está na pequena quantidade de reagentes e amostras, com a necessidade de apenas 10 microlitros para promover a reação analítica. “É um teste colorimétrico, rápido, em que se mistura uma gota do reagente e outra da solução contendo a amostra, o que também gera pouquíssimo resíduo e vai ao encontro da preocupação ambiental. Além disso, estamos propondo a quantificação de chumbo através da análise de imagens.”
Nesse sentido, Adriana Rossi destaca a escolha do dispositivo microfluídico (um cartão de papel que apresenta uma série de círculos desenhados com cera), impregnado com o reagente rodizonato. “Os círculos são como pequenos vasos de reação. De acordo com o gotejamento das soluções, aparecem diferentes intensidades de cor vermelha; quanto mais colorido, maior a quantidade de chumbo presente. A rigor, trata-se de uma aplicação semiquantitativa do método, uma comparação visual.”
A professora observa que a análise da foto digital do cartão reagente, por meio de programas computacionais, possibilita transformar as cores em números, que podem servir para quantificar o chumbo na amostra, em concentrações mais baixas que a observação visual permitiria. “Comparando os resultados obtidos por nosso procedimento barato e pelo método instrumental espectrometria de emissão ótica com plasma indutivamente acoplado (ICP OES), obtivemos concordância entre os dois métodos. Outra vantagem é que os cartões coloridos podem ser arquivados para que os resultados sejam conferidos posteriormente, ao passo que a amostra analisada num equipamento nem sempre pode ser armazenada.”
Uma questão colocada por Patrícia Castro, referente ao uso de reagentes como o rodizonato, é que eles não reagem somente com chumbo, mas também com outros elementos como bário e estrôncio, formando, igualmente, compostos coloridos. “Como há possibilidade de interferências, nosso método pode ser usado como uma pré-análise, antes de um teste sofisticado. Numa situação de solo contaminado, não sabemos a dimensão da área atingida, o que exige coletas em vários pontos e em várias quantidades. O custo de uma análise instrumental é alto, havendo centros de pesquisa que não possuem o equipamento, tendo que contratar terceiros para o trabalho.”
Adriana Rossi reitera que este processo é muito trabalhoso, sendo necessário definir o volume de amostra a ser coletado, em que pontos da área e em qual profundidade, seguindo os devidos protocolos. “Para a análise sofisticada, todo esse material deve ser transportado para o laboratório. Ainda que o nível de precisão em termos de quantificação do chumbo não seja o mesmo, é muito mais prático usar nosso método para detectar, ainda no campo, onde existe muito ou pouco chumbo, delimitando a faixa de exposição. Ao invés de mil amostras, podemos transportar somente trezentas, diminuindo bastante o tempo e o custo da análise, por exemplo.”
Patrícia Castro informa que os testes para detecção de chumbo são frequentes, pois além das usinas de reciclagem de baterias, há lugares abandonados que também são fontes de contaminação, a exemplo de aterros e postos de combustível desativados (até a década de 1980, adicionava-se chumbo à gasolina). “Poluição é responsabilidade das empresas, que devem coletar amostras para monitoramento ambiental. O Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] estabelece limites para a concentração de chumbo e outras substâncias tóxicas nos solos e águas subterrâneas com base em três cenários: agrícola, urbano e industrial, sendo o cenário agrícola o que permite as menores concentrações, devido à produção de alimentos”.
A autora acredita na disseminação do método desenvolvido na pesquisa, diante da crescente demanda por spot tests para tomada de decisões rápidas em campo. “Esse tipo de teste já é bastante comum em análises clínicas, como do nível de glicose para detectar diabetes. Outro exemplo é de populações de regiões remotas que precisam de exames clínicos, mas não contam com médicos e hospitais. O mais enriquecedor nessa pesquisa foi o resgate de uma técnica antiga, que remonta à década de 1950, para adotá-la com toda a tecnologia de que dispomos hoje. Até para mostrar que conhecimento não se perde, vai se aprimorando.”
O metal e a saúde humana
Artigo publicado na página do Conselho Regional de Química (IV Região) dá conta de que as propriedades tóxicas do chumbo e de seus compostos continuam causando danos à saúde humana e ao meio ambiente, ainda que encanamentos, taças e garrafas de bebida fabricadas com o metal sejam coisas da Roma antiga. E mesmo que, em período recente, o chumbo tenha sido eliminado das tintas e substituído pelo etanol como agente antidetonante na gasolina. O mesmo artigo, entretanto, alerta que o chumbo continua presente, por exemplo, nas nuvens de poeira em demolições de construções antigas, sendo inalados pelos trabalhadores em elevada quantidade.
Antonio Carlos Massabni, Pedro Paulo Corbi e Maurício Cavicchioli, autores do texto no site do CRQ, explicam que a absorção de chumbo ocorre geralmente através do estômago, do intestino e do sistema respiratório. O metal atinge primeiramente os tecidos dos rins e do fígado, através do sangue, e, depois de expelido em parte pela urina, é redistribuído no organismo. Os autores atentam que mais de 90% do chumbo fica depositado no organismo e uma pequena quantidade pode se acumular no cérebro. Os problemas neurológicos são mais comuns em crianças, e os problemas gastrointestinais em adultos.
Ainda conforme o artigo, a encefalopatia, doença neurológica decorrente do acúmulo de chumbo no cérebro, é a mais séria das enfermidades causadas por este metal, com sintomas iniciais como vertigens, dores de cabeça, insônia e irritabilidade, que dificultam o diagnóstico. Se a exposição ao chumbo perdurar, o paciente vai apresentar sintomas semelhantes aos de tumores cerebrais, o que também dificulta o diagnóstico. Convulsões e delírios, que são os sintomas subsequentes, podem levar a pessoa ao coma.
Publicação
Tese: “Spot test quantitativo para chumbo com análise de imagens, aplicado a solos”
Autora: Patrícia de Pádua Castro
Orientadora: Adriana Vitorino Rossi
Unidade: Instituto de Química (IQ)