Edição nº 594

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 14 de abril de 2014 a 27 de abril de 2014 – ANO 2014 – Nº 594

Tese propõe indicadores para qualidade da educação infantil

Para autora do estudo, ferramentas podem subsidiar novas políticas públicas

O acesso à educação e o papel dos fatores sociais na formação do indivíduo são identificados como condições necessárias ao desenvolvimento. Em relação à criança de 0 a 3 anos de idade esse acesso pressupõe que ele deva oferecer contextos educativos pautados no entendimento dos processos do desenvolvimento infantil. A preocupação é particularmente significativa porque é nesta fase de vida que se estabelecem as bases para o desenvolvimento intelectual, afetivo, social e físico, conforme evidenciam pesquisas publicadas nas últimas décadas.

Em vista disso, amplia-se a responsabilidade social de oferecer ambientes educativos de qualidade e que favoreçam o pleno desenvolvimento das crianças, construtoras ativas do seu conhecimento e de sua personalidade. Nesta fase tão singular é imprescindível que o acompanhamento dessas crianças tenha uma intencionalidade educativa e seja planejado com base em suas necessidades.

Neste contexto, a creche, que passou a se constituir no segmento educacional mais procurado, é vista como o espaço educativo por excelência. Com efeito, com o tempo ela deixou de ser apenas cuidadora de crianças, enquanto as mães trabalham, e passou a ser considerada também como o local em que elas são atendidas em suas necessidades físicas e afetivas.

Nesses ambientes, as crianças desenvolvem relações de confiança com os adultos; têm respeitadas suas individualidades; encontram ambientes seguros, saudáveis e adequados aos seus níveis de desenvolvimento; interagem entre si; dispõem de tempo para explorar objetos utilizando seus sentidos; e se deparam com oportunidades de aprendizagens significativas.

Desse modo, uma creche com função educativa deve satisfazer a todos estes requisitos, que levam ao desenvolvimento pleno das crianças e exigem a adoção de programas devidamente estruturados e capazes de atender as dimensões “cuidar” e “educar”, indissociáveis na creche educativa.

Estas considerações fazem parte da tese da pedagoga Andréa Patapoff Dal Coleto, apresentada à Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e orientada pela professora Orly Zucatto Mantovani de Assis. No trabalho, a pesquisadora apresenta percursos que devem ser seguidos para a construção de indicadores de qualidade da educação infantil com vistas aos objetivos que devem orientá-la. Os indicadores constituem sinais que revelam aspectos de determinada realidade e que permitem qualificá-la. Assim, por exemplo, para avaliar a saúde econômica de um país podem ser utilizados, como indicadores, índices de inflação, taxas de juros, crescimento do PIB.

A pedagoga considera a discussão da qualidade do atendimento da educação infantil (0 a 3 anos) fundamental como subsídio para a luta por novas políticas públicas e para a reflexão sobre o trabalho realizado nas creches para o desenvolvimento da criança como pessoa e na construção do cidadão.

O alcance social do trabalho fica evidente quando se sabe que o segmento educacional que mais cresceu nos últimos anos foi o do atendimento às crianças de 0 a 3 anos.  As mudanças sociais e a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho levaram à necessidade cada vez maior de creches, procuradas principalmente pelas classes econômicas menos favorecidas, o que levou o governo a incluir esse atendimento, desde 1996, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Mas qual a qualidade dessas creches, como dimensioná-la e como persegui-la?  Ao encontro das respostas a estas questões se propôs Andréa.


Pressupostos

A autora passou a se interessar particularmente pelo tema quando colaborou no processo de construção do instrumento de auto avaliação da qualidade na educação infantil no Distrito Federal. Outra experiência que a motivou a atuar nesta área foi o trabalho que desenvolveu na formação de professores e educadores de educação infantil. A análise dos cenários descortinados nessas atividades engendrou muitos questionamentos, um deles fundamental em seu trabalho: a participação de professores, educadores, dirigentes e pais de alunos na construção dos indicadores para avaliar a qualidade da educação infantil contribui para que eles sejam mais eficazes e próximos da realidade das instituições envolvidas?

Sua resposta definiu a opção pelo tema: “Considerando que a participação em um processo avaliativo permite ao professor distanciar-se do seu trabalho e tomar consciência dos seus acertos e erros, pareceu-me muito oportuno realizar uma pesquisa em que os participantes estariam estabelecendo os padrões de qualidade, a partir dos quais poderiam analisar o trabalho pedagógico na instituição em que atuam”.

A ideia do trabalho foi, portanto, desenvolver a capacidade da própria comunidade em gerir todo o processo para aperfeiçoar e buscar mudanças para a realidade em que está inserida. Em decorrência, diz a autora, o papel regulador deixa de ser feito por esferas externas e superiores, no bojo de documentos oficiais, que em geral mostram-se distantes da realidade das instituições educacionais avaliadas.

A partir desse quadro, Andréa montou um projeto que teve como ideia central transformar toda essa problemática em um percurso: construir conjuntamente com a comunidade escolar os indicadores de qualidade da educação infantil. Participaram do estudo três Escolas de Educação Infantil que atendem a crianças de 0 a 3 anos, segmento creche, pertencentes à rede pública de ensino, uma delas mantida por uma ONG que faz parte da rede conveniada com a Secretaria de Educação.

 

Metodologia

O cerne da investigação foi a utilização da técnica do grupo focal como principal instrumento de coleta de dados. O processo envolve um grupo de discussão informal e de tamanho reduzido, constituído com o propósito de obter informações de caráter qualitativo em profundidade. Trata-se de uma técnica rápida e de baixo custo que permite que gerentes de projetos ou instituições obtenham informações qualitativas sobre o desempenho de atividades desenvolvidas, prestação de serviços, novos produtos. O objetivo principal de um grupo focal é revelar as percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos participantes sobre o problema em discussão.

Inicialmente, a pesquisadora elaborou um questionário básico, organizado em oito dimensões com base em conhecimentos técnicos e bibliografia consagrada, encaminhando-o para a comunidade escolar das três escolas participantes: dirigentes, professores, monitores e pais de alunos. Através dele, ela objetivava realizar uma pesquisa de qualidade da educação infantil e conhecer a percepção que as pessoas envolvidas com a escola tinham sobre qualidade.

Em uma segunda etapa, as oito grandes dimensões foram então submetidas separadamente aos grupos focais de cada escola. As oito dimensões da qualidade da educação infantil referiam-se a: 1) ambiente físico; 2) planos e rotinas; 3) interações adultos-crianças; 4) interações entre iguais; 5) experiências educativas; 6) cuidados para uma vida saudável; 7) qualificação e desenvolvimento profissional; 8) parceria escola-família. Foram estabelecidos por cada grupo os indicadores da qualidade de cada instituição, ou seja, os parâmetros que cada uma delas deve considerar para avaliar situações e desempenhos.

Foi, portanto, a partir destas oito dimensões, que o grupo focal de cada escola construiu os indicadores que satisfaziam seus anseios de qualidade. Esses indicadores dizem respeito, por exemplo, a instalações e recursos materiais disponíveis; organização pedagógica que garanta o cuidar e educar; formação do pessoal; relação produtiva e sadia entre eles e as crianças; relações entre as próprias crianças; atividades desenvolvidas; cuidados para uma vida saudável; preservação da integridade física das crianças; formação inicial e continuada específicas; parceria escola-família.

Para a pesquisadora, “levantamentos e análises de elementos como estes constituem o que se pode considerar avaliação institucional de uma creche, e esse foi o ponto crucial do nosso estudo. A partir daí passamos a ter um instrumento de avaliação construído pela própria escola e que pode ser usado periodicamente”. Ela aconselha seu emprego semestral com alterações nas constituições dos grupos focais.

Para a pedagoga, esse processo permitiu a tomada de consciência de toda a comunidade escolar sobre a importância de conversar periodicamente sobre as dimensões propostas e sobre o processo de construção da qualidade, conceito muito amplo e que, portanto, impõe articulações para que sejam alcançados os melhores resultados possíveis. Para tanto, considera que o caminho mais adequado seja a avaliação.  A propósito, a educadora comenta: “Infelizmente, em nosso sistema educacional não existe a cultura da avaliação, que normalmente é vista como o estabelecimento de um ranking, ou seja, avalia-se para comparar com o outro, sem o foco na melhor qualidade do trabalho em si mesmo. O que estamos propondo é um encaminhamento que conduza à tomada de consciência e que permita a construção de qualidade da educação infantil”.

A tese não chega à construção de um processo de avaliação e se atém a apresentar o percurso que conduz à construção dos indicadores da qualidade, o que por si só já constitui uma avaliação. Cada escola ficou com o instrumento que construiu e recebeu da pesquisadora um documento de orientação de como aplicá-lo. Para Andréa “a participação da comunidade se revelou altamente eficaz e eficiente para uma avaliação de significado verdadeiro. Ela pode se constituir em instrumento de formação continuada e isso faz a diferença no trabalho”. A autora lembra que existe um documento sobre avaliação da educação infantil elaborado pelo MEC que ninguém usa porque não existe o envolvimento, não existe o sentimento de pertencimento, não existe a compreensão de sua importância. Trata-se de algo distante da realidade, da especificidade de cada unidade educativa.

Ela conclui enfatizando que “o papel de regulador deixa de ser feito por esferas totalmente externas e superiores, advindos de documentos oficiais ou instrumentos internacionais que muitas vezes mostram-se distantes da realidade das instituições educacionais avaliadas. O estudo teve como ponto de partida dar voz a educadores, professores, dirigentes e pais de alunos, garantindo-lhes espaços para as manifestações de suas expectativas, necessidades e interesses quanto ao atendimento à criança pequena”.

 

 

Publicação

Tese: “Percursos para a construção de indicadores da qualidade da educação infantil”
Autora: Andréa Patapoff Dal Coleto
Orientadora: Orly Zucatto Mantovani de Assis
Unidade: Faculdade de Educação (FE)