Edição nº 605

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 08 de setembro de 2014 a 12 de setembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 605

Por barragens mais seguras

Estudo desenvolvido na FEC determina 22 critérios para a avaliação de riscos

A geração de energia hidroelétrica requer um conjunto de estruturas e equipamentos hidráulicos, sendo que no Brasil muitas dessas estruturas estão envelhecendo e levantando discussões acerca da segurança das barragens. Além da ampliação do parque hidroenergético com a construção de novas barragens, existem tecnologias hoje em uso que foram desenvolvidas na década de 1970, quando o país não possuía um sistema tão complexo como o atual. “A questão da segurança de barragens é premente”, afirma o engenheiro Daniel Prenda de Oliveira Aguiar. “Todavia, não há fundamentação científica suficientemente desenvolvida para embasar a tomada de decisão por parte dos gestores de empreendimentos e dos órgãos públicos diante de situações de risco”.

Daniel Aguiar é autor da dissertação de mestrado “Contribuição ao estudo do Índice de Segurança de Barragens – ISB”, orientada pelos professores José Gilberto Dalfré Filho e Ana Inés Borri Genovez e apresentada na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp. “Na produção hidroenergética, vários tipos de riscos podem ser considerados, a exemplo dos riscos ambientais e tecnológicos – esses últimos decorrentes de falhas nas estruturas das barragens. O ISB classifica as barragens quanto à segurança e na pesquisa foi possível determinar 22 critérios importantes para a avaliação de riscos, com o objetivo de auxiliar na priorização de ações de manutenção periódica e preditiva.”

Aguiar salienta que seu estudo se fundamenta e dá sequência a um trabalho de Mônica Zuffo, que em 2005 propôs, também na FEC, uma primeira metodologia para classificar as barragens no aspecto da segurança. “Muita coisa mudou de lá para cá, inclusive com a publicação da Política Nacional de Segurança em Barragens [Lei 12.334 de 2010, regulamentada em 2012], e por isso, eu e meus orientadores decidimos aprofundar a metodologia. Foram coletadas informações junto a 45 especialistas (engenheiros, geólogos e outros profissionais do setor) do Brasil e do exterior, que atribuíram pesos a cada critério, possibilitando organizá-los por ordem de importância.”

Segundo o engenheiro, sua pesquisa inclui critérios novos e parâmetros da lei federal e das resoluções do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, estabelecendo critérios gerais de classificação de barragens, e da Agência Nacional de Águas (ANA), que traz o Plano de Segurança de Barragens e regulamenta as inspeções regulares. “É preciso ter em mente que a noção de segurança é bastante subjetiva. O ISB visa justamente reduzir a subjetividade, contendo critérios ponderados por pesos submetidos a tratamento estatístico.”

Daniel Aguiar explica que o primeiro critério do índice, em ordem de importância, refere-se à presença de percolação e vazamentos na barragem, seguido de deformações e recalques e da existência de população a jusante (à frente da barragem) com potencial prejuízo material e de perda de vidas. “Percolação é o caminho que a água percorre pela estrutura (que pode ser um maciço de terra), problema normalmente evitado por um núcleo impermeabilizado no corpo da barragem. A altura da barragem também é importante, pois quanto mais alta, maior o volume de água contida e de atenção necessária.”

 

Fiscalização

O autor da dissertação informa que existem 13.736 barragens cadastradas pelos órgãos de fiscalização e segurança no Brasil, número que está longe de representar a realidade por haver quantidade bem maior na informalidade. “O Estado de São Paulo responde por 43% desse total cadastrado, com quase seis mil empreendimentos registrados pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica [Daee], vindo depois o Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A ANA coordena o trabalho de fiscalização, sendo responsável pelo Sistema Nacional de Informações de Segurança em Barragens, que foi criado pela Lei 12.334 e é alimentado com dados fornecidos por todos os órgãos estaduais referentes a barragens em construção, em operação e desativadas.”

De acordo com Aguiar, entre os problemas que podem levar a rompimento da estrutura ou falha de funcionamento, está a falta de profissionais capacitados e de avaliações preventivas e periódicas. “Há inúmeras barragens abaixo de quinze metros de altura em pequenas propriedades rurais particulares, construídas para fins de abastecimento, irrigação ou recreação, nem sempre com um projeto fundamentado – estima-se que estas somem 65% das barragens construídas no mundo. Em grandes estruturas como de hidrelétricas, geridas por profissionais, o risco vem do orçamento ou do cronograma apertados para a conclusão das obras. Dois terços das barragens de porte da América Latina estão no Brasil, o que dificulta a fiscalização e gestão da segurança.”

O autor espera que o Índice de Segurança de Barragens possa ser utilizado por órgãos de fiscalização e por gestores como “checklist” em programas internos de prevenção. “A periodicidade das vistorias depende do porte da barragem. Regulamentação da ANA determina que as inspeções sejam semestrais no caso de estruturas em más condições e com risco elevado de danos à jusante, ou então anuais, bianuais e mesmo a cada cinco ou dez anos. Existe ainda o plano de ação emergencial (PAE), que dá a diretriz de procedimentos para cada tipo de falha, desde o pequeno vazamento até o rompimento total da estrutura, e que é acionado em conjunto pela defesa civil, órgão de fiscalização e gestor da barreira.”

 

 

Um histórico de acidentes

Daniel Aguiar incluiu em sua dissertação de mestrado um histórico de 16 acidentes em barragens ocorridos de 1864 até 1976, no Brasil e no mundo. São acidentes de maior ou menor gravidade, mas ressaltados por terem impulsionado o desenvolvimento tecnológico (métodos construtivos e de monitoramento) na época. Envolveram barragens grandes e importantes, que se romperam devido a falhas de projeto ou na sua execução.

Autores apontam entre os elementos mais críticos para a segurança em barragens, a capacidade de vazão insuficiente ou mau funcionamento dos órgãos de descarga de cheias (vertedores); avaliação deficiente do valor da vazão de projeto e incorreta utilização dos critérios de dimensionamento hidráulico; o não funcionamento das comportas; e causas relacionadas com as fundações (percolação e erosão interna). A principal causa de mortes advém da onda de cheia provocada pelo rápido esvaziamento do reservatório. Abaixo, alguns acidentes históricos no mundo, com danos e vítimas a jusante da barragem.

South Fork

Nos EUA, em 1853, ergueu-se a barragem de South Fork para controle de cheias e abastecimento de água. A estrutura foi abandonada pelo governo em favor da construção de rodovias na região e comprada por um clube de pesca e caça, que fez mudanças na estrutura sem conhecimento técnico: tubulações de drenagem para aliviar a pressão foram retiradas e nenhum vertedor foi previsto na reforma. Em 1889, uma grande onda de cheia fez com que o rio galgasse o barramento, provocando o rompimento do corpo da barragem. A onda atingiu a cidade, 22 quilômetros a jusante, matando 2.200 pessoas. (Kozlovac, 1995)

Saint Francis

A investigação geológica onde se pretende construir um barramento é fundamental e falhas podem ocorrer quando ela não é bem feita. Um exemplo está na barragem de Saint Francis (EUA), construída em 1926 e que rompeu dois anos depois. A estrutura em concreto, do tipo “gravidade arqueada”, possuía originalmente 56,4 metros de altura, mas em duas ocasiões foi alteada em três metros, sem nenhuma compensação na largura da base. A modificação da altura para aumentar o volume do reservatório deixou o barramento 11 % mais pesado. Em 1928 houve um grande deslizamento e 1,5 milhão de toneladas de xisto atingiram a estrutura de concreto, causando seu rompimento abrupto. A inundação matou pelo menos 420 pessoas, sendo que 179 corpos nunca foram encontrados. (Balbi, 2008 e Rogers, 2007)

Teton

Um acidente amplamente documentado é da barragem no rio Teton (EUA). Terminada em 1975, seu enchimento continuou até o ano seguinte, quando se deu a ruptura. Era uma estrutura de terra com 93 metros de altura que se rompeu devido à erosão interna provocada pela percolação de água através do maciço. Não demorou mais de duas horas entre a detecção do problema e o rompimento, que causou uma cheia em que 11 pessoas morreram. O fenômeno é conhecido como “piping” ou erosão tubular regressiva, que difere da erosão superficial por ocorrer internamente ao maciço e contrário ao sentido do fluxo. (Arthur, 1976 e Azevedo, 2005)

Dale Dyke

Um dos primeiros casos de rompimento da era moderna, a barragem de Dale Dyke foi construída em 1858 para atender à grande demanda por infraestrutura na Inglaterra da época da revolução industrial – a barreira de terra rompeu em 1864. Um trabalhador que passava pelo local, em dia de chuva forte, ouviu um “crack” ao longo da estrutura, onde se abriu uma fissura não maior que um dedo. Mas não houve tempo para esvaziar o reservatório e o rompimento causou uma enchente que resultou em mais de 250 mortes. Somente em 1978 concluiu-se que a causa foi a percolação de água através do núcleo impermeabilizante de areia, o que desestruturou o talude da represa. (Harrison, 1974)

Iruhaike

No Japão, a barragem de Iruhaike, construída em 1633 com a finalidade de armazenar água para irrigação dos campos de arroz, rompeu em 1868. Era de terra, com 28 metros de altura e 700 metros de largura. Colapsou devido a uma onda de cheia excepcional que varreu a região. Os relatos apontam entre 1.000 e 1.200 mortes. (Lemperiere, 1993)

Orós

Um caso no Brasil foi da barragem de Orós, no Ceará. Seu rompimento ocorreu enquanto estava sendo construída – de terra, em formato semicircular, com 54 metros de altura e 620 metros de comprimento. Em 25 de março de 1960, uma onda de cheia galgou a estrutura, inicialmente com uma lâmina de 30 centímetros acima da crista. Para tentar evitar a ruptura, um canal foi escavado à direita do maciço, mas ele rompeu no dia seguinte formando uma brecha de 200 metros de comprimento por 35 metros de altura. Forças do Exército tentaram evacuar as pessoas do Vale do Jaguaribe, localizado 75 quilômetros a jusante do barramento e que a enchente atingiu em 12 horas. As estimativas indicam até 1.000 mortos. (Balbi, 2008)

China

O acidente catastrófico é representado pelo rompimento dos barramentos de Ban Qiao e Shimantan, na China. Ambas foram construídas em 1950, para beneficiar a população por períodos de 1000 e 500 anos, respectivamente, mas um evento natural com tempo de recorrência estimado de 2000 anos provocou seu transbordo em 1975. As inundações provocadas pelo galgamento das duas grandes barragens e de 62 menores teriam matado 230.000 pessoas – número controverso e exorbitante por levar em conta as vítimas indiretas das doenças e da fome. (Mccully, 2001)

 

Publicação

Dissertação: “Contribuição ao estudo do Índice de Segurança de Barragens – ISB”
Autor: Daniel Prenda de Oliveira Aguiar
Orientadores: José Gilberto Dalfré Filho e Ana Inés Borri Genovez
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)