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Jornal da Unicamp
Baixar versão em PDF Campinas, 16 de março de 2015 a 22 de março de 2015 – ANO 2015 – Nº 619Dissertação analisa o ensino do judô para deficiente visual
Autora de dissertação entrevistou 14 professores provenientes de onze estados brasileirosOrientada pelo professor José Júlio Gavião de Almeida, a professora de educação física Gabriela Simone Harnisch desenvolveu trabalho junto ao Laboratório de Atividade Física Adaptada, do Departamento de Estudos de Atividade Física Adaptada da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, em que se propôs a verificar as práticas pedagógicas utilizadas por professores no ensino do judô para pessoas com deficiência visual.
Dentro destes objetivos, o estudo, financiado pelo CNPq, caracterizou-se como um survey, que teve como instrumento para coleta de dados um questionário testado e aplicado pela pesquisadora. Ela entrevistou 14 professores e/ou técnicos provenientes de 11 estados brasileiros participantes da 1ª Etapa do Grand Prix Infraero de Judô para Cegos, evento realizado anualmente em São Paulo. Na oportunidade, conta, “conversei com todos os técnicos que vieram para a competição, convidando-os para participar da minha pesquisa. Dos 19 professores participantes, 14 aceitaram o convite para responder questões previamente elaboradas com o objetivo de verificar como esses docentes ensinam judô para pessoas com deficiência visual, de que estrutura física dispõem e de que forma a utilizam”.
Esses profissionais, todos do gênero masculino, que correspondem a cerca de 90% dos que se dedicam à modalidade paralímpica no Brasil, possuem graduação em educação física e cerca de 20% deles trabalham apenas com pessoas com deficiência, ou seja, em instituições de ensino especializadas.
A autora esclarece que o judô destinado a pessoas com deficiência constitui uma modalidade paralímpica que envolve poucas adaptações, em relação à convencional, que visam essencialmente garantir sua prática segura. Como as maiores diferenças em relação ao judô tradicional concentram-se no processo de ensino e aprendizagem, foram estes segmentos que serviram de escopo para a pesquisa.
No trabalho, Gabriela preocupou-se principalmente com a fase de iniciação nessa modalidade, em que considera fundamental distinguir as condições que diferenciam os alunos, suas vivências e experiências anteriores e o que o professor faz ou deve fazer para que o principiante se desenvolva no processo ensino-aprendizagem. Nesse público, os estímulos, que não podem ser visuais, deverão ser substituídos por outros mais ricos como o auditivo e o tátil, inclusive associando-os à utilização de materiais e espaços. Ciente dos benefícios e do alcance que a prática pode adquirir entre as pessoas deficientes visuais, ela pondera: “Nem todos aprendem para ser atletas, mas quanto melhor a base de aprendizado, maior a possibilidade do alcance do alto rendimento”.
A pesquisadora espera que a dissertação de mestrado contribua para o ensino do judô no Brasil oferecendo subsídios para a elaboração das práticas pedagógicas de profissionais que almejam ensiná-la às pessoas com deficiência visual. Mesmo porque, considera ela, os resultados alcançados por esses instrutores dependem tanto do conhecimento específico da modalidade quanto da formação para o magistério, de forma a qualificá-los para o processo de desenvolvimento cultural e esportivo das pessoas envolvidas.
A partir destas ponderações a autora julga que o judô, além de servir como instrumento completo para o desenvolvimento de pessoas com deficiência visual, pode constituir um recurso para que os professores da modalidade atualizem-se, façam reflexões e adotem ações condizentes. Segundo ela, o grupo de professores que contemplaram o estudo constitui o principal agente de transformação social no Brasil do processo de ensino de judô para pessoas com deficiência visual.
Sobre a oportunidade mais imediata do estudo ela lembra a aproximação dos Jogos Paralímpicos RIO-2016, que sucedem as Olimpíadas, o maior evento esportivo da atualidade, e que se realizam nos mesmos locais destas. Mas, mais que isso, ela ressalta que “conforme o senso do IBGE de 2010, no Brasil existem cerca de 35 milhões de pessoas com deficiência visual dos quais 6,5 milhões possuem cegueira, que caracteriza a completa falta de visão. Para essas pessoas, que enfrentam barreiras nas atividades cotidianas e motoras, a educação física tem importante papel na promoção da integração social”. Diante dessas perspectivas, Gabriela coloca o judô paralímpico entre as atividades esportivas possíveis para o público estudado.
Diretrizes
O processo de ensino do judô para pessoas com deficiência visual precisa ser pensado com base em algumas diretrizes, pautadas principalmente nas características e individualidades inerentes a cada pessoa. Diante desse pressuposto a autora coloca a pergunta: quais as práticas pedagógicas utilizadas por professores para o ensino do judô para as pessoas com deficiência visual no processo de iniciação?
Ela explica que há uma diversificação muito grande entre as faixas etárias atendidas, as intensidades dos exercícios aplicados e as características e experiências anteriores das pessoas deficientes visuais, entre as quais se encontram as que nasceram com a deficiência e as que a adquiriram em diferentes faixas etárias, fatores determinantes na duração dos seus estágios de desenvolvimento. Diante disso, torna-se importante identificar e analisar os elementos distintivos inerentes às pessoas com deficiência visual quando da implementação de ações de cunho pedagógico. Estudiosos do tema destacam que deve haver maior atenção quanto a algumas dificuldades que envolvem esse tipo de deficiência sensorial, como a recepção e integração das informações, aprendizagem de esquemas motores, aprendizagem por imitação, auto avaliação e controle das ações.
O professor Gavião de Almeida, que se dedica à Educação Física Adaptada, atuando principalmente com deficiência visual, lutas e esportes de combate, aprendizagem esportiva e esportes paralímpicos, e atualmente ocupa a cargo de Assessor Técnico da Federação Paulista de Desporto para Cegos, lembra que, para chegar a um projeto piloto, Gabriela fez contatos com membros da Confederação Brasileira de Desportos de Cegos e com técnicos de judô, o que, além de viabilizar o encaminhamento da proposta ao Comitê de Ética, permitiu-lhe a elaboração da metodologia da pesquisa e abriu caminhos para a consolidação de um processo de cunho político-pedagógico-administrativo.
Resultados
Para a elaboração técnica do questionário a pesquisadora partiu de quatro palavras chaves: personagens, cenário, modalidade e objetivos. O cenário é constituído pelo local onde se desenvolvem as práticas e em que se localizam os materiais utilizados; a caracterização dos objetivos deve ser perseguida em todas as etapas do processo ensino-aprendizagem, mesmo porque são diferentes as fases de iniciação e de formação do atleta; a modalidade, no caso, é o judô para pessoas deficientes visuais, um esporte de origem oriental que no Brasil assume características próprias decorrentes de uma nova cultura; os personagens, no recorte adotado, são alunos com deficiência visual e seus professores.
Gabriela organizou a discussão dos resultados com base em quatro abordagens direcionadas na coleta de dados: professores, cenário, modalidade e participantes.
Tendo em vista os objetivos pautados no estudo, a autora verificou que os professores pesquisados, todos graduados em educação física, estão academicamente qualificados para o exercício da função face à compreensão que possuem do desenvolvimento humano.
Para ela é nítida a percepção de que esses professores buscam, pesquisam e procuram se manter atualizados quanto às regras e fundamentos da modalidade. Entretanto, ressalta que uma pequena parcela deles, mesmo no século 21 e depois de 132 anos da criação e sistematização da modalidade, ainda resiste à adoção de novas técnicas, fundamentos e recursos para a aprendizagem do judô, mesmo cientes da manutenção dos princípios básicos que regem o esporte.
Ela constatou, ainda, que alguns discursos desses professores revelam de forma satisfatória a busca de qualificação e preparo para as aulas, deixando também claro que tentam adequar-se às condições e peculiaridades de cada aluno.
Apenas metade dos entrevistados revelou preocupação em conhecer e compreender as dificuldades, limitações e potencialidades de seus alunos para, a partir daí, estruturar suas ações pedagógicas, o que a autora considera fundamental no ensino da modalidade.
Ela distingue nesse universo também uma minoria de docentes que utilizam métodos de ensino que facilitam seus trabalhos, mas esquecem, entretanto, a importância da estimulação verbal e das demais formas de percepção de informações disponíveis que poderiam auxiliar as pessoas deficientes visuais no processo de desenvolvimento motor, cognitivo, intelectual e social.
Ela averiguou ainda que os professores pesquisados utilizam em geral métodos verbais e táteis, embora vários deles se valham apenas do tato, o que limita o desenvolvimento cognitivo e intelectual da pessoa deficiente visual, criando uma lacuna em relação à compreensão e interpretação verbal das informações em decorrência da falta de outras estimulações.
Por fim, Gabriela enfatiza a importância da avaliação constante das próprias práticas pedagógicas, da atualização ininterrupta, do estudo sistemático e da preocupação com as características de cada aluno.
Em decorrência do estudo, o professor Gavião de Almeida lembra que a ideia agora é desenvolver e publicar uma cartilha que, escoimada da linguagem acadêmica, seja mais acessível e de melhor utilização prática pelos professores de judô.
O docente lembra que tão importante quanto a realização da dissertação foi o envolvimento da sua aluna de mestrado nas atividades da FEF, aonde chegou de Marechal Cândido Rondon, Paraná, atraída pela relevância da área de extensão da unidade em atividades físicas adaptadas. “A Gabriela não se ateve burocraticamente à dissertação, em busca apenas de uma diplomação, mas envolveu-se com as atividades de extensão, acompanhou projetos de treinamento, trabalhos com crianças com deficiência visual e atividades envolvendo lutas e esportes adaptados de disciplinas da graduação, o que contribuiu sobremaneira em sua pesquisa e possibilitou a aquisição de experiências e o desenvolvimento da maturidade científica”, afirma ele.
Publicação
Dissertação: “O processo de ensino do judô para pessoas com deficiência visual”
Autora: Gabriela Simone Harnisch
Orientador: José Júlio Gavião de Almeida
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Comentários
Gostaria de parabenizar a
Gostaria de parabenizar a iniciativa dos professores José Júlio Gavião de Almeida e Gabriela Simone Harnisch por tratarem de um tema importante e muitas vezes conflitante na perpectiva das estratégias de ensino esportivo voltado as pessoas com deficiência visual. Creio que os resultados apresentados vislumbrarão um novo modo de pensar, elaborar e ensinar não somente alunos com deficiência, como todos os alunos, nos mais diferentes contextos - esporte, lazer, etc.., alavancando cada vez mais o pensar e fazer com excelência o esporte adaptado e esporte paralímpico.
Parabéns Sr. Carmo pela matéria.
Prezados Dr. Júlio Gavião de Almeida e Ms. Gabriela Harnisch
Parabenizo mais uma publicação de excelente qualidade do departamento de Educação Física Adaptada da Faculdade de Educação Física da UNICAMP.
Acompanho há anos a atuação da FEF em relação às lutas, artes marciais e esportes de combate e sei de sua relevância para o ensino, vivencia e aprendizagem para pessoas com deficiências.
Este empenho tem alcançado bons resultados, tanto na área de lazer e educação quanto no campo do alto rendimento do Esporte Paralímpico.
Reconheço sobretudo a disposição em lutar em prol da democratização do esporte e educação, pois, como dito por Albert Einstein: “Há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a vontade.”
Abraços!